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Rousseau66 apesar de também ser um autor contratualista, tinha ideias diferentes das de Hobbes67 e Locke68.

Convergem, no entanto, quanto à existência de um estado de natureza e de um estado de sociedade.

66 ROUSSEAU, Jean-Jacques. Discurso sobre a origem e os fundamentos de desigualdade entre os homens. São Paulo: EDIPRO, 2015.

67 HOBBES, Thomas. Leviatã: ou matéria, forma e poder de um estado eclesiástico e civil. São Paulo: Martin Claret, 2014.

Entretanto sua análise não é focada no aspecto jurídico, mas no que o sustenta: a esfera social.

Sob esse ponto de vista, importa compreender que Rousseau trabalha com 03 (três) momentos específicos: estado de natureza, estado de sociedade e contrato social.

O estado de natureza é para Rousseau69aquela situação em que não há Estado, e o homem é bom por natureza (diferencia-se de Hobbes para quem o homem é mau, e de Locke para quem o homem é neutro, mas com tendência a ser bom) 70.

O homem rousseauniano no estado de natureza não é um ser sociável, enquanto que na visão de Hobbes71, este homem em estado de natureza já tem contato com outros seres humanos, e exatamente em decorrência deste fato, é que vive em estado de guerra de todos contra todos. Assim como para Locke72, também existe contato entre os indivíduos, razão porque enaltece o direito de propriedade privada e do comércio entre as pessoas ainda no estado de natureza.

O raciocínio de Rousseau73é diferente, porque para ele o homem no estado de natureza não tem contato com outro indivíduo, sequer os indivíduos sabem da existência de outros grupos.

De modo que vivem bem nesse estado de natureza, sendo condicionados a retirarem da natureza tudo o que for necessário a garantir sua subsistência e de sua família. Estes indivíduos, além de serem bons, por não terem contato com outras pessoas, não conhecem o significado de propriedade privada.

Com o crescimento demográfico, ocorre o inevitável encontro entre esses grupos de indivíduos, em cuja ocasião um grupo social que sempre viveu isolado, sozinho, e sem a consciência da existência de outros grupos, passa a ter contato com outros indivíduos igualmente agrupados, despertando a reflexão inexistente até então, acerca da tomada de precauções com relação a quem está chegando.

Esse processo denomina de corrupção.

69ROUSSEAU, op. cit.

70 “Foi essa a condição do homem nascente; foi essa a vida de um animal limitado inicialmente às sensações puras e que, mal aproveitando os dons que lhe oferecia a natureza, estava longe de pensar em arrancar-lhe algo. Mas logo surgiram as dificuldades e foi preciso aprender a vencê-las: a altura das árvores, que o impedia de alcançar os seus frutos; a concorrência dos animais, que procuravam alimentar-se deles; a ferocidade daqueles que almejavam a sua própria vida; tudo o obrigava a dedicar-se aos exercícios do corpo. Foi preciso tornar-se ágil, rápido na corrida, vigoroso no combate” (ROUSSEAU, op. cit., p. 96).

71 HOBBES, Thomas. Leviatã: ou matéria, forma e poder de um estado eclesiástico e civil. São Paulo: Martin Claret, 2014.

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LOCKE, John. Segundo tratado sobre o governo civil. São Paulo: EDIPRO, 2014. 73

ROUSSEAU, Jean-Jacques. Discurso sobre a origem e os fundamentos de desigualdade entre os homens. São Paulo: EDIPRO, 2015.

Inclusive, a frase: o homem é bom por natureza, mas a sociedade o corrompe, é criação do autor em ratificação deste raciocínio.

A corrupção do ser humano para o autor é uma decorrência dos fatos que a motivam, ou seja, o ser humano passa a buscar não mais o que ele precisa, mas sim, o que ele acha que precisa; de modo que a partir daí o estado de natureza deixa de ser bom e passa a ser ruim, surgindo o conceito de propriedade.

Rousseau 74 associa o seu surgimento a algo ruim, porque o surgimento da propriedade privada, e, por conseguinte da ideia de território, conduzirão os homens ao conflito, na medida em que um indivíduo passará a desejar o que é do outro, devido à corrupção, e em sua busca, almejará não mais o que lhe é necessário, mas o que pensa lhe ser necessário75.

Com isso, ocorre a passagem do estado de natureza para o estado de sociedade, muito embora o estado de sociedade não seja considerado como algo bom, pela crença de que o homem vivia bem no estado de natureza, enquanto que no estado de sociedade o objetivo será garantir a propriedade privada.

Para Rousseau 76 , a propriedade privada gerará desigualdade, visto que muito embora a lei crie igualdade para todo mundo, as pessoas não são iguais, e não o são, sobretudo em condições econômicas.

