• Nenhum resultado encontrado

Thomas Hobbes 45 é considerado dentre os autores anteriormente citados, o primeiro a discorrer sobre o conceito de Estado.

A visão Hobbesiana enaltece alguns pontos específicos.

Inicialmente considera que todos os homens são maus por natureza.

Assim, se todos os seres humanos são naturalmente maus e vivem numa situação de estado de natureza, em que não há controle estatal, as ações são norteadas pelo o que bem entendem esses mesmo indivíduos, resultando, inevitavelmente, no surgimento de conflitos entre as pessoas.

45

HOBBES, Thomas. Leviatã: ou matéria, forma e poder de um estado eclesiástico e civil. 1. ed. São Paulo: Martin Claret, 2014.

Os conflitos por sua vez, decorrem dos chamados direitos naturais que são intrínsecos aos próprios indivíduos, em convivência no estado de natureza.

Hobbes enaltece como direito natural, o direito à vida, considerando que todos os seres humanos no estado de natureza têm direito à vida, pressupondo não só o direito de viver, como também o direito de utilização de todos os meios necessários à concretização desse direito à vida, em razão do que, surgirá o chamado estado de guerra de todos contra todos46.

Ora, o indivíduo que é titular do direito à vida, para viver, prescinde do alimento, cuja busca muitas vezes o impele a ações desenfreadas, norteadas apenas pelo o que entende ser cabível em prol da satisfação dos seus interesses mais instintivos, já que, se não existe Estado, também não existe lei, e se não existe lei que gere ou crie uma ordem para esse grupo de pessoas, cada um será tendencioso a buscar tudo para si próprio, já que cada indivíduo é igualmente titular do direito à vida, que buscará garantir e defender47.

Nesse contexto, Hobbes considera que o agir mais lógico é aquele engendrado de forma preventiva.

O agir preventivamente hobbesiano considera que no estado de natureza não existe o direito de propriedade, logo o indivíduo não seria dono de nada, legitimando-se, entretanto a usufruir daquilo que conseguir preservar enquanto viver no estado de natureza.

Dessa forma, o indivíduo é considerado autorizado a utilizar determinado território no estado de natureza no estrito limite do necessário; a garantia do direito à vida, e por um lapso temporal determinado, ou seja, até que outro indivíduo mais forte ou mais inteligente, titular de características superiores, surja no contexto fático, de modo a tomá-lo do ocupante anterior, despertando o denominado desejo de defesa.

Exatamente por tal contexto, Hobbes considera esse estado como negativo e ruim, denominando-o estado de guerra de todos contra todos, fio condutor sob o ponto de vista da lógica, do despertar nos indivíduos que ali convivem, de ações antecipadas, pois se já

46“Além disso, os homens não sentem nenhum prazer (ao contrário, um grande desgosto) em se reunir quando não há um poder que se imponha sobre eles. Cada homem considera que seu semelhante deve valorizá-lo tanto quanto ele se valoriza e, em presença de sinais de desprezo ou subestimação procura, na medida do possível (os que não reconhecem nenhum poder que os sujeite destroem-se mutuamente), arrancar maior estima: de seus contendores, infligindo-lhes algum dano; de outros, mediante o exemplo” (HOBBES, Thomas. Da condição natural do gênero humano no que concerne a sua felicidade e a sua desgraça. In:_ . Leviatã: ou matéria, forma e poder de um estado eclesiástico e civil. São Paulo: Martin Claret, 2014. Cap. 13, p. 107).

47“Assim, existem na natureza humana três causas principais da disputa: competição, desconfiança e glória. A primeira causa leva os homens a utilizarem a violência para se apossar do pessoal, da esposa, dos filhos e do gado de outros homens; a segunda os leva a usar a violência para defender esses bens; a terceira os faz recorrer à força por motivos insignificantes como uma palavra, um sorriso de escárnio, uma opinião diferente da sua ou qualquer outro sinal de subestima direta de sua pessoa, ou que se reflita sobre seus amigos, sua nação, sua profissão ou o nome de sua família. A vida do homem é, então, solitária, pobre, embrutecida e curta” (HOBBES, ibid., p. 108).

imaginam um ataque por parte do outro, visto que se não existe Estado ou lei regulando as condutas, em algum momento, outros indivíduos cobiçarão o que já tem por assim dizer, ocupante, não conviria uma postura de simples reação a um eventual ataque, mais sim de ataque antes de ser atacado, de forma portanto antecipada.

Racionalmente falando, partindo-se do pressuposto de que os indivíduos pensam da mesma forma, haverá uma tendência entre os grupos, de sempre imaginarem reciprocamente ataques por parte do outro, fato que os auto remeterá ao permanente estado de guerra de todos contra todos já mencionado48.

Assim, no estado de guerra de todos contra todos, o indivíduo para garantir o seu direito à vida, não encontrará limites, já que no estado de natureza não existem regras estabelecidas, ou regras comuns a todos.

A situação de ataque prévio pelos indivíduos, imaginada por Hobbes, se por um lado parte de pressupostos lógicos, por outro; remete-os a uma situação de insegurança, já que o estado de natureza norteado pelo medo, não é considerado bom para a convivência social.

Portanto, serão exatamente o medo e a insegurança, que conduzirão os indivíduos a uma reflexão acerca do que consideram bom para si, assim como a fazerem uma escolha entre viver em um estado de natureza, em guerra o tempo inteiro com o outro, perpetuando o estado de insegurança, ou abrir mão de parte de prerrogativas inerentes ao ser humano, em prol de uma convivência menos violenta e mais agradável.

Hobbes considera que os indivíduos agirão racionalmente, de modo a unirem-se em torno da criação de um contrato social, que nada mais é do que a própria criação do Estado.

A grande diferença é que no Estado de natureza cada indivíduo é titular do seu direito natural, enquanto que a partir da formação do Estado, parte desse direito natural é transferido à instituição Estado. Desse modo, não só o direito à vida é transferido ao Estado, assim como a decisão de viver ou de morrer, e principalmente as consequências a esta decisão inerentes.

48“O que pensa ele de seus concidadãos, quando se arma para viajar, quando tranca as portas de seu quarto e dos quartos de seus filhos e empregados? Isso não é o mesmo que desconfiar de toda a humanidade e acusa -la, como eu faço com as minhas palavras? Não estamos, com isso, acusando a natureza humana. Desejos e paixões não são intrinsecamente pecados, como também não o são as ações resultantes dessas paixões, até o momento em que seja editada uma lei que proíba; enquanto não existir uma lei, a proibição será inócua. Nenhuma lei poderá ser editada enquanto os homens não entrarem num acordo e designarem uma pessoa para promulgá -la” (HOBBES, Thomas. Da condição natural do gênero humano no que concerne a sua felicidade e a sua desgraça. In: . Leviatã: ou matéria, forma e poder de um estado eclesiástico e civil. São Paulo: Martin Claret, 2014. Cap. 13, p. 109).

No estado de natureza a proteção do direito natural à vida é própria dos seres humanos, e se dará mediante o emprego da força física de uns contra os outros49.

No momento em que os seres humanos saem do estado de natureza e criam a instituição do Estado, transferem automaticamente seus direitos naturais a essa instituição, assim como seu direito de uso da força, e, portanto, por analogia, a soberania individual que cada indivíduo tem de fazer o que bem entender no estado de natureza, igualmente é transferida.

Na visão Hobbesiana o Estado surge com o objetivo único e exclusivo de garantir a segurança, já que no estado de natureza não há regras, não há leis, ou um poder superior ao poder do indivíduo, uma vez que todos são livres e iguais para fazerem o que bem entenderem e para protegerem as suas vidas.

Nesse passo, para surgimento do Estado, torna-se necessário centralizar a soberania em uma única instituição, e principalmente em uma única pessoa, fato que fatalmente resulta no absolutismo50.

Para Hobbes o Estado precisa ser absolutista, já que para ele a força só poderá ser exercida pelo Estado, se centralizada. O comando é legitimado pela força da chamada soberania do estado, in casu, absoluta, na medida em que se deve inibir quaisquer questionamentos das ordens que advenham deste ente, sob pena de por em risco a própria soberania estatal51.

49“Uma vez que a condição humana é a da guerra de uns contra os outros, cada qual governado por sua própria razão, e não havendo algo de que o homem possa lançar mão para ajudá-lo a preservar a própria vida contra os inimigos, todos têm direito a tudo, inclusive ao corpo alheio. Da lei fundamental da natureza, que ordena aos homens que procurem a paz, deriva esta segunda lei: o homem deve concordar com a renúncia a seus direitos sobre todas as coisas, contentando-se com a mesma liberdade que permite aos demais, na medida em que considerar tal decisão necessária à manutenção da paz e de sua própria defesa” (HOBBES, Thomas. Da primeira e da segunda leis naturais, e dos contratos. In: . Leviatã: ou matéria, forma e poder de um estado eclesiástico e civil. 1. ed. São Paulo: Martin Claret, 2014. Cap. 14, p. 111).

