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Da interrupção da prescrição regulada pelo novo código civil: a revogação parcial do artigo 219 do CPC.

RELAÇÃO MEDIATA SUJEITO INDETERMINADO, MAS EXISTENTE

17. Interesse primário e secundário: situando o interesse de agir e a ação processual e material frente à relação processual (típica e atípica).

18.5. Da interrupção da prescrição regulada pelo novo código civil: a revogação parcial do artigo 219 do CPC.

Por fim, o quinto efeito a que se refere o artigo 219 do CPC, em relação à citação, é a interrupção do prazo da prescrição. Por prazo prescricional entenda-se o lapso temporal que medeia os seus termos inicial e final adrede fixados em lei para o exercício da ação. Salvo em matéria tributária, a prescrição é a perda do direito processual de ação sem que isso acarrete o perecimento do direito em si, isto é, ele perde sua força coativa de se fazer valer pela Jurisdição mas a sua existência permanece, porém, de forma anômala, mutilada. Assim, numa dívida representada por um cheque, e prescrito o prazo de cobrança judicial do mesmo, ainda assim, a dívida não deixa de existir até que também pereça o próprio direito, apenas não mais poderá ser cobrada em juízo. O perecimento do direito, pois, não ocorre com a prescrição mas com a decadência, que significa a perda do direito pela inércia de seu titular durante a fluência de prazo certo determinado em lei.

Ocorre que o artigo 202 do novo código civil estabeleceu que a causa processual interruptiva da prescrição passou a ser o despacho positivo do juiz (que ordenar a citação), dês que o interessado a promova nos termos e prazos determinados no CPC. Manteve-se a regra de que a prescrição interrompe-se independentemente de o juiz ser competente ou não, bem como a que manda recomeçar a fluir o prazo a partir da data do último ato processual que obstou a fluência. O que o novo CC não disse foi se se deve considerar, ou não, a retroação da data da interrupção à data da propositura da ação (§ 1o do artigo 219 do CPC). Parece-nos claro, contudo, que esta regra continua em vigor nos mesmos termos e interpretações já construídos, pois não seria justo a parte autora arcar com o ônus da lentidão da máquina judiciária. Pelo que, atualmente a prescrição interrompe-se pelo despacho do juiz determinante da citação, retroagindo os seus efeitos à data da propositura.

Como alardeado acima, uma exceção à regra do artigo 219, agora revogado pelo artigo 202 do novo CC, encontra-se no direito tributário onde o § 1o do artigo 8o da lei 6.830/80 (LEF) contém dispositivo antagônico ao contido no artigo 174 do CTN. Há uma grande celeuma acerca de qual dos dois dispositivos deve prevalecer, noutras palavras: a prescrição tributária interrompe-se com o despacho que recebe a inicial (artigo 8o da lei

6.830/80) ou somente com a citação (artigo 174 do CTN)?

Humberto Theodoro Júnior manifesta-se contrário à superposição do CTN sobre a LEF.320 No entanto, inúmeros juristas quedam-se em sentido contrário. Silva Pacheco, em

seus “Comentários à LEF ”, magistra que o §1º do artigo 8º da LEF, “Trata-se sem dúvida de privilégio odioso, porque discrimina entre credores a forma de interromper a prescrição, sem razão plausível”.321 Entendemos como correto o entendimento pela prevalência do Código Tributário Nacional sobre a Lei de Execução Fiscal. É que o CTN constitui-se em norma complementar à Constituição Federal, ao passo que a LEF é lei meramente ordinária. Trata-se de uma questão de reserva de competência afeta à lei complementar. A Constituição Federal na alínea “b” do inciso III, de seu artigo 146, dispôs caber à Lei Complementar, e não à ordinária, estabelecer normas gerais em matéria de legislação tributária, especificamente, sobre: obrigação, lançamento, crédito, prescrição e decadência tributárias. Assim, não poderia a lei ordinária dispor de forma diferente do que decreta a complementar, pois, neste caso, estaria invadindo uma reserva de competência constitucionalmente atribuída à lei complementar.