Então, o estado de sociedade é ruim, porque ao defender o direito de propriedade, consequentemente num pleito eleitoral, quem terá mais chance de ser eleito?

Para Rousseau77todos seriam iguais perante a lei no estado de sociedade, a lei, por conseguinte garantiria a igualdade, mas no momento de uma eleição, teria mais condições de investir em propaganda ou buscar votos, o candidato com mais recursos financeiros, de maneira que o rico teria mais chance de ser eleito, e em sendo eleito, seria tendencioso a utilizar-se do direito para perpetuar a desigualdade entre as pessoas, resultando mais uma vez na ausência de liberdade material.

Ato contínuo, muito embora no estado de sociedade a lei preveja que as pessoas são livres, em verdade Rousseau não as considera livres, posto que só o serão na medida do que seus recursos financeiros permitirem.

74 Ibid., ibid.

75 O primeiro que após cercar um terreno, atreveu-se a dizer isto é meu encontrou pessoas simples o suficiente para crê-lo e foi o verdadeiro fundador da sociedade civil (ROUSSEAU, Jean-Jacques. Discurso sobre a origem e os fundamentos de desigualdade entre os homens. São Paulo: EDIPRO, 2015. p. 95).

76

ROUSSEAU, ibid. 77Id., ibid.

vir”.

Situação que bem exemplifica o raciocínio Rousseauniano, é a do direito de “ir e

No estado de sociedade a lei garante o direito de ir e vir a todos, mas as pessoas só se deslocarão até onde o seu dinheiro permitir que se desloquem, sendo assim; não podem ser consideradas completamente livres; assim como, ao buscarem um emprego, não necessariamente alcançarão o emprego que desejam, mas sim o que está disponível para elas.

Uma situação do cotidiano humano, por exemplo, retratada na escolha de um roteiro de viagem, as pessoas não viajarão para onde desejam, mas sim para onde o dinheiro de que dispõem lhes permita viajar, e por fim do ponto de vista político, as pessoas não elegerão quem desejam eleger, mas sim o candidato que estiver disponível a ser votado e eleito pela maioria popular.

Por essa razão, o raciocínio Rousseauniano sustenta que no estado de sociedade a liberdade é uma grande falácia, assim como a igualdade também, uma vez que não é o indivíduo quem define suas escolhas, mas sim outros as definem em nome dele, assim como, do ponto de vista material, não existe igualdade entre os indivíduos.

Rousseau 78 propõe uma alteração dessas circunstâncias, a partir do terceiro momento que denomina de contrato social, como sendo o momento em que os indivíduos sairão do estado de sociedade, considerado como ruim por Rousseau, adentrado no contrato social, que para o referido autor retrataria uma situação boa.

O processo de transição defendido por Rousseau pressupõe que as pessoas saiam da chamada situação de alienação na qual se encontram, em que muito embora a lei preveja que os indivíduos são livres, essa liberdade não existe efetivamente, porque não lhes é permitido fazer o que desejam, na medida em que suas ações são direcionadas pelo desejo de terceiras pessoas.

Sob esse ponto de vista o indivíduo não se desloca para onde deseja, o ir e vir é condicionado aos recursos financeiros que dispõe, assim como terá o emprego que lhe for possível ter, bem como votará nos candidatos cuja escolha lhe seja oportunizada.

Perceber essas questões, seria por assim dizer, o primeiro passo de transição para o contrato social.

Rousseau79 propõe a implantação de uma democracia direta, como situação em que o indivíduo participa do processo de criação da lei a qual irá se submeter.

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ROUSSEAU, Jean-Jacques. Discurso sobre a origem e os fundamentos de desigualdade entre os homens. São Paulo: EDIPRO, 2015.

Observa a democracia representativa de forma crítica, na medida em que nesse modelo quem cria a lei é o representante eleito pelo povo, em virtude do que o representado é alçado a uma situação de inércia, no que tange ao processo de elaboração dessas leis, limitando-se a obedecê-las, sem garantia do seu direito de liberdade.

A única forma de garantir a liberdade política é por meio da democracia direta, em que todos os indivíduos (homens pobres e ricos) em conjunto, criariam a lei a qual deverão se submeter.

O conceito de liberdade decorre do direito que o cidadão teria de participar do processo de criação de uma lei. Portanto, se há a participação do indivíduo nesse processo, ele é livre politicamente.

Por isso que no padrão Hobbesiano, sob o ponto de vista de Rousseau, não há liberdade para o indivíduo, tendo em vista que as leis as quais se submete, foram impostas de forma absoluta, sem a participação do povo.

Também ressalva o pensamento Lockeano, considerando igualmente a inexistência de liberdade, já que as leis foram elaboradas pelo Parlamento, a partir de uma democracia representativa.

Para Rousseau80 o que importa é a participação do povo no processo de criação da lei, a qual o indivíduo vai se submeter, numa democracia direta.

A vontade geral para Rousseau, não é a vontade da maioria ou de todos, mas sim fazer aquilo que é o certo.

Pressupõe assim que todos os indivíduos são bons por natureza, e sabem o que é o certo e o errado, independentemente do fato concreto ao qual estão vinculados.

Mentir é certo ou errado?

Para Rousseau81independentemente do fato concreto, mentir é errado, de modo que a vontade geral seria criar uma lei que punisse a mentira.

Na concepção Rousseauniana o momento em que o indivíduo olha para o fato concreto, se corrompe; o homem é bom por natureza, mas a sociedade o corrompe. Essa corrupção inicia-se no momento em que o indivíduo deixar de considerar os seus princípios e passa a observar o fato concreto.

O ser humano precisa definir o que é certo ou errado, livre do olhar para o fato concreto.

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ROUSSEAU, Jean-Jacques. Discurso sobre a origem e os fundamentos de desigualdade entre os homens. São Paulo: EDIPRO, 2015.

Assim, a criação de uma lei que imponha a pena de morte não seria algo correto, mesmo que todos os indivíduos que compõem aquele determinado grupo social assim a deseje. A justificativa decorre do entendimento de que matar não é certo, infringe a vontade geral e, portanto não poderia haver pena de morte.

A vontade geral seria fazer o que é certo.

Para Rousseau, todos sabem o que é certo, e se todos sabem o que é certo, a lei decorrerá da vontade geral. Consequentemente toda lei será justa.

Quem é o legislador para Rousseau?

Não se pode deixar de considerar que agir de acordo com o que é certo é muito complicado, seria o ideal, mas concretamente é muito complexo abrir mão de conquistas anteriores, principalmente se for levado em consideração, que o indivíduo saiu de um estado de natureza, ingressou num estado de sociedade, corrompeu-se, e precisa voltar a ser bom.

Entra aí a figura do legislador, que para Rousseau82, não tem o mesmo sentido dos dias atuais como alguém que cria a lei.

O legislador seria a pessoa excepcional e de bom caráter, a quem caberá mostrar as pessoas o que é certo.

Alguém que mostraria as pessoas que mentir não é correto, ou que a pena de morte poderia vir a ser aplicada à própria pessoa que a defende. Seria então o encarregado sem manipulações, de elucidar a vontade geral, abrindo as mentes das pessoas.

O soberano para Rousseau é o povo.

O povo no processo de criação do contrato social não transfere e nem cede os direitos naturais ao Estado, ao contrário, permanece titular dos mesmos, exatamente em virtude da sua condição de autor da soberania popular, estando apto a definir o que o Estado irá fazer, ou como irá agir.

Considera que quando o povo cria a lei é soberano, quando cumpre a lei é súdito. O governo é o responsável por executar a lei. Governo para ele representa o exercício de uma função.

A lei assim seria justa, porque seria criada com base na vontade geral, com a participação de todos, e a liberdade garantida.

A garantia da igualdade é o principal fim almejado pelo pensamento de Rousseau, para quem a distinção entre ricos e pobres não seria correta, assim como manter pessoas na miséria para sustentar quem é rico também não.

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ROUSSEAU, Jean-Jacques. Discurso sobre a origem e os fundamentos de desigualdade entre os homens. São Paulo: EDIPRO, 2015.

A vontade geral consistiria em acabar com a desigualdade social, sendo sob esta ótica que Rousseau compreende a liberdade e a igualdade.

A soberania Rousseauniana é inalienável (intransferível), indivisível (não podendo haver separação de poderes, sob pena de admitir-se comandos diversos, que fatalmente poriam em risco os direitos de alguém em algum momento).

Considerada também infalível, (já que se baseia no que é certo, sempre se fundamentando no que é certo). E absoluta, por não existir meio termo, ou se faz o que é certo, ou se faz o que é certo.

A crítica que se faz ao pensamento de Rousseau, decorre do seu raciocínio de que caso essa construção de altruísmo humano dê errado, admissível seria o surgimento da figura de um ditador, semelhante aos ditadores romanos, ou seja: eleito pelo Senado, temporariamente, e para uma área específica, cuja solução para os conflitos surgidos se daria segundo critérios eleitos unilateralmente pelo próprio ditador.

Rousseau 83 entende como necessário sair do estado de sociedade e entrar no contrato social, inicialmente por bem, entretanto, não sendo possível de forma espontânea, esse ingresso, se daria por mal, através da atuação de um ditador, que conduziria as pessoas do estado de sociedade para o contrato social, sempre com o desiderato de neutralizar a desigualdade social.

Esse pensamento foi importante do ponto de vista jurídico e político, dentre outras razões, pelo surgimento do conceito de soberania popular, que influenciou fortemente a Revolução Francesa.