50“Um Estado é considerado instituído quando uma multidão de homens concorda e pactua que a um homem qualquer ou a uma qualquer assembleia de homens seja atribuído, pela maioria, o direito de representar a pessoa de todos eles (ou seja, de ser seu representante), todos sem exceção, tanto os que votaram a favor desse homem ou dessa assembléia de homens como os que votaram contra, devendo autorizar todos os atos e decisões desse homem ou dessa assembléia de homens, como se fossem seus próprios atos e decisões, a fim de poderem conviver pacificamente e serem protegidos dos restantes homens” (HOBBES, Thomas. Das causas da geração e da definição de um estado. In: .Leviatã : ou matéria, forma e poder de um estado eclesiástico e civil. 1.ed. São Paulo: Martin Claret, 2014. Cap. 17, p. 143).

51“E reconhece, igualmente que a palavra do rei é suficiente para tirar qualquer coisa de qualquer súdito, quando necessário, e que o rei é o juiz dessa necessidade; porque ele próprio, como rei dos judeus, ordenou aos discípulos que tomassem a burra e seu burrico para levá-lo à Jerusalém dizendo: ‘Ide à aldeia que fica diante de vós, e encontrareis uma burra amarrada, e com ela seu burrico; desamarrem-nos e tragam-nos a mim. E se alguém vos perguntar o que pretendeis, dizei que o Senhor tem necessidade deles; e deixar-vos-ão partir’ (Mt 21,2s). Ninguém perguntará se essa necessidade constitui um direito suficiente, nem se ele é juiz dessa necessidade, mas simplesmente acatarão a vontade do Senhor” (HOBBES, Thomas. Do domínio paterno e despótico. In: . Leviatã: ou matéria, forma e poder de um estado eclesiástico e civil. 1. ed. São Paulo: Martin Claret, 2014. Cap. 20, p. 168).

Por outro lado, um Estado não soberano, acarretaria o retorno ao Estado de natureza, hipótese que não faria sentido, já que os indivíduos desejaram anteriormente sair dessa condição, criando para tanto o Estado de sociedade, que terá basicamente cinco objetivos:1) garantir a segurança;2) liberdade;3)assegurar a igualdade;4) garantir a educação pública e;5) garantir a propriedade material.

Das cinco funções estatais suscitadas por Hobbes, apenas a segurança seria fundamental e obrigatória, já que na visão hobbesiana o Estado foi criado para acabar com a sensação de insegurança do estado de natureza, de modo que os indivíduos não vivam influenciados ou definidos pelo medo, como principal característica pertinente ao estado de natureza.

Assim, o Estado absolutista ou Estado do contrato social, teria como obrigação garantir segurança às pessoas a ele subordinadas52.

Falhando o Estado neste mister, haveria o retorno ao estado de natureza, fato que implicaria na repetição do processo de formação estatal, ou seja; de transferência dos direitos naturais e de estabelecimento do absolutismo, onde uma única pessoa, ou um grupo determinado, vai exercer as funções básicas estatais, como criar as leis, executá-las e julgar as hipóteses de transgressão a essas leis53.

Hobbes – Direito de Propriedade inexistente – Estado absolutista empenhado em garantir apenas segurança aos indivíduos – Momento histórico de formação do Estado Moderno.

52“Conferir toda a força e o poder a um homem, ou a uma assembléia de homens que possa reduzir as diversas vontades, por pluralidade de votos, a uma só vontade, é o único caminho para instituir um poder comum, capaz de defender a todos das invasões estrangeiras e das injúrias que uns possam fazer aos outros, garantindo -lhes, assim, segurança suficiente para que, mediante seu próprio trabalho e graças aos frutos da terra, possam alimentar-se e viver satisfeitos; isso equivale a dizer: é preciso designar um homem ou uma assembléia de homens para representar a todos, considerando-se e reconhecendo-se cada membro da multidão como autor de todos os atos que aquele que representa sua pessoa praticar, em tudo o que se refere à paz e à segurança comuns, submetendo, assim, suas vontades à vontade do representante, e seus, julgamentos a seu julgamento” (HOBBES, Thomas. Das causas da geração e da definição de um estado. In: . Leviatã: ou matéria, forma e poder de um estado eclesiástico e civil. 1.ed. São Paulo: Martin Claret, 2014. Cap. 17, p. 141).

53“Leis civis são aquelas que os homens são obrigados a respeitar, não por serem membros deste ou daquele Estado em particular, mas por serem membros de um Estado” (HOBBES, Thomas. Das leis civis. In: . Leviatã: ou matéria, forma e poder de um estado eclesiástico e civil. 1. ed. São Paulo: Martin Claret, 2014. Cap. 26, p. 210).

“A lei civil é constituída, para todo súdito, pelas regras que o Estado lhe impõe, oralmente ou por escrito, ou por qualquer outro sinal suficiente da sua vontade, empregando tais regras para diferenciar o que é certo do que é errado, isto é, para identificar o que é contrário ou não é contrário à regra” (HOBBES, ibid., p. 211).