Tal ocorre no Direito Tributário porque a prescrição não apenas extingue o Direito de ação, mas também o Direito em si mesmo.322 De tal forma, seria lícito ao juiz, decretar, de ofício, a prescrição tributária. Por que deveria, então, esperar a provocação do

320 THEODORO JÚNIOR, Humberto. Lei de execução fiscal. 4. ed. São Paulo: Saraiva, 1995, 50-53. 321 SILVA PACHECO, José da. Comentários à lei de execução fiscal. São Paulo: Saraiva, 1997, p. 82. 322 A este respeito o professor Hugo de Brito Machado escreveu que: “Na Teoria Geral do Direito, a

prescrição é a morte da ação que tutela o direito, pelo decurso do tempo previsto em lei para esse fim (...) O CTN, todavia, diz expressamente que a prescrição extingue o crédito tributário (art. 156, V). Assim, em nosso Direito, a prescrição não extingue apenas a ação, mas também o próprio Direito”.MACHADO, Hugo de Brito. Curso de direito tributário. 10. ed. São Paulo: Malheiros, p.

interessado se extinto está o próprio Direito?323 O prazo da decadência pode ser fixado não apenas pela lei, mas, também, através de negócio jurídico bilateral ou unilateral, ao passo que o prazo da prescrição só pode ser estipulado pela lei.324 Isto está absolutamente correto tendo em vista que a prescrição regula o exercício do direito de ação, salvo o caso acima discorrido. Trata-se, portanto, de direito a ser exercido, primeiramente, contra ou em relação ao Estado, logo é de direito público que se trata e sobre o qual a vontade dos particulares não pode prevalecer. Vê-se que a prescrição atinge a ação de forma direta e, reflexamente, também o direito ao retirar-lhe a força de seu cumprimento coativo, ao passo que a decadência fulmina tanto o direito quanto a respectiva ação que o assegura.

18.5.2. Prescrição e o problema da circundução e da perempção no novo CC. Remanesce a circunduta no processo dos juizados cíveis?

O verbo circundutar indica julgar nulo.325 Em ambiência processual, circundutar traduz o ato de julgar nula a citação. E circundução designa a inexistência de citação em virtude de ato ou fato previsto em lei.326 O código civil de 1916, em seu artigo 175, consignava que a prescrição não se interrompia caso a citação fosse nula por vício de forma, por circunducta, ou nas hipóteses em que ocorrer a perempção (artigo 175 do CC).

323Neste norte já decidiu o Egrégio Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, acatando o voto do Desembargador Relator Amaury Arruda de Souza, verbis: “Execução Fiscal – É possível reconhecer de ofício a

prescrição tributária. As disposições do artigo 40 e seus parágrafos, da Lei de Execução Fiscal, devem ser interpretados em harmonia com o princípio geral da prescrição tributárias, contido no art. 174, do Código Tributário Nacional. – Ao contrário da sustentação do apelante, tenho para mim que a prescrição em matéria tributária pode ser decretada de ofício, conforme decidido na sentença recorrida...”.In Revista jurídica da instituição Toledo de ensino”, Nº 18/ Agosto de 1997, p. 11-2.

324 DINIZ, Maria Helena, op. cit. p. 190-1. 325 AURÉLIO. Dicionário eletrônico.

326 Segundo José Cretella Neto: “Ocorria circundução, no processo antigo, quando o autor, promovendo a

citação do réu, não comparecia à audiência de acusação de citação. Declarada nula a citação, deveria ser repetida, para que fosse válido o processo. Na sistemática atual não existe tal audiência, tendo desaparecido o termo em sua acepção original, embora o Código Civil ainda o mencione, no art. 175: ‘A prescrição não se interrompe com a citação nula por vício de forma, por CIRCUNDUTA, ou por se achar perempta a instância, ou a ação’. Pena de tornar nula a citação do réu, aplicada antigamente ao autor que não comparecia em juízo”. CRETELLA NETO, José. Dicionário de processo civil. 2. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2002, p. 93-4.

Circundução da citação operava-se nos procedimentos sumários quando o autor não comparecia à audiência designada pelo juízo, quedava-se, então, sem efeito a interrupção da prescrição ante a revelação tácita do desinteresse do demandante.327 Hoje isso não mais acontece no CPC.328 Bem esclarece Frederico Neves que a ausência da parte autora à audiência preliminar no procedimento sumário induz apenas aos efeitos: de se considerar prejudicada a tentativa de conciliação; o juiz receber a resposta do réu; dispensa da prova requerida pela parte ausente.329 Essas são conseqüências da ausência do autor à audiência preliminar do sumário, donde se vê que o artigo 175 do CC de 1916 já havia sido expurgado do nosso ordenamento processual em razão do prescrito nos artigos 277 e 278 do CPC. O novo CC não trouxe artigo correspondente ao 175 do código antigo, de modo que não resta dúvida sobre inaplicabilidade da circundução no processo civil regido pelo CPC.