Rousseau – Direito de Propriedade associado à corrupção do homem causa de desigualdade social – Defesa do processo de transição: despertar do estado de alienação, implantação de uma democracia direta e emersão da vontade geral – Contrato social neutralizador da desigualdade social – Momento histórico do Estado Social.

Num arremate final, o pensamento de Hobbes pensou e criou a principal característica de um Estado que é a soberania, posto que sem soberania não há Estado. Locke pensou o conceito da separação dos poderes, a ideia de eleição ou representação, mediante a atuação de um estado liberal que garante liberdades individuais. Rousseau desenvolveu o conceito de soberania popular, e por que não dizer, o conceito de moralidade pública, na medida em que a lei para os padrões Rousseaunianos deve refletir a vontade geral, e a vontade geral é sempre fazer o que é certo. O referido autor desenvolveu também a ideia de

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ROUSSEAU, Jean-Jacques. Discurso sobre a origem e os fundamentos de desigualdade entre os homens. São Paulo: EDIPRO, 2015.

democracia direta, de interesse coletivo, revelando o poder que o povo tem no exercício da democracia, podendo votar e ser votado no exercício de sua soberania.

Estes são, portanto, os pontos centrais da visão desses autores em torno da criação do Estado, sendo digno de registro o fato de que, o pensamento deles encontra-se presente na Constituição Brasileira como deveres do Estado, na medida em que a carta maior do país considera como prerrogativas do Estado a garantia da segurança, liberdade, igualdade, educação e prosperidade material.

3 DIREITOS FUNDAMENTAIS

A história dos direitos fundamentais está intimamente ligada a do Constitucionalismo e sua abordagem enquanto movimento político, histórico e filosófico.

Os direitos fundamentais com previsão constitucional objetivam limitar o poder do Estado.

O constitucionalismo revela verdadeira luta da humanidade contra o abuso ou arbítrio do poder estatal, conforme revela a história, desde os hebreus até a Magna Carta

Libertatum de 1215; promulgada pelo rei João sem terra da Inglaterra.

A doutrina constitucionalista e da história do Direito diverge acerca da origem da primeira Constituição.

Alguns defendem como primeira carta constitucional a Magna Carta Libertatum, enquanto outros, consideram como primeira constituição escrita a Constituição americana de 1787, ainda havendo aqueles que sustentem que o Torah dos Hebreus teriam status de Constituição, tendo em vista seu caráter vinculador das condutas para o povo hebreu.

Comungam deste ponto de vista, juristas como o alemão Karl Loewenstein84, para quem os juízes eram obrigados a respeitar as regras das leis de Deus contidas na Torah, que sob esse ponto de vista não deixava de representar uma limitação ao poder do Estado.

A maioria dos doutrinadores concorda, entretanto, que a primeira constituição escrita teria sido mesmo a Magna Carta de 1215, promulgada pelo Rei João Sem Terra da Inglaterra.

Autêntica carta ou declaração de direitos assinada pelo monarca, cujo texto já reconhecia diversos direitos fundamentais, hoje previstos em várias constituições do mundo, inclusive na Constituição Brasileira, tais como; o tribunal do júri, o devido processo legal e a anterioridade tributária.

Carl Schmitt 85 , entretanto, contesta a condição da Magna Carta de primeira constituição escrita no mundo, quando discorre sobre a teoria da Constituição, cujas afirmações notadamente ácidas sobre o tema, envereda sobre que tipo de limitação a Magna Carta contemplaria, se seu texto em verdade reconhecia apenas direitos da nobreza.

84 Karl Loewenstein, 1970 apud TAVARES, André Ramos. Curso de direito constitucional. São Paulo: Saraiva, 2010. p.5.

85

Para Carl Schmitt 86 , a Magna Carta reconheceu direitos apenas dos nobres, deixando de contemplar o povo, que continuava desprovido de quaisquer garantias, em razão do que, defendia a tese de que a primeira constituição que efetivamente reconheceu direitos do povo teria sido o Bill of rights, promulgado igualmente na Inglaterra em 1688, logo após a Revolução Gloriosa do mesmo ano.

Ato contínuo, os filósofos positivistas sustentam que a primeira constituição escrita no mundo foi a Constituição Americana de 1787, derivada do pacto de Filadélfia, por ocasião da união das 13 colônias americanas, e do desejo comum de se darem uma Carta Constitucional.

Essa controvérsia doutrinária quanto à origem da primeira carta constitucional é secundária, sobretudo para o contexto discutido no presente trabalho, tendo em vista que objetiva-se ressaltar, a luta pela limitação do poder do estado, que remonta muitos anos, cujo nascedouro atrela-se a um desejo inato do ser humano nesse sentido.