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Importa compreender o desenvolvimento histórico do Constitucionalismo, de sorte a identificar como e quando surgiram os direitos fundamentais.

Uma das principais características dos direitos fundamentais é a historicidade, em razão do que, seu elenco variará de acordo com o momento histórico que esteja sendo considerado.

Os direitos fundamentais, por conseguinte, não evidenciam um dado imutável, sofrendo variações de época para época.

Apenas como forma de marcar no tempo o surgimento do movimento constitucionalista, remonta a idade antiga, conforme noticia a História da humanidade, a exemplo do povo hebreu (regidos pela Torah), da Roma antiga (com a edição da lei das XII tábuas), a Grécia (com a presença da dicotomia grega entre normas - “Nomoi e as Pséfismata”

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, perdurando na Idade Média ou idade das trevas, em razão do desaparecimento do poder do Estado, e predominância da concentração do poder nas mãos das chamadas forças tradicionais, ou seja, daqueles que detinham aterra: os senhores feudais, tendo sido inclusive

86 SCHIMITT, Carl. Teoria de La constitución. Tradução de Alfredo GallegoAnabitarte. Madrid: Revista de Drecho Privado, 1932.

87 ARNAOUTOGLOU, Ilias. Leis da Grécia antiga.São Paulo: Odysseus, 2002.

CAPELLETTI, Mauro. O controle judicial de constitucionalidade das leis no direito comparado. Porto Alegre: Ed. S. A. Fabris, 1993.

neste período histórico, que o mais importante documento para limitar o poder dominante foi editado, a Magna Carta Libertatum de 1215 do Rei João, conhecido como o sem terra88.

Estes antecedentes históricos são muito importantes, porque evidenciam a luta da humanidade por limitar o poder do Estado em prol do reconhecimento a direitos básicos, atualmente conhecidos como direitos fundamentais.

A Idade Moderna, marcada pelas revoluções liberais burguesas, que visavam limitar e diminuir o poder do Estado, até então caracterizado pelo absolutismo, com a atribuição do poder ilimitado ao rei, teve como destaque a Revolução puritana e gloriosa na Inglaterra, que em 1688, reconheceu a condição do Parlamento como representante do povo, ensejando a separação do poder do Rei (titular da chefia do Estado), e do Parlamento (titular da chefia do Governo).

Foi promulgado o Bill of rights; a Revolução Francesa (que adveio de forma violenta em razão da existência de uma sociedade estamental, formada pelo primeiro estado (composto do clero), segundo estado (pela nobreza), e o terceiro estado pela burguesia (que tinha dinheiro, mas não tinha poder político), mas que, no entanto aliou-se ao povo, em prol da luta para garantia dos direitos fundamentais aos cidadãos nos anos de 1789.

Com a tomada da Bastilha, sob influência dos iluministas, os franceses escreveram a declaração de direitos, que até hoje faz parte da Constituição Francesa. A Revolução Americana (ocorrida em 1763 –em que as 13 colônias americanas declaram-se independentes, capitaneadas por colonos ingleses que imigraram para as terras americanas em razão de lutas religiosas travadas na Inglaterra, foram responsáveis pela edição do Pacto de

Mayflower, devidamente referendado na Declaração de Direitos da Virgínia (em 1766), dando

surgimento aos Estados Unidos da América, a partir da independência das colônias americanas da Inglaterra, surgindo em 1867 a primeira Constituição americana, que curiosamente não previa em seu texto direitos fundamentais. De caráter eminentemente neoliberal, priorizava o Estado mínimo, razão pela qual, os direitos fundamentais foram introduzidos no texto constitucional americano pelas emendas, que os asseguraram aos cidadãos norte americanos.

88 O rei João sem terra se torna rei por ocasião do falecimento do seu irmão primogênito, e diante de sua condição de segundo na linha de sucessão, não tinha terras, revelando por este aspecto, uma fragilidade política, razão porque foi pressionado pela nobreza para editar a Magna Carta, cujo texto muito embora privilegiasse os nobres, já contemplava alguns direitos fundamentais, como por exemplo a anterioridade tributária, devido processo legal (cláusula do law of the land ninguém poderia ser julgado a não ser pela lei da sua terra) da Magna Carta que posteriormente evoluiu para o due process of law (ninguém poderia ser processado e julgado sem o devido processo legal), o tribunal do Júri, dentre outros.

