• Nenhum resultado encontrado

A tradição da representação no Direito: dogmática e zetética 73 

CAPÍTULO 2. FILOSOFIA E ESQUIZOANÁLISE NO PENSAMENTO JUSFILOSÓFICO 61 

2.2 O PROBLEMÁTICO 65 

2.2.1 A tradição da representação no Direito: dogmática e zetética 73 

Vive-se, talvez, aquele momento quase estéril da filosofia que, transformada em história, ou ainda pior, em marketing, despotencia justamente esta gênese criativa que lhe é constituinte enquanto filosofia. Disso resulta um empobrecimento geral dos conceitos uma vez que se tornam ou proposições, e por isso, referenciais como no discurso científico, ou mesmo discursivos, porque tomados pelo senso comum e o bom senso das conversas, mais histórico-jornalísticas que propriamente filosóficas. Significa também uma derrisão do próprio desejo como fonte produtiva da vida e daquilo que nos coloca no mundo das potências. Tal situação parece também ser a do pensamento jusfilosófico.

É típico destas expressões os modismo em torno de proposições que em nada dão ensejo aos conceitos. É o exemplo dos direitos humanos que nascem do horror dos campos de concentração. Como se se pudesse apagar com uma simples fórmula aquilo que mutilou e sacrificou milhões de existências como solução desse problema. Curiosa aproximação da solução final.

Note-se que não é de vazio que se trata, senão que justamente ao se formalizar tais eventos surgem também seus corolários que não se desmancham no ar, para

       166

Diferentemente, há autores que afirmam que “a filosofia do direito tem por missão o estudo crítico dos

princípios dos sistemas científicos do direito”. VILLEY, Michel. A formação do pensamento jurídico moderno, p. 5. Como se observa, é totalmente outra a perspectiva da filosofia da diferença, uma vez que

filosofia e ciência não se confundem, como já aludido, embora entrem em conexões e interações recíprocas, mas que, no entanto, são irredutíveis seus campos de abrangência. Inclusive aqui se denota flagrantemente uma espécie de rebaixamento da própria filosofia, uma vez que sente sua impotência frente à ciência, justamente

porque trilhou o caminho de colocar o pensamento não na potência da imanência, mas no céu da representação!

usar esta conhecida expressão, mas insistem na problematização e nas soluções, tais como hoje temos os refugiados, os apátridas, os encarcerados e o paralogismo do direito do inimigo!

Por isso a fórmula vazia da Lei, que parte desde Kant e vai desembocar em Kelsen nesse percurso do formalismo refinado, deixa seus escombros e suas mazelas expostas como feridas no coração do próprio pensamento. Não se está aqui moralizando a crítica, mas criticando a moral do imperativo categórico e da ingenuidade da pureza das teorias. Portanto, parece faltar é o dionisíaco ao Direito.

O problema crítico é este: o valor dos valores, a avaliação donde procede o seu valor, portanto o problema de sua criação. A avaliação define-se como o elemento diferencial dos valores correspondentes: simultaneamente elemento crítico e criador. As avaliações, referidas ao seu elemento, não são valores, mas maneiras de ser, modos de existência daqueles que julgam e avaliam, servindo precisamente de princípios aos valores em relação aos quais julgam. É por isso que possuímos sempre as crenças, os sentimentos, os pensamentos que merecemos em função de nossa maneira de ser ou do nosso estilo de vida. (...). Eis o essencial: O

elevado e o baixo, o nobre e o vil não são valores, mas representam o

elemento diferencial donde deriva o próprio valor dos valores167.

No que concerne à dogmática168, já está bastante evidente suas tautologias, aporias e os sistemas de paradoxos que ela mesma encaminha, dos quais não consegue mais se desvencilhar sem que redobrem seus vícios e suas consequências indesejadas169

.

Daí também sua necessidade em categorizar os institutos jurídicos como generalidades das quais se decalcam os casos de interpretação/aplicação. Nesse movimento deixa patente seus esquematismos que permanecem prisioneiros da representação, uma vez que partem do pressuposto da clareza unívoca da linguagem, bem como das certezas iluminadas da razão. Assim, bastaria subsumir o caso aos conteúdos dados na lei e a solução

       167

DELEUZE, Gilles. Nietzsche e a filosofia. p. 6.

168

“Podemos dizer, nesse sentido, que a ciência dogmática do direito costuma encarar seu objeto, o direito posto e dado previamente, como um conjunto compacto de normas, instituições e decisões que lhe compete sistematizar, interpretar e direcionar, tendo em vista uma tarefa prática de solução de possíveis conflitos que ocorram socialmente. O jurista contemporâneo preocupa-se, assim, com o direito que ele postula ser um todo coerente, relativamente preciso em suas determinações, orientado para uma ordem finalista, que protege a todos indistintamente”. In: FERRAZ JÚNIOR, Tércio Sampaio. Introdução ao estudo do Direito: técnica,

decisão, dominação. 3 ed.; São Paulo: Editora Atlas, 2001, p. 82.

169

Confira-se: TEUBNER, Gunther. Dealing with Paradoxes of Law: Derrida, Luhmann, Wiethölter. Storrs Lectures at Yale Law School, In: Paradoxes and inconsistencies in Law. Oren Perez and Gunther Teubner, eds., Hart, Oxford 2006, pp. 41-64. Disponível em: SSRN: http://ssrn.com/abstract=894420. Acessado em 19.02.2010. É certo que no texto o Autor aduz às positividades dos paradoxos, o que mais adiante será abordado.

se daria de forma harmônica e justa. Mesmo a hermenêutica constitucional atual trilha esse caminho da clareza e da coerência170.

Pode se perceber que todos os ecos da representação estão aí ressoando, mas somente como canto angelical. A necessidade dos juízos categóricos levam as soluções a distorções e aporias que sobrecarregam os sistemas de interpretação ocasionando, não raro, seu colapso. Só não se reconhece tal fato na filosofia hoje dado uma neurótica fobia das inseguranças e dos medos, evidenciando uma ética que Nietzsche denominara dos ressentimentos.

Eis sobre o que é que repousa o paralogismo do ressentimento: a ficção

de uma força separada daquilo que pode. É graças a esta ficção que as

forças reactivas triunfam. Não lhes basta, com efeito, furtarem-se à actividade; é necessário ainda que invertam a relação de forças, que se oponham às forças activas que se apresentam como superiores. O processo de acusação no ressentimento cumpre esta tarefa: as forças reactivas “projectam” uma imagem abstracta e neutralizada da força; uma tal força separada dos seus efeitos será culpada de agir, meritória, pelo contrário, se não agir; mais ainda, imagina-se que é necessária mais força (abstracta) para se reter de agir171.

Para levar até o fim aquilo que pode uma força é que o Direito se inserirá na filosofia da diferença e na esquizoanálise, não como o metron, mas como multiplicidades nômades172 que ultrapassam as molaridades jurídicas da representação, tais como o Estado, os sujeitos, a sociedade, naquilo que é sua própria força, seu próprio movimento na afirmação da liberdade, portanto, de uma outra ética que implica a diferença na potência do devir.

Nem mesmo a zetética173 como investigação infinita poderia dar conta dessa problemática, uma vez que sempre concerne a um horizonte dogmático na representação. Não é da pureza que se trata, senão daquilo que nos força a pensar o Direito,

       170

Parece-nos pertencer a essa linhagem, constitucionalistas como Dieter Grimm, J. J. Gomes Canotilho, Paulo Bonavides, dentre tantos outros. Importa aqui registrar as teses de Willis Santiago Guerra Filho no sentido da

processualidade das Constituições atuais, indicando que é possível pensá-las de forma rizomática e maquínica,

embora ainda consideradas em função de finalidades e metas. Confira-se: GUERRA FILHO, Willis Santiago.

Teoria processual da Constituição; 3 ed., São Paulo: RCS Editora, 2007. passim.

171

DELEUZE, Gilles. Nietzsche e a filosofia. pp. 184-185.

172

“(...). Nós não temos unidades de medidas, mas somente multiplicidades ou variedades de medidas. A noção de unidade aparece unicamente quando se produz numa multiplicidade uma tomada de poder pelo significante ou um processo correspondente de subjetivação: é o caso da unidade-pivô que funda um conjunto de correlações biunívocas entre elementos ou pontos objetivos, ou do Uno que se divide segundo a lei de uma lógica binária da diferenciação do sujeito. A unidade sempre opera no seio de uma dimensão vazia suplementar àquela do sistema considerado (sobrecodificação)”. DELEUZE, Gilles, et. al. Mil platôs. Capitalismo e

esquizofrenia, v. 1, p. 17.

173

portanto, daquilo que o contamina, e que faz atuar as forças ativas que põem o problema a cada vez que há relações de multiplicidades174 e, portanto, acontecimento.

Por isso a necessidade de outra imagem do pensamento, como já referido, que irá agenciar a diferença no Direito e numa involução criativa (confira-se a nota n. 188, infra), devir jurisprudência.

2.2.2 Filosofia da diferença e esquizoanálise no pensamento jusfilosófico: desmontando as

Documentos relacionados