Ingressando agora no subsistema processual dos juizados especiais cíveis, regulado pela lei 9.099/95, constata-se que o problema remanesce, pois segundo o inciso I do artigo 51 desta lei, quando o autor não comparecer a qualquer das audiências do processo, deverá o juiz pôr termo à demanda impondo-lhe o ônus do pagamento das custas. Ora, mesmo não tendo o artigo 18 desta lei dito que o ato citatório produz o efeito da interrupção da prescrição, agora decorrente do despacho positivo (artigo 202 do novo CC), mesmo assim,

327 Sobre o assunto Joel Dias Figueira Júnior esclarece: “O CPC de 1939 tratava desta matéria sob epígrafe

de absolvição da instância, a qual poderia ser requerida pelo réu, dentre outras situações elencadas no art. 201, quando o procurador do autor faltasse injustificadamente à audiência de instrução e julgamento (art. 266, I). Com a entrada em vigor do Código de 1973, essa situação foi abolida, facultando apenas ao Juiz a dispensa das provas requeridas pela parte cujo advogado não comparecer à audiência (§ 2o, art. 453)”. FIGUEIRA JÚNIOR, Joel Dias e LOPES, Maurício Antônio Ribeiro.

Comentários à lei dos juizados especiais cíveis e criminais. 3. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais,

2000, p. 366.

328 “Como hodiernamente não mais existe a circundução da citação, o art. 175 ficou nessa parte superado”. DINIZ, Maria Helena, op. cit. p. 181.

329 NEVES, Frederico Ricardo de Almeida, onde, à p. 191, da obra citada ao final desta nota, consigna o eminente processualista pernambucano: “3o) não comparecendo a parte autora à audiência

preliminar, sem justificativa, será considerada prejudicada a tentativa conciliatória, recebendo o juiz a resposta do réu. Obs.: neste caso, poderá ser dispensada a produção da prova requerida pela parte ausente (art. 453, § 2o, do CPC), ocasião em que o juiz, de imediato, proferirá sentença

(posicionamento adotado pelo Min. Athos Gusmão Carneiro). Observe-se, contudo, que o citado dispositivo está inserto na seção do código destinada a audiência de instrução e julgamento (registro para reflexão). Obs.: justificada a ausência do autor, a audiência só não será adiada, se o seu advogado, presente ao ato, exibir poderes para transigir, e pedir a realização do ato”. NEVES,

Frederico Ricardo de Almeida. Agravo. Nova sistemática e outros temas de exegese controvertida da

a doutrina firmou-se pela aplicação do artigo 219 do CPC para esse fim.330 É curial que agora, também nos juizados, o ato processual que interrompe a prescrição é o despacho positivo, não mais a citação. Mas o que nos interessa, para o contexto, é que havendo a interrupção da prescrição pelo despacho do juiz e, havendo a extinção do processo em virtude da ausência do autor a qualquer audiência, resta-nos reconhecer que a circunduta remanesce no processo regido pela lei 9.099/95. Mesmo que o atual CC não repita regra similar a do antigo artigo 175, mesmo assim, por uma questão de lógica processual, a prescrição deve ser considerada como não interrompida (circunduta) sempre que o autor faltar a qualquer das audiências.331

Quanto à perempção, deve-se aventar que este instituto corresponde à perda do direito de ação quando o autor, por três vezes, der causa a extinção do processo em razão de não ter promovido os atos e diligências que lhe competiam abandonando a causa por mais de trinta dias, nesse caso o requerente não mais poderá intentar nova ação (parágrafo único do artigo 268, c/c § 3o do artigo 267 do CPC). Quando comenta o artigo 175 do CC, no concernente à perempção, Maria Helena Diniz afirma que “... se uma ação for julgada improcedente, não poderá ser ela renovada, e, se o for, o réu invocará a coisa julgada como preliminar de contestação (CPC art. 301, VI). Com isso ter-se-ia a inutilização da interrupção da prescrição, uma vez que esta não se iniciará”.332 Deve-se, porém, inolvidar que havendo perempção o advogado do réu deve argüir em preliminar de contestação, não a

330 Tanto que, comentando o artigo 18 da lei nº 9.099/95, Joel Dias Figueira Júnior escreve: “É assente que a

não localização do sujeito passivo da demanda por se encontrar em local incerto ou desconhecido frustra quase sempre o resultado prático de satisfatividade buscado pelo autor ou exeqüente através do processo judicial, valendo a citação apenas para interromper a prescrição, tornar prevento o juízo, induzir litispendência e fazer litigiosa a coisa”. Sem negrito no original. FIGUEIRA JÚNIOR,

Joel Dias e LOPES, Maurício Antônio Ribeiro, op. cit. p. 254.

331 Sem desconhecer que o TST considera que o arquivamento da demanda trabalhista não afeta a interrupção da prescrição, nos termos do enunciado nº 268: Prescrição. Interrupção. Demanda trabalhista

arquivada. A demanda trabalhista, ainda que arquivada, interrompe a prescrição, (Res. 1/1988 DJ

01-03-1988), nado obstante isto, outro é o entendimento do STJ em matéