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A quem compete garantir a eficácia dos direitos fundamentais? Ao Estado apenas e tão somente?

Ou o cidadão comum, titular desses direitos, estaria igualmente obrigado a contribuir para garantí-los?

Quanto à prerrogativa estatal nesse sentido, a dogmática jurídica é pacífica no sentido de considerar que os direitos fundamentais desde o seu surgimento, tiveram como prerrogativa o caráter de proteção. São, portanto, considerados direitos de proteção, cujo destinatário inicialmente foram os poderes públicos.

Quanto aos particulares, estariam eles obrigados a garantir direitos fundamentais individuais de outros particulares? Em caso afirmativo, em que circunstâncias o direito de propriedade estaria inserido nesse contexto?

A indagação retro parte da análise da situação de efetividade de um direito fundamental, como a vida, em que o legislador brasileiro tipificou como crime, a omissão de socorro, estendendo o dever de proteção a esse bem jurídico, não apenas ao Estado, mas também aos particulares.

casos concretos, inclusive no campo das relações entre particulares, o Judiciário deve mirar os valores constitucionais, que têm no sistema de direitos fundamentais o seu eixo central, e no princípio da dignidade da pessoa humana o seu vértice. Caso não seja possível aplicar a norma ordinária existente em conformidade com os direitos fundamentais, deve o órgão jurisdicional exercer o controle incidental de constitucionalidade, para afastar o preceito viciado da resolução da questão, e, diante de eventual ausência de norma, solucionar o litígio através da invocação direta da Constituição. De resto, esta obrigação deriva do próprio princípio da supremacia da Constituição e da vinculação do Judiciário, como órgão estatal, aos direitos fundamentais nela positivados” (SARMENTO, Daniel; GOMES, Fábio Rodrigues. A eficácia dos direitos fundamentais nas relações entre particulares: o caso das relações de trabalho. Revista do TST,Brasília, v. 77, n. 4, p. 87-88, out./dez. 2011).

Ocorre que em outras comunidades jurídicas como a alemã, segmentos doutrinários de destaque, disseminam a tese de que os direitos fundamentais vinculariam diretamente os poderes públicos e não os particulares. Nesse ponto a obrigação de protegê-los, portanto o dever de proteção, contra lesões e ameaças provindas, por exemplo, de particulares, seria do Estado.

Em tal contexto, no exercício dessa proteção, o Estado estaria obrigado a editar normas consentâneas com os direitos fundamentais, bem como a exercer a jurisdição de modo a respeitar os direitos fundamentais, resguardando-os de lesões e ameaças provindas dos particulares.

O dever de proteção dos direitos fundamentais pelo Estado, resultaria em duas funções; a defensiva e a protetiva, proibição de intervenção e imperativo de tutela.

Daniel Sarmento e Fábio Gomes235 inclusive quando examinam a realidade alemã, a partir dos ensinamentos de Wilhelm Canaris, destacam diferentes planos de influência dos direitos fundamentais sobre o direito privado.

Nesse passo, o legislador num primeiro plano estaria vinculado aos direitos fundamentais imediata e diretamente, posto que, as leis por ele editadas não podem violar direitos fundamentais dos particulares a ela subjugados, assim como essa mesma norma deverá prescrever comandos que permitam uma proteção adequada aos direitos fundamentais em face da ação de outros particulares.

O judiciário igualmente estaria vinculado, num segundo plano, aos direitos fundamentais, na medida em que ao decidirem lides de natureza privada deve tomar o cuidado para não violar direitos fundamentais, tornando efetiva a proteção das partes envolvidas no litígio.

Entretanto, o autor brasileiro faz a ressalva no sentido de que, muito embora a teoria dos deveres de proteção parta da ideia de que compete exclusivamente ao Estado garantir e proteger os direitos fundamentais dos particulares, porventura violados por outros particulares, tal concepção incompatibiliza-se com a nova realidade da vida em sociedade, a impor que também os particulares estejam vinculados de forma imediata aos direitos fundamentais236.

235SARMENTO, Daniel; GOMES, Fábio Rodrigues. A eficácia dos direitos fundamentais nas relações entre particulares: o caso das relações de trabalho. Revista do TST,Brasília, v. 77, n. 4, p. 60-101, out./dez. 2011. 236 “Um importante segmento da doutrina alemã mais recente vem defendendo a tese de que a doutrina dos deveres de proteção do Estado em relação aos direitos fundamentais constitui a forma mais exata para solucionar a questão da projeção destes direitos no âmbito das relações privadas. Embora esta posição seja, de certa forma, uma variação da teoria da eficácia indireta acima analisada, vale a pena, pela sua representatividade, expor aqui

A discussão é no sentido de averiguar-se até que ponto os particulares em relação a determinados direitos fundamentais, teriam o dever de proteção constitucionalmente amparado, sobretudo em um contexto dogmático legal, em que estes têm deveres de abstenção estabelecidos ante o exame de direitos fundamentais237.