Seriam estas, pois, as principais revoluções liberais noticiadas pela História da humanidade.

Todas deram importante contributo ao surgimento dos direitos fundamentais, e elevação do cidadão à condição de sujeito de direitos.

Norberto Bobbio89discorre sobre o assunto em sua obra aera dos Direitos.

Na idade contemporânea evidencia-se a universalização das Constituições escritas, sendo interessante ressaltar que nesse momento histórico, a luta não é mais pela edição de constituições pelos Estados, tendo em vista que estes já têm cada um sua respectiva constituição.

A luta atualmente é tornar a constituição um documento dotado de efetividade, ou seja; com base nos ensinamentos de Hesse90, fazer com que a vontade de poder não chegue a superar a vontade de constituição, de modo que o poder do estado ceda às liberdades garantidas na própria constituição.

A história noticia alguns percalços, como, por exemplo, o ocorrido com a constituição alemã de Weimar, de 1933, a qual foi posta literalmente de lado pelo movimento nacional socialista, que naquele ano ascendeu ao poder na Alemanha, muito embora após a II Guerra Mundial, tenha havido uma universalização dos direitos fundamentais, inclusive em várias outras gerações em que os direitos sociais, difusos e coletivos passaram a ser respeitados, fato melhor evidenciado no estudo sobre as dimensões dos direitos fundamentais.

Parafraseando Miguel Reale91, os direitos fundamentais não são um dado isolado, em verdade, eles foram construídos e conquistados historicamente, com base em que se fala em afirmação histórica dos direitos fundamentais.

As teorias jusnaturalista, positivista e realista, justificam a existência de direitos fundamentais.

O jusnaturalismo defende que existem determinados direitos pré positivos, que mesmo não estando escritos ou garantidos pelas leis do Estado, preexistem a ele, e se verificam pela própria natureza humana, são os chamados direitos naturais, como o direito à vida, à liberdade e à propriedade.

Para aqueles que professam a teoria jusnaturalista, pela qual alguns direitos já existem independentemente do Estado, os direitos fundamentais seriam os direitos pré

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BOBBIO, Norberto. A era dos direitos. Rio de Janeiro: Campus, 1992. p.5-19.

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HESSE, Konrad. Elementos de direito constitucional da República Federal da Alemanha. Porto Alegre: Ed. S. A. Fabris, 1998. p. 256.

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positivos, prerrogativas que derivam da própria natureza humana e que não podem ser negados pelo Estado.

Para a teoria positivista o direito nasce com o Estado, de modo que quando a lei é criada, os direitos fundamentais nela reconhecidos são assegurados.

Os positivistas defendem, portanto, que os direitos ditos fundamentais são aqueles reconhecidos pelo Estado.

O positivismo é totalmente compatível com os direitos fundamentais, o que ocorre é que para esta corrente, serão direitos fundamentais apenas aqueles previstos ou aceitos na Constituição, muito embora quem ataque o positivismo, defenda que foi exatamente em razão do positivismo que o nazismo ascendeu na Alemanha, não sendo esta a visão dos positivistas mais modernos, como Kelsen92, Hart93que são defensores da efetividade dos direitos fundamentais.

A teoria realista norte-americana, defende que os direitos fundamentais são aqueles conquistados historicamente pela sociedade.

No Brasil os princípios que justificam a existência dos direitos fundamentais são a dignidade da pessoa humana e o princípio do estado de direito.

Existem muitos questionamentos em torno da definição de dignidade da pessoa humana. A filosofia ao longo dos tempos tenta construir um conceito minimamente razoável.

A dignidade da pessoa humana é um princípio fundamental, e, portanto, um fundamento da República brasileira, com previsão no art. 1º, III da Constituição Federal.

Kant94 em sua obra, Metafísica dos Costumes, já afirmava o preço das coisas, não das pessoas. Na visão do filósofo, as pessoas não têm preço, porque elas têm dignidade, significando que as coisas têm valor de troca, independente de quanto valham, enquanto as pessoas não, mesmo porque a vida humana teria um valor intrínseco, e é exatamente por isso, que somente as coisas é que têm preço.

