• Nenhum resultado encontrado

INFORMÁTICA, TELEMÁTICA E CIBERNÉTICA DIREITO: INFORMÁTICO, TELEMÁTICO E CIBERNÉTICO.

3. Inteligência artificial e os sistemas expertos.

Para Luño a inteligência artificial consiste no conjunto de atividades informáticas que, se realizadas pelo homem, seriam consideradas produto de sua inteligência.141 Mas Helder Coelho diferencia a inteligência artificial da informática, em razão da diferenciada maneira de resolução de problemas entre uma a outra. Na IA os problemas são descritos de modo incompleto, resistem a uma especificação posto que se quedam em ambiente dinâmico o que dificulta uma aproximação modular e suas soluções, em vez de corretas, são ditas adequadas. Isto significa que os sistemas de IA não são

141 Vejamos o conceito do jurista espanhol: “...alude al conjunto de actividades informáticas que si fueran

realizadas por el hombre se considerarían producto de su inteligencia. La propia amplitud de estas operaciones que abarcan desde la comprensión de lenguajes naturales, el reconocimiento de imágenes o sonidos, hasta una amplia y diversa gama de juegos y simulaciones, han determinado una necesidad de acotar y delimitar su ámbito”. LUÑO, em Manual de informática y derecho, p. 24. Em Helder Coelho encontramos a definição dada por Allen Newell em 1977: “Conhecimento – teoria, dados,

avaliações – que descreve os meios para alcançar uma classe de fins desejados, dadas certas estruturas e situações. A ciência vai além da situação de sua geração, e torna-se uma fonte conhecimento para os futuros cientistas e tecnólogos – investimento em vez de consumo”. NEWELL, apud COELHO, Helder. Inteligência artificial em 25 lições. Lisboa: Caloustre Gulbenkian, 1995, p. 20-21.

concebidos da mesma forma que acontece com a engenharia da programação informática tradicional.142

Foi através da inteligência artificial que foram concebidos os denominados sistemas "expertos", que incorporam de maneira prática e eficiente o conhecimento que um especialista – um expert - possui sobre determinada matéria. Num encontro sobre informática e tribunais realizado em Lisboa pela Fundação Caloustre Gulbenkian em 22 e 23 de maio de 1991, os sistemas jurídicos expertos foram conceituados por Gerard Losson como uma aplicação da inteligência artificial no domínio do direito, que naquela época (1991) eram ‘propriedade’ dos institutos universitários e dos estabelecimentos de pesquisa. Hoje, há mais de uma década, existem no Brasil alguns desses sistemas já em operação efetiva no âmbito do judiciário, como, por exemplo, o de propriedade do Desembargador do Espírito Santo Pedro Valls Feu Rosa, que decide lides adstritas à responsabilização civil em juizados especiais cíveis. Na área penal há um programa desenvolvido em Santa Catarina pelo professor Aires Rover. São hoje, pois, mais do que mero deleite acadêmico.143

Na verdade estes programas reproduzem a atuação prevista pelo especialista que o projetou ou colaborou com o analista de sistemas no seu projeto. Na área jurídica inúmeros programas, além dos acima citados, estão sendo projetados, dentre eles, existem os que tratam de liquidações tributárias, cálculos de indenizações por acidente de trabalho, etc. Apesar de tudo isto, de a máquina poder processar inferências lógicas, não pode, doutro turno, compreender a multiplicidade de circunstâncias ocorridas nas condutas humanas. Atualmente a colocação correta do problema consiste não em questionar se a maquina computacional poderá, ou não, tomar decisões jurídicas e, mais propriamente falando, decisões judiciais sem o auxílio do jurista. O problema recai sobre uma questão de ordem

142 Ibidem, p. 20-21, onde o autor acrescenta que: “As metodologias que têm sido avançadas, desde os anos

70, para facilitar e acelerar o seu desenvolvimento e a sua construção são incrementais e exploratórias, isto é, obtém-se um sistema final após ter sido projectada uma sucessão de protótipos”.

143 A visão de Gerard Losson em 1991, era a seguinte: a despeito deste tema assinalou: “Les systèmes experts

juridiques (qui représent une application de l’intelligence artificialle au domaine du droit) n’en sont encore qu’à leurs débuts. Ils sont pour l’instant plus ou moins l’apanage des instituts universitaires et des établissements de recherche. Néanmoins, certains produits, assez rares il est vrai, portant sur des points de droit très précis, existent déjà sur le marché”. LOSSON, Gerard. Evolution de l’informatique

ética, podendo ser representada pela seguinte indagação: desejamos, ou não, que isso ocorra? E neste particular achamos que a tecnologia deve apenas auxiliar o magistrado, não devendo ser permitida a delegação da função de decidir a uma máquina.

Assim deve ser posta a questão porque atualmente isto já é plenamente possível, mormente, quando uma nova concepção de inteligência computacional já em uso, denominada de redes neurais ou redes neuronais, aproxima ainda mais o raciocínio do computador ao do homem, conferindo-lhe capacidade de efetuar inferências lógicas com uma margem de erro reduzidíssima, semelhante à humana. Isto quer dizer que um computador inteligente é capaz de admitir a verdade ou falsidade de uma proposição, ainda que não a conheça diretamente, em virtude de sua ligação com outras proposições já admitidas como verdadeiras ou falsas. Nada obstante isto pregam os juristas, no que concordamos, que a fase decisiva do processo continue em poder do juiz-homem, restando à inteligência artificial a função de assessoramento. É certo, porém, que quem assessora ‘decide’ previamente “ad-referendum” da autoridade assessorada.

Mas aproximar o raciocínio do computador ao do homem não significa dizer que ambos sejam idênticos, são apenas ‘aproximados’, pois os atuais modelos matemáticos representativos do sistema nervoso central humano mais servem para possibilitar especulações acerca das funções humanas sensoriais, como, por exemplo, visão, tato e audição, que replicar o raciocínio do homem.144 A teoria quantitativa da infalibilidade computacional desenvolvida por Gödel e Church demonstra, ao menos até o momento, a impossibilidade de sistemas programados poderem responder a classes distintas de questões gerais em todas as hipóteses.145

Este problema relaciona-se diretamente com a possibilidade de os computadores serem capazes de aprender e decidir autonomamente. Quanto a isto nos últimos anos houve uma grande e diversificada intensidade nos debates sobre os limites da

144 A este respeito a Universidade Católica de Pernambuco financia projeto de pesquisa no qual um professor de física está a desenvolver um “nariz” artificial.

145 A este respeito Helder Coelho inscreveu: “O resultado original destes dois investigadores lógicos, mais

qualitativo do que quantitativo, conduz à declaração de insolubilidade: ‘não pode existir um programa de computador Princípio capaz de examinar qualquer outro programa Q e determinar correctamente, num tempo finito, se Q continuará sempre a ser executado ou se parará eventualmente’”. COELHO,

IA. Estes limites não se resumem à questão da aplicação da lógica e de suas possibilidades lingüísticas, ou mesmo à indagação de Dreyfus no sentido de saber se os computadores ou outras máquinas poderão ‘pensar’, questão que volveu à tona com a publicação de um livro de Penrose em 1989.146 O que logra maior importância é o fato de ser a IA descritiva ou normativa. Pois bem, para sabermos requer-se uma investigação de duas principais teses: de um lado tem-se a tese hard, a defender que a IA faz uso de métodos de resolução de problemas próprios dos humanos, isto é, tem por meta atingir um estágio no qual seja possível uma máquina replicar os processos mentais de raciocínio do homem; de outro, queda-se a tese soft, a qual pugna que a IA deve não se ocupar da maneira que os humanos realmente pensam, mas, ao contrário, deve cingir-se ao problema de como os humanos ‘devem’ pensar, seu objetivo consiste em reproduzir uma mera simulação do processo mental humano.147

Foi da intersecção destas duas teses que resultou a teoria concludente de que a IA ‘relaciona-se’ com o modo de pensar dos humanos, ou, mais propriamente falando, com as arquiteturas que subjazem nos processos mentais e computacionais. Não é novidade a afirmação de que a mente humana possui uma arquitetura e que sob a inteligência há uma estrutura de controle mental. Para que uma máquina possa replicar o pensamento humano integralmente é preciso ser capaz de executar um raciocínio envolvedor da linguagem nos níveis: sintático, semântico e pragmático. Se se restringir à sintaxe, por exemplo, restará limitada a tão somente um aspecto do modo operacional mental humano, pois a plenitude da cognição e da comunicação exige o domínio: do conteúdo, da informação e da crença. Disso se conclui que um raciocínio computacional desprovido do aspecto semântico não atingirá um resultado interpretativo pleno. No atual contexto a tese hard da IA ganha novo ânimo decorrente da popularização das concepções conexionistas que superaram as programações computacionais simbólicas tradicionais.148 O resultado final, porém, ainda está por vir.

Vejamos agora o problema da jurisdicização da aplicação da tecnologia ao direito.

146 COELHO, Helder, op. cit.,. p. 452. 147 Ibidem, p. 453.

4. O direito teleinformático, seu caráter instrumental, científico e publicista.

Este novo direito decorrente da aplicação da informática e da telemática à experiência jurídica é uma disciplina já reconhecida em nações desenvolvidas, possuindo todas as características de um direito especializado e ao mesmo tempo interdisciplinar e universal. Especializado porque seu objeto recai sobre a tecnologia informática englobando o tratamento da informação e da comunicação. Interdisciplinar porque hodiernamente é difícil, ou, por que não dizer, impossível imaginar um só ramo do direito que prescinda da informática jurídica. Universal porque o transporte das informações ultrapassa os limites das fronteiras de um determinado Estado, encontrando-se presente em todos os países que fazem uso da tecnologia computacional.

Esta interdisciplinaridade do direito teleinformático denota-lhe, ainda, uma outra característica: a da instrumentalidade, podendo auxiliar os demais ramos do direito em sua aplicação, visando à efetivação da aplicação da justiça empregando-lhes a nota da celeridade associada à necessária segurança que a concretização do direito exige. A sua inserção na ciência jurídica já foi objeto de estudo em vários países, dentre os quais destacam-se: Holanda, Itália, Espanha, Alemanha, Áustria, Canadá, Dinamarca, Estados Unidos, Luxemburgo, Noruega e Suécia, que o inserem na seara do direito público. Na França, essa conclusão levou em conta dois aspectos: primeiro, a essência, o caráter em si mesmo deste direito; segundo, o fim jurídico do objeto protegido.149 Mas esta conclusão derivada da doutrina portenha encontra resistência mesmo no seu próprio âmbito, pois há na Argentina quem considere que o direito teleinformático possui características de um típico ramo do direito privado. Para tanto, salienta-se a propagação do uso da informática em escala muito mais acentuada na esfera dos negócios privados, ao contrário do verificado no setor estatal. Em embargo a esse posicionamento, Azpilcueta estima que num prazo de

quatro anos este direito terá efetiva transcendência sobre todos os demais ramos, caracterizando-se como uma subespécie do direito público.150

Luño, por seu turno, o considera possuidor de uma dicotomia capaz de permitir o seu enquadramento tanto como um ramo do direito público quanto do direito privado. Eis que sua problemática afeta a ambos, estando presente em normas de caráter constitucional e penal, por exemplo, ao estabelecer sanções para prática de delitos informáticos, como também se faz sentir no direito civil, mormente quanto à formulação de contratos, etc.151

Parece-nos que o direito teleinformático detém inegável caráter público, pois uma coisa, como mencionado acima, são as possibilidades de instrumentalização da vida privada como decorrência deste novo ramo do direito, outra, é óbvio, são os próprios negócios gerados e ocorridos com o auxílio da informática e da telemática. Aquela instrumentalização confere incontroversa faceta publicista ao direito teleinformático, pois apesar de as partes serem livres para contratar – e a contratação enquanto regra insere-se no ramo do direito privado --, quando o instrumento para tanto utilizado for a informática e/ou a telemática, sua regulação ultrapassa as fronteiras dos interesses particulares. As regras que regulamentam este direito são inequivocamente pertencentes ao direito público. Para tomarmos esta posição partimos da constatação de que apesar de a subdivisão do direito em público e privado ser peculiar aos sistemas decorrentes do direito romano, no qual o Digesto chegou a mencioná-la, e mesmo considerando-se que não é admitida no direito inglês e nos sistemas que dele derivaram, bem como nas ordens jurídicas regidas pelos regimes marxistas, nada obstante isto, deve-se reconhecer que o Brasil, por inserir-se entre os países que adotam uma ordem jurídica lastreada nos princípios romanistas, é plenamente

150 Na Argentina, há ainda quem pretenda enquadrá-lo como um ramo do direito administrativo, postura contraditada por Azpilcueta porque o direito informático unge-se de forma mais acentuada ao direito comum, estando presente em todos os demais ramos jurídicos: “... debemos lograr que en nuestro

medio se produzca el reconocimiento del Derecho Argentino de la Informática puesto que en cada región, en cada país y en cada lugar en especial donde existen relaciones humanas por estos medios, el derecho se ve con modificaciones tan modernas que debe ser receptado, encuadrado, aclarados sus conceptos, determinados sus alcances y por qué no decirlo, ubicado en el derecho común y non en el derecho administrativo como en algunas manifestaciones que ya tenemos entre nosotros. Esto último, puesto que el tema ha sido contemplado única e exclusivamente en las relaciones entre estados nacionales y estados provinciales, entre organismos oficiales para los distintos medios de comunicación o transferencias de fondos o modos de actuar bancarios a los que se les ha impreso celeridad gracias a este nuevo medio informático y telemático”. AZPILCUETA, ibidem, p.33-34.

factível falar-se nesta sub-partição do direito. Depois, apesar do pouco interesse prático que esta discussão pode oferecer, considerando que se entende por direito privado o setor do direito objetivo que regulamenta as relações entre particulares nas quais não se presenteiam questões que envolvam o Estado ou a Administração Pública, considerando, que as regras jurídicas que tratam da aplicação da tecnologia ao direito envolvem diretamente o interesse estatal, tendo a Constituição Federal disciplinado no artigo 5o a inviolabilidade dos dados informáticos e telemáticos, considerando, enfim, que a doutrina sempre entendeu que as regras processuais e procedimentais têm nítido caráter público e que o direito teleinformático visa a instrumentalizar e procedimentalizar as relações jurídicas em geral, torna-se possível enquadrá-lo no âmbito do direito público.

5. A juridicidade do direito teleinformático e o seu objeto: direito à informação e

Outline

Documentos relacionados