O Estado muito embora deva assegurar a efetividade dos direitos fundamentais ante ameaças provindas de terceiros, não exclui a vinculação direta dos particulares a tais direitos, mesmo porque, no mundo contemporâneo, os chamados atores privados, sobretudo os dotados de maior poder social, podem por em perigo tanto quanto o Estado, a fruição dos direitos fundamentais dos considerados menos influentes socialmente.

Com isso, o particular não estaria equiparando-se ao regime jurídico dos poderes públicos, mesmo porque, não se pode deixar de registrar que o particular esteja ele no polo ativo ou passivo de uma determinada relação jurídica, não deixa de ser titular de direitos fundamentais, e, portanto, legitimado por disposições constitucionais, ao exercício do poder de autodeterminação dos seus interesses.

No Brasil, o STF muito embora já tenha enfrentado abertamente a questão da vinculação dos particulares aos direitos fundamentais, até a entrada em vigor da carta de 88, não havia formulado uma doutrina ou uma teoria no tocante ao assunto.

Após a promulgação da Constituição Federal de 1988, por ocasião do julgamento do Recurso Extraordinário nº: 160.222, cuja discussão girou em torno da postura da empresa De Millus S.A., ao submeter suas funcionárias à revista íntima, como forma de resguardar os interesses patrimoniais da empresa, no intuito de coibir furto, no sentido de identificar eventual violação ao direito fundamental de privacidade e à dignidade da pessoa humana.

os seus lineamento mais gerais, o que será feito a partir de breve análise das lições do seu mais importante defensor e divulgador, Claus-Wilhelm Canaris.

Para Canaris, os direitos fundamentais na ordem jurídica alemã vinculam diretamente apenas os Poderes Públicos e não os sujeitos de Direito Privado. Contudo, ele sustenta que o Estado, tanto ao editar normas como ao prestar a jurisdição, está obrigado não apenas a abster-se de violar os direitos fundamentais, como também a protegê-los diante das lesões e ameaças provenientes de outros particulares” (SARMENTO, Daniel; GOMES, Fábio Rodrigues. A eficácia dos direitos fundamentais nas relações entre particulares: o caso das relações de trabalho. Revista do TST,Brasília, v. 77, n. 4, p. 73, out./dez. 2011).

237“Ante as dificuldades suscitadas, parece mais simples supor que, em princípio, os sujeitos destinatários dos direitos fundamentais como direitos à proteção são os poderes públicos, e somente eles. À guisa de conclusão e em caráter especulativo e provisório, poder-se-ia dizer, então, que a resposta ou a solução – e isto supondo-se que não se está ante um falso, artificial ou aparente problema – se põe no campo dos deveres estatais de proteção ou então, na melhor das hipóteses, no campo da vinculação mediata dos particulares a direitos à proteção que tutelem bens de suprema importância (e.g., a vida e a liberdade). Mais precisamente, e aqui dando preferência à teoria dos direitos à proteção, se os bens jusfundamentalmente protegidos forem de suprema valia (e.g., a vida), o legislador, com fundamento nos e por imposição dos seus deveres de proteção, está autorizado a concretizar um dever de proteção aos particulares ante o direito fundamental de outros particulares. Em princípio, isso vale somente para o direito fundamental à vida e à liberdade, em situações de extrema gravidade” (STEINMETZ, Wilson. A vinculação dos particulares a direitos fundamentais.São Paulo: Malheiros, 2004. p. 289).

O julgamento obteve posicionamento do então Ministro Relator Sepúlveda Pertence no sentido de considerar vexatório o procedimento de revista íntima sob a égide do respeito à autonomia contratual, muito embora o mérito da causa não tenha sido examinado em razão da incidência da prescrição.

O Supremo, anos depois, mais precisamente em 1999, posicionou-se por ocasião da análise do Recurso Extraordinário interposto contra decisão contrária ao pedido de danos morais, formulado por ex-funcionário da citada empresa em razão da revista íntima, no sentido de que, os direitos fundamentais vinculam entidades privadas independentemente de mediação legislativa238.