Então a dignidade humana traduz o reconhecimento de que todo ser humano, pelo simples fato de ser humano, aglutina em torno de si um núcleo de direitos básicos, que não deve e nem pode ser violado.

Esses direitos básicos são justamente os direitos fundamentais.

O princípio da dignidade da pessoa humana é considerado tronco, do qual irradiariam todos os direitos fundamentais.

92 KELSEN, Hans. Teoria pura do direito. São Paulo: Martins Fontes, 2000.

93 HART, Herbert Lionel Adolphus. O conceito de direito. Lisboa: Gulbenkian, 1994.

94 KANT, Immanuel. Fundamentação da metafísica dos costumes. Tradução de Antônio Pinto de Carvalho. Lisboa: Companhia Editora Nacional, 1964.

Canotilho 95 integra a plêiade de autores que negam esse fundamento, por compreender que nem todos os direitos fundamentais são oriundos da ideia de dignidade da pessoa humana, muito embora não seja esta a tese majoritária, que insiste que os direitos fundamentais têm sim, relação direta ou indireta, com a dignidade humana.

Curiosamente, apesar da dignidade da pessoa humana consistir em um princípio deveras abstrato, verdadeiro conceito aberto, é amplamente utilizada para decidir casos concretos, o STJ inclusive utiliza-se da dignidade da pessoa humana como fundamento de suas decisões.

Nesse sentido, o STJ admite, por exemplo, o corte de energia elétrica quando o usuário deixa de adimplir com o pagamento da conta. Entretanto; esse corte não pode desrespeitar o princípio da dignidade da pessoa humana, cabendo o emprego do bom senso, de modo que a concessionária de energia elétrica não promova, por exemplo, o corte de energia elétrica de um hospital, sob pena de por em risco a vida de milhares de enfermos ali alocados96.

Por isso, a dignidade humana é o fundamento para todos os direitos fundamentais. O princípio do estado de direito, também é considerado fundamento para os direitos fundamentais.

Compreende-se melhor tal assertiva, a partir do próprio conceito de Estado de Direito, que seria aquele estado com poderes limitados, antônimo, portanto do chamado Estado Absolutista.

No Estado Absolutista de Hobbes97, por exemplo, o rei é detentor de poderes ilimitados. No Estado de Direito não ocorre dessa forma, mesmo porque, neste, existem direitos básicos que devem obrigatoriamente ser respeitados.

Norberto Bobbio 98 inclusive discorre muito bem sobre essa questão, quando vaticina que no Estado absoluto havia o súdito, enquanto no Estado de direito existem cidadãos.

O súdito, próprio do período absolutista, é aquele que se curva a um poder absoluto, enquanto o cidadão é titular de direitos básicos, e, portanto titular de direitos fundamentais.

95 CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito constitucional e teoria da constituição. Coimbra: Almedina, 2007.

96 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Agravo Regimental no recurso especial 963990 BC 2007/0146420-7. Brasília, 2007.

97 HOBBES, Thomas. Leviatã: ou matéria, forma e poder de um estado eclesiástico e civil. São Paulo: Martin Claret, 2014.

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Assim, quando a Constituição brasileira em seu art. 1º, caput, prevê o princípio do Estado Democrático de Direito, a leitura que se deve fazer é que o poder do Estado não é ilimitado, sendo limitado sim pelo direito, pelas leis e pelas regras jurídicas.

Logo, se o poder do Estado não é ilimitado e encontra limites, esses limites são justamente proclamados pelos direitos fundamentais.

Os fundamentos, as justificativas lógicas, os princípios que justificam a existência dos direitos fundamentais são basicamente dois: a dignidade da pessoa humana, com previsão no art. 1º, III da CF/88; e o princípio do estado democrático de direito alicerçado no art. 1º, caput da CF/88.

Uma vez pontuados os fundamentos históricos e filosóficos é possível fazer o enfrentamento do significado dos direitos fundamentais.

A nomenclatura utilizada pela doutrina é bem diversificada. Alguns autores optam por denominá-los direitos do homem ou liberdades públicas, direitos humanos, direitos fundamentais, assim como outros autores como Ferreira Filho 99 , empregam a expressão direitos humanos fundamentais.

Admite-se também serem sinônimas as expressões direitos fundamentais e direitos humanos, muito embora não seja esta a tese que prevaleça, visto que a maioria dos doutrinadores acolhe a denominação direitos fundamentais.

A justificativa para tanto, cinge-se no fato de que direitos fundamentais são aqueles reconhecidos internamente por cada país, por cada Estado. Por exemplo; no Brasil são direitos fundamentais aqueles garantidos pela nossa Constituição, enquanto os direitos humanos seriam aqueles protegidos em âmbito internacional; ou seja, direitos humanos são os direitos da humanidade, definidos em tratados internacionais.

Mister registrar que a Constituição Brasileira (1988) aparentemente adota essa diferenciação, já que, quando menciona direitos que são garantidos no Brasil, se refere como sendo direitos e garantias fundamentais; todavia quando menciona tratados internacionais e as relações estabelecidas entre vários países, adota a expressão direitos humanos.

A eleição da nomenclatura mais adequada é uma questão terminológica essencial, para que se possa obter a exata compreensão do assunto.

Nesse passo, a doutrina revela certa preferência pela denominação direitos fundamentais, também acolhida pela Constituição Federal100, em seu capítulo II.

Então, os direitos fundamentais têm como significado a condição de direitos básicos reconhecidos pela Constituição de um país, num determinado momento histórico.

São direitos fundamentais, por exemplo; o direito à vida, à liberdade, direito à propriedade, igualdade, meio ambiente equilibrado, garantias trabalhistas, direito à saúde, à educação, direito à cultura.

Assim, todos estes e mais alguns, são direitos fundamentais, direitos básicos previstos internamente na Constituição101, ou dela decorrentes.

Por outro lado, necessário é distinguir entre os direitos fundamentais e suas várias espécies, haja vista que a expressão direitos fundamentais é genérica, revelando direitos básicos estabelecidos na Constituição Federal102, de forma mais concentrada no título II, ao contemplar os direitos e garantias individuais, os direitos sociais, econômicos e culturais, direitos difusos e coletivos, assim como direitos políticos de nacionalidade e dos partidos políticos, razão porque na definição de direitos fundamentais, sustenta-se sê-los os direitos básicos previstos na Constituição.

Do ponto de vista do conteúdo não há diferenças entre direitos fundamentais e direitos humanos, a diferença que se constata é na verdade de fonte normativa, assim os direitos fundamentais são basicamente aqueles previstos na Constituição como fonte normativa, enquanto os direitos humanos têm previsão em outra espécie de fonte normativa, no caso, os tratados internacionais principalmente.

Entretanto, o conteúdo dos direitos fundamentais e dos direitos humanos se entrelaçam, na medida em que existem diversos direitos fundamentais reconhecidos, tanto pelo ordenamento interno, como no ordenamento jurídico internacional, exemplo disso é o direito à vida, considerado direito fundamental por ter previsão na Constituição Federal Nacional, mas também um direito fundamental diante do fato de haver sido contemplado na Declaração Universal dos Direitos do Homem e do Cidadão junto à ONU, no ano de 1948.

Assim, existem determinados direitos que têm previsão somente no âmbito interno, sendo considerados direitos fundamentais, e aqueles também que são contemplados em âmbito internacional, assim denominados os direitos humanos, como por exemplo, o

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BRASIL. Constituição da República Federal do Brasil: texto constitucional promulgado em 5 de outubro de 1988, com as alterações adotadas pelas emendas constitucionais n.1/92 a 68/2011 e pelas emendas constitucionais de revisão n. 1 a 6/94. Disponível em: <http:www.planalto.gov.br>. Acesso em: 11 mar. 2016. 101

Id., ibid. 102 Id., ibid.

direito à ação penal subsidiária pública, que tem previsão na Constituição Brasileira (1988),não sendo, entretanto resguardada por nenhum tratado internacional.

Por outro lado, há alguns direitos, previstos em tratados internacionais, que, contudo não encontram previsão na Constituição, é o exemplo do duplo grau de jurisdição.