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Do ferro oxidental e do agenciamento itinerante desorientado 194 

CAPÍTULO 4: NUMISMÁTICA 164 

4.3 AFECTOS MAQUÍNICOS PARA CÉREBROS PLÁSTICOS 192 

4.3.1 Do ferro oxidental e do agenciamento itinerante desorientado 194 

Partiremos de dois poemas. Antes, porém, um parêntese.

Nos parece que uma das mais potentes jusfilosofias na atualidade é aquela proposta por Willis Santiago Guerra Filho, que põe em variação contínua a produção e interpretação jurídicas como criações fundadas na imaginação446.

(...). O que aqui se quer então destacar é o caráter fundamentalmente “po(i)ético”, criativo, imaginativo de toda obra humana, aí incluídos tanto

o direito como o conhecimento que se produz, a seu respeito, e também em geral, a totalidade que se conhece, enquanto dependente de alguma forma de decodificação – ou signatura, para utilizar a expressão alquímica de Paracelso, amplamente empregada por Jacob Boehme, retomada de há pouco por Giorgio Agamben –, para ser por nós percebida significativamente, numa articulação simbólica.

       446

GUERRA FILHO, Willis Santiago. Por uma poética do Direito: introdução a uma teoria imaginária do Direito (e da totalidade). In: Panóptica – Direito, sociedade e cultura. v.5, n. 2. pp. 19-67. Disponível em:

Embora haja aí uma outra perspectiva, que é a da fenomenologia, fica evidente em todo o texto a abertura do pensamento ao fora das potências caósmicas e o nomadismo que o perpassa de ponta a ponta. Mais adiante outras conexões serão implicadas.

Fechado o parêntese, sintamos o que dois poemas expressam na territorialidade enferrujante da forma-Estado, bem como o nomadismo itinerante da numismática.

Da rangente lógica dos representates447, tem-se:

O Homem de Ferro

Êxtase sob dureza!

Voltemos à idade do ferro! Ferro! Sobre ferro!

Não haverá terra pra suportar o que peso! Morte lenta a quem enferruja!

Abelhas dentro da armadura! Merece chumbo a cultura!

Um homem se conhece pelo tamanho da ferradura! Não haverá mais remédios!

Os belos serão os bélicos! Elmos no lugar de cérebros!

O ferro-velho tomará os cemitérios!

É no mesmo lance que se denuncia a forma-Estado do ferro que captura como aparelho de sobrecodificação, mas que já se vê ameaçado de todos os lados pela máquina de guerra que se insinua de dentro, que pode subir à superfície a qualquer momento, seja o êxtase, seja a ferrugem, sejam as abelhas. Já se percebe também a importância de reter os fluxos sob uma metalurgia obediente e controlada, bem como fazer da guerra o objeto bélico, por excelência, como captura da vida.

É possível sentir o derretimento escorrendo por todo o texto, a potenciação do número numerante já está lá, em cada exclamação, como intensidade do fora que ameaça a forma-Estado no philum maquínico da metalurgia nômade. Daí também advém, como se verá, a necessidade de se transformar artesãos em cidadãos. Elmos no lugar de cérebros!

E se colocamos o poema aqui, da parte da ferrugem, por óbvio que a potência poética libera os fluxos imanentes, tanto na denúncia, quanto na enunciação coletiva com seus componentes transversais, os timbres e os sons de cada palavra agenciados no próprio poema.

      

447

Por Marcos Prado (in memoriam) e Sérgio Viralobos, poetas curitibanos que gentilmente autorizaram a reprodução aqui.

Num outro lance de dados448, tem-se:

Nomadismos: Caderneta de campo

Olor de fábulas ladinas...

Como alguém que se belisca pra verificar se acordado sonha Compulsivo você ladainha o dito por Plutarco

De que “nascer é penetrar em uma pátria estranha”

No seu âmago estão embutidas substâncias dissolúveis Precipitações alheias identidades oscilantes

Capacidade de captar/esculpir/fingir/fundir/montar/ moldar

Capacidade de aderência absoluta

ao instantâneo

O gozo da fluidez do momento Sem congelados

O gozo dos gomos do mundo Sem deixar restos

Ser essencialmente uma ambulante câmera de vídeo Disparada pelo piloto automático

Se ilhas extravirtuais perdem os homens

Raptos e raptos sucessivos já fizeram de sua alma uma zona

Porta vaivém de saloon campo de aviação terreiro de orixás Não tema

Por querubins fantasmas ou serafins você não mais sofrerá sequestro-relâmpago Ilhas de edição atam e apartam os homens

E as anotações das agendas decupam e anulam e remontam Parlendas e acalantos e charmes e chistes e lendas e mandingas e quebrantos

E provérbios e pontos de macumba e atos falhos e charangas das galeras E trechos de letras das canções e linhas sabidas de cor dos poemas canônicos E arcaísmos e futurismos e solecismos e gírias dos mangues das bocas das gangues E clichês e frases feitas e brilhos esparsos e espasmos pilhados e artifícios de fogos e jogos e logros E a antepenúltima e a penúltima e a última carta-bomba do comando-terrorista-suicida E a dança das mercadorias

E a sobra de imagem E o território do ruído       

448

SALOMÃO, Wally. Poesia total. São Paulo: Companhia das letras, 2014. pp. 372-373. Manteve-se na

transcrição a espacialização como publicado pela editora. Reproduzido aqui com a autorização dos herdeiros do Autor.

E o código de barras:

cai como uma bomba sem carta o suicídio do solitário

Não só pela indicação do título do poema, a expressão de uma máquina de guerra com as multiplicidades rizomáticas se faz sentir em cada linha, em cada partícula intensa e nos movimentos dos signos. Não só pela problemática existencial que se levanta, na imanência da vida e da morte, na coimplicação de cada “e” que desterritorializa o significante como agenciamento coletivo de enunciação, este belo fragmento de fabulação poética já traduz a potência numismática da itinerância, das conexões das formas de conteúdo e de expressão, neste entre do devir que não se deixa capturar nem no laço mágico nem no contrato imperial da política cidadã, mas adivinha a potência da superfície, da aderência e da disparação como artesão da máquina de guerra.

É toda a potência da desterritorialização de uma vida que faz sentir, esta pátria estranha, que povoamos existencialmente, como devir do eterno retorno da diferença. É toda a potência dos signos vetoriais que dão testemunho do nomadismo, da itinerância, das variâncias, do anexato. Conexões, disparações, fabulações, anotações que somente a potência do número numerante é capaz de cartografar. Gênio de Sailormoon.

Poderia se objetar, ainda, se não seria ingênuo supor que tais forças seriam mesmo capazes de se contrapor à forma-Estado, numa óbvia derrota retumbante. Mas, justamente, ao conjurar a máquina de guerra e capturá-la num aparelho militar há sempre um componente de transversalidade que escapa a esta captura, que escorre por dentro, que devém fluxo. E, nas condições atuais do capitalismo, este movimento é ainda mais insinuante, como se verá a seguir, uma vez que é de sua axiomática que decorre o próprio fluir, mesmo quando seu conteúdo não seja mais da ordem do molar, mas dos potentes condutores eletrônicos dos fluxos moleculares.

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