Somente por ocasião do julgamento dos Recursos Extraordinários n.º: 158.215- 4/RS 239 e 161.243-6/DF 240 é que o Supremo Tribunal Federal afirmou a vinculação dos particulares aos direitos fundamentais, muito embora não tenha aberto debate sobre a questão.

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Processo: RE 160.222 RJ Relator(a):SEPÚLVEDA PERTENCE Julgamento:11/04/1995

Órgão Julgador: PRIMEIRA TURMA

Publicação:DJ 01-09-1995 PP-27402 EMENT VOL-01798-07 PP-01443 Parte(s):ANA PAULA MUNIZ DOS SANTOS E OUTRO

NAHUM MANELA Ementa

E M E N T A - I.

Recurso extraordinário: legitimação da ofendida - ainda que equivocadamente arrolada como testemunha - não habilitada anteriormente, o que, porem, não a inibe de interpor o recurso, nos quinze dias seguintes ao termino do prazo do Ministério Público, (STF, Sums. 210 e 448). II. Constrangimento ilegal: submissão das operárias de indústria de vestuário a revista íntima, sob ameaça de dispensa; sentença condenatória de primeiro grau fundada na garantia constitucional da intimidade e acórdão absolutorio do Tribunal de Justiça, porque o constrangimento questionado a intimidade das trabalhadoras, embora existente, fora admitido por sua adesão ao contrato de trabalho: questão que, malgrado a sua relevância constitucional, ja não pode ser solvida neste processo, dada a prescrição superveniente, contada desde a sentença de primeira instância e jamais interrompida, desde então. 239

Processo:RE 158.215 RS Relator(a):MARCO AURÉLIO Julgamento:30/04/1996

Órgão Julgador:SEGUNDA TURMA

Publicação:DJ 07-06-1996 PP-19830 EMENT VOL-01831-02 PP-00307 RTJ VOL-00164-02 PP-00757 Parte(s):AYRTON DA SILVA CAPAVERDE E OUTROS

HORST SCHARDECK

COOPERATIVA MISTA SÃO LUIZ LTDA GERMANO LUIZ HEINKEL E OUTRO

Ementa: DEFESA - DEVIDO PROCESSO LEGAL - INCISO LV DO ROL DAS GARANTIAS CONSTITUCIONAIS - EXAME - LEGISLAÇÃO COMUM.

A intangibilidade do preceito constitucional assegurador do devido processo legal direciona ao exame da legislação comum. Daí a insubsistência da óptica segundo a qual a violência à Carta Política da República, suficiente a ensejar o conhecimento de extraordinário, há de ser direta e frontal. Caso a caso, compete ao Supremo Tribunal Federal exercer crivo sobre a matéria, distinguindo os recursos protelatórios daqueles em que versada, com procedência, a transgressão a texto constitucional, muito embora torne-se necessário, até mesmo, partir-se do que previsto na legislação comum. Entendimento diverso implica relegar à inocuidade dois

Cite-se ainda por oportuno o posicionamento da Suprema Corte Brasileira no sentido de ratificar a horizontalidade dos direitos fundamentais na apreciação do Recurso Extraordinário nº: 407.688-8, concernente ao conflito entre direitos fundamentais, estabelecido entre o direito de moradia (dos não proprietários) versus direito de moradia (dos fiadores), bem como acerca da possibilidade de estender-se a impenhorabilidade do bem de família do devedor principal ao imóvel do fiador, cujas divergências em torno do julgamento gravitaram em torno das implicações em torno do direito à moradia ora discutido.

O que se observa é que os Tribunais ordinários brasileiros assumiram o protagonismo no enfrentamento de tal questão, posicionando-se pela aplicação imediata de direitos fundamentais nas relações jurídicas entre particulares, sobretudo, quando postas em discussão matérias relacionadas a seara trabalhista, em que muitas das decisões proferidas evidenciam que o poder de direção do empregador, alicerçado no direito de propriedade, foi afastado, preponderando o direito da personalidade nas relações interprivadas de trabalho.

A grande controvérsia é no tocante a forma de sujeição do particular aos direitos fundamentais, de modo a não desembocar em medidas autoritárias, aptas a restringir a liberdade de ação do indivíduo, ocasionando a chamada hipertrofia da eficácia horizontal dos direitos fundamentais.

princípios básicos em um Estado Democrático de Direito - o da legalidade e do devido processo legal, com a garantia da ampla defesa, sempre a pressuporem a consideração de normas estritamente legais. COOPERATIVA - EXCLUSÃO DE ASSOCIADO - CARÁTER PUNITIVO - DEVIDO PROCESSO LEGAL. Na hipótese de exclusão de associado decorrente de conduta contrária aos estatutos, impõe-se a observância ao devido processo legal, viabilizado o exercício amplo da defesa. Simples desafio do associado à assembléia geral, no que toca à exclusão, não é de molde a atrair adoção de processo sumário. Observância obrigatória do próprio estatuto da cooperativa.

240

Processo: RE 161.243 DF Relator(a):CARLOS VELLOSO Julgamento:29/10/1996

Órgão Julgador:Segunda Turma

Publicação:DJ 19-12-1997 PP-00057 EMENT VOL-01896-04 PP-00756 Parte(s):JOSEPH HALFIN

ROBERTO DE FIGUEIREDO CALDAS E OUTROS COMPAGNIE NATIONALE AIR FRANCE

FERNANDO NEVES DA SILVA E OUTROS Ementa

CONSTITUCIONAL. TRABALHO. PRINCÍPIO DA IGUALDADE. TRABALHADOR BRASILEIRO EMPREGADO DE EMPRESA ESTRANGEIRA: ESTATUTOS DO PESSOAL DESTA: APLICABILIDADE AO TRABALHADOR ESTRANGEIRO E AO TRABALHADOR BRASILEIRO. C.F., 1967, art. 153, § 1º; C.F., 1988, art. 5º, caput.

Discussões como esta, irradiam-se de outros questionamentos, como a constitucionalização do ordenamento jurídico, evolução das relações entre sociedade e Estado, limites da proteção constitucional à autonomia privada, e, portanto do que se estabelece e discute-se nos espaços público e privado.

A autonomia privada enquanto princípio vetor das relações estabelecidas entre particulares encontra limites nos direitos e garantias fundamentais dos indivíduos, sobretudo aqueles positivados na Constituição.

A Constituição Federal de 1988 hospeda um importante sistema de direitos fundamentais, tem um caráter intervencionista e social, consoante depreende-se do elenco contido nos arts. 6º e 7º. Inclusive o art. 3º, I, da citada carta, elege como objetivo fundamental da República Federativa Brasileira, a construção de uma sociedade livre, justa e solidária.

É, portanto, um modelo de estado social, em prol da igualdade substantiva241. A realidade brasileira revela que o legislador constituinte não fixou qualquer limitação no polo passivo das liberdades públicas que afastasse os particulares da vinculação aos direitos fundamentais, diferenciando-se neste ponto das realidades americana (na qual somente os poderes públicos estariam vinculados nesse sentido);assim como da realidade germânica (a submeter a efetividade dos direitos fundamentais à vontade do legislador ordinário).

É preciso lembrar que a Constituição por estar no ápice do ordenamento jurídico, consequentemente viabiliza que os princípios e valores nela previstos, irradiem efeitos para o sistema jurídico como um todo, direcionando a reconstrução do direito privado.

Esses valores são oriundos da cultura, consciência social, ideal ético, são valores em torno dos quais a sociedade se organiza. Por isso a constitucionalização do direito civil impregna-se de significado axiológico.

Esse conjunto de valores é o alicerce sobre o qual se constrói o pacto de convivência coletiva.

O Direito Constitucional é representado por esses valores.

241“Não bastasse, existe um dado fático relevante, que não pode ser menosprezado:a sociedade brasileira é muito mais injusta e assimétrica do que a da Alemanha, dos Estados Unidos, ou de qualquer outro país do Primeiro Mundo. O Brasil, como se sabe, possui índices de desigualdade social vergonhosos, equiparados aos dos países mais miseráveis do mundo. Estas tristes características da sociedade brasileira justificam um reforço na tutela dos direitos humanos no campo privado, em que reinam a opressão e a violência. Tal quadro impõe ao jurista a adoção de posições comprometidas com a mudança do status quo. Por isso, a eficácia dos direitos fundamentais na esfera privada é direta e imediata no ordenamento jurídico brasileiro” (SARMENTO, Daniel; GOMES, Fábio Rodrigues. A eficácia dos direitos fundamentais nas relações entre particulares: o caso das relações de trabalho. Revista do TST,Brasília, v. 77, n. 4, p. 63-66, out./dez. 2011).

Muito embora caiba ao Direito transformar a realidade, na persecução desse objetivo, um compromisso com os valores fundamentais deverá se estabelecer, de modo que a partir daí surjam leis, enquadradas ética e moralmente.

Os espaços de liberdade precisam estar aptos a permitir a cada um realizar escolhas pessoais, consentâneas com o próprio projeto de vida pessoal, entretanto, não sem desrespeitar direitos de terceiros, igualmente tutelados constitucionalmente.

Nesse contexto, Moraes242enaltece a importância de se fazer a distinção entre os atributos intrínsecos à pessoa humana, estes protegidos pelo Direito, e os atributos que devam e possam ser hierarquizados.

A dignidade da pessoa humana não pode ser definida por uma Constituição, esta apenas enuncia o princípio, dispondo sobre sua tutela através da fixação de direitos, liberdades e garantias que a assegurem, precedida do reconhecimento do ser humano como sujeito de direitos e titular de uma dignidade, fundamentada no direito universal da pessoa humana, a ter direitos.

No Brasil o respeito à dignidade da pessoa humana adveio conjuntamente com a entrada em vigor da Carta Constitucional de 1988, conforme previsão do art. 1º, III, que a remete a condição de fundamento da República.

Este fato foi de suma importância, posto que a tutela do indivíduo, ou ao que é individual própria do Código Civil, sofreu transformações em sua concepção, visto que os valores individualistas do passado, já não encontram mais guarida e respaldo no atual modelo normativo de princípios constitucionais, impregnados de valores éticos e jurídicos, fornecidos pela democracia.

Se a dignidade da pessoa humana impregna todos os setores da ordem jurídica, quais seriam os limites incidentes sobre este princípio, do ponto de vista hermenêutico?

Em resposta a tal questionamento é preciso considerar que a humanidade dos indivíduos, decorre basicamente da capacidade destes em serem racionais, sociáveis, dotados de livre arbítrio e capazes de se comunicarem com outros indivíduos, a partir da ação e do discurso.

Portanto, tudo o que reduz a pessoa humana à condição de objeto, é considerado contrário à dignidade da pessoa humana.

242

MORAES, Maria Celina Bodin de. O conceito de dignidade humana: substrato axiológico e conteúdo normativo. In: .Constituição, direitos fundamentais e direito privado.Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2006.

A dignidade da pessoa humana encontra fundamento jurídico, nos princípios da igualdade, liberdade e solidariedade.

Igualdade na medida em que o indivíduo ético reconhece a existência de outros indivíduos na mesma condição que ele; portanto, merecedor de igual respeito de que é titular. Desta feita, por força da igualdade, é necessário reconhecer que o outro é um ser igual a nós, coibindo-se diferenciações de tratamento entre as pessoas, sem fundamentação jurídica para tal243.

Liberdade no sentido de que o indivíduo é livre, podendo autodeterminar seus desejos e vontades.

Solidariedade em decorrência de sua condição de integrante do grupo social, em virtude do que, não deverá ser marginalizado.

Os conflitos horizontais retratam colisão entre princípios de igual importância hierárquica, exigindo através da ponderação, o alcance da melhor solução para o caso concreto. Essa ponderação poderá levar em consideração o que é mais digno e consentâneo com o princípio da dignidade humana.

A dignidade da pessoa humana para ser concretizada, parte da ideia da existência de uma cláusula geral de tutela da pessoa humana, a remetê-la a condição de sujeito titular do direito à proteção, e ao mesmo tempo de referência, enquanto objetivo da relação jurídica.

243“Considera-se modernamente que ao princípio da igualdade deve ser integrado o princípio da diversidade, ou seja, o respeito à especificidade de cada cultura. A identidade da cultura de origem é um valor que deve ser reconhecido, e o respeito a identidade e da diferença cultural encontra-se na base do próprio princípio da igualdade, que justamente o funda e sustenta. O paradoxo é aparente. Cabe distinguir igualmente como estado de fato e igualdade como regra ou princípio. A diferença, é o contrário da igualdade como estado de fato (se duas coisas são diferentes é porque não são iguais); todavia, quanto à igualdade como princípio, seu oposto não é a diferença mas a desigualdade.

[...] Como visto, o abandono da perspectiva individualista, nos termos em que era garantida pelo Código Civil, e sua substituição pela tutela da dignidade da pessoa, prevista na Constituição, produziram uma significativa transformação no âmago da própria lógica do direito civil – e que se faz notar em todos os recantos do sistema. Com efeito, o legislador codicista estava voltado para garantir a igualdade de todos perante a lei – igualdade esta que, embora não ultrapasse o caráter formal, representou, à época, significativo avanço social. Tal posição, no entanto, era incompatível com o reconhecimento de quaisquer aspectos, singulares ou específicos, relativos aos