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LÓGICA, LINGUAGEM E PROCESSO.

4. A relação lógica e a relação fática:

relação implicacional e o processo de formalização e de generalização.

A relação lógica em nada se relaciona com a relação fática, isto é, causa e efeito fáticos são diferentes da causa e efeito lógicos. A relação lógica é relação implicacional. Isto quer dizer que o antecedente numa proposição lógica é uma mera proposição funcional referente à outra proposição, o antecedente lógico é uma questão sintática. Também difere a relação lógica da relação fática porque a primeira é atemporal, ao passo que a segunda é temporal. A relação lógica não obedece a nenhuma ordem de sucessividade causal objetiva ocorrente no mundo do ser. Ela ocorre entre entes lógicos de tal forma que a relação entre uma premissa e sua conclusão não está associada ao mundo real. Quando se diz que um fato social implica em outro processo social, isso somente é admissível na medida em que se transpõem as formas lógicas para o mundo que se deposita a matéria do conhecimento. Nesse caso é o mundo dos fatos que serve de “matéria” para as formas lógicas. Tomando-se como paradigma uma forma apofântica que diga: “S é P”, e se

32 VILANOVA, Lourival. Lógica jurídica, p. 26.

quisermos relacioná-la com o mundo fático, podemos associar qualquer coisa a “S”, bem como qualquer propriedade pode ocupar o lugar de “P”.34 Isso nos permite desenvolver um sistema lógico-processual, pois quando admitimos que um ato processual implica (acarreta) noutro ato processual estamos transpondo uma forma lógica para o mundo processual, reduzindo o grau de arbitrariedade lógica, pois agora já não mais se pode associar “S” ou “P” a qualquer coisa, mas apenas a coisas processuais.

As relações lógicas se dão num ambiente autônomo, num sistema independente de maneira que nenhuma linguagem natural é capaz de destruir uma composição lógica formal. Quando se põem dois termos condicionantes de um terceiro, p. ex: “Se todo M é P e todo S é M, todo S é P”, não há meio de a linguagem natural desfazer essa composição formal com o escopo de torná-la “não válida”. Essa forma lógica é pura e apriori do tipo kantiana, desconsidera qualquer objeto a que pode dirigir-se. Tanto isto é verdade que em certa ocasião Bertrand Russell e Émile Borel proferiram assertivas acerca da matemática e da verdade, onde o primeiro prolatara que nesta ciência, não se pode saber do que se fala, bem como se o que se fala é, ou não, verdade. O segundo, por sua vez, afirmou que a matemática é a única ciência onde se sabe o que se fala, e mais: nela, o que se diz é verdade.35 Apesar disso é possível que ambos tenham razão se: quanto à primeira assertiva, considerarmos apenas o mundo real, físico e na segunda ficarmos restritos à verdade matemática. Num sistema axiomático as palavras são despidas de qualquer conteúdo, de maneira que, abstratamente, as asserções serão verdadeiras como conseqüência dos respectivos axiomas. No mundo real ao contrário, nada se pode afirmar sobre a verdade dos resultados. Deveras, experimentalmente falando, a razão está com Russell, entretanto, no mundo teórico dos axiomas ela está com Borel.36

Para explicar esta questão, Castrucci recorre ao exemplo da construção axiomática euclidiana, para concluir que a soma das medições de um triângulo é 180o. No

Interessante anotar que Lourival Vilanova quando comenta o realismo lógico de Hegel, que diz que todo real é racional e, por isso, pode ser expresso no logos (fala-se num logos encarnado), afirma que tal se constitui em algo extra-lógico ou meta-lógico. Estaremos assim no plano da lógica transcendental e não no da lógica formal. Para Lourival a lógica transcendental está inserta na teoria do conhecimento, não é, pois, uma teoria formal como a lógica que ele trabalha. Confira-se. Ibidem., p. 32.

35 CASTRUCCI, Benedito, op. cit. p. 09. 36 Ibidem. p. 09.

entanto, pela geometria de Lobatschevski a soma das mesmas medições implica num resultado menor. Apesar desta divergência, não se pode saber, experimentalmente falando, o que realmente acontece com a soma daquelas medições angulares, pois que a soma dos ângulos de um triângulo já construído, o qual difere da concepção abstrata, pode redundar em 180o, mas também é factível que o somatório ultrapasse ou fique a quem deste patamar.

Com isto é lícito afirmar que ambas as asserções geométricas são corretas, porque estão construídas em edifícios axiomáticos distintos.37

É por isso que o proposicional não se presta para uma definição da realidade jurídica, para esta o método adequado é mesmo o da generalização. Por esta razão quando Vilanova trata do problema da Teoria Geral do Direito, diz que somente é possível chegar- se a uma teoria válida para todos os ramos das diversas ciências dogmáticas se a operação mental atuar através do método da generalização. Assim, parte-se, exemplificativamente, de uma relação de locação específica (termo individualizado) para o geral. Então se verifica que a relação locatícia insere-se no gênero ‘relação contratual’. Generalizando ainda mais, vê-se que a relação contratual, que envolve e abrange a locatícia, insere-se no gênero Direito Civil. Este, por sua vez, conecta-se com os demais ramos do Direito dogmático e, assim, através da generalização, atinge-se uma teoria do direito válida para qualquer sub- ramo, eis que as relações de causalidade de todos os ramos do Direito obedecem aos mesmos princípios. Este pensamento pode ser representado com o seguinte esquema:38

Generalização

Ponto de partida: específico. Contrato de locação

Contratos

37 Ibidem. p. 09.

38 O tema generalização e formalização é objeto de títulos inseridos no primeiro capítulo tanto em Lógica

jurídica, (cf. op. cit. p. 38-42), quanto em As estruturas lógicas e o sistema de direito positivo, cf. p. 48-

Direito Civil

Direito Ponto de chegada: geral.

A dupla seta indica a simetria que Vilanova afirma existir entre estes dois planos.

Esta generalização, que é o savoir faire de uma Teoria Geral do Direito, não se compatibiliza com as formas lógicas, posto que se situam em universos distintos. A generalização nas relações lógicas não consegue exorbitar o mundo onde se encontram os objetos designados nas proposições. Uma tentativa de generalização lógica parte de uma proposição particular para uma geral. Uma proposição pode individualizar um fato singular, como diz Vilanova: “Este livro é verde”, esta proposição é singular. Todavia, pode-se formar conjunções de proposições singulares para chegar-se a forma geral: “todos os livros são verdes”. Mas ainda assim continua-se no domínio dos objetos verdes sem poder-se ultrapassá-lo. É que aqui se segue o caminho indutivo, caso a caso, e assim não se alcança o formal lógico porque os enunciados gerais que se atingem são válidos apenas para os conjuntos materiais pelo fato de as proposições encontrarem-se saturadas de significado real (objetos verdes). A forma lógica, pois, somente se atinge através da ‘formalização’. A ‘generalização’ é adequada para uma TGD, não para as estruturas lógicas. Isso ocorre porque se generalizando, partindo-se do indutivo, caso a caso, atingir-se-ão enunciados gerais acerca da propriedade de uma coisa. Tais enunciados gerais, apesar de serem válidos para um determinado conjunto de coisas, não alcançam a forma lógica porque se quedam saturados de conteúdo material. Ao passo que a formalização faz-se através do uso de uma simbologia não pertencente à linguagem natural e que não possui nenhuma referência objetiva à coisa ou objeto real. Neste diapasão a proposição: “Todos os S são P”, é uma forma lógica que pode ser preenchida por qualquer conteúdo. A estrutura formal fixa se constitui pelos elementos “Todos” e “são”. Inolvide-se que uma estrutura lógica contém símbolos fixos e símbolos variáveis e estes são os que lhe permitem variabilidade de preenchimento material, pois se pode perfeitamente preencher “S” e “P” pelo que for

imaginável. Veja-se que realmente a linguagem natural não faz parte do sistema lógico já que dela pode-se prescindir, eis que a importância gramatical não se confunde com a relevância lógica. Quando se formaliza uma proposição utiliza-se algoritmos e o conteúdo destes é variável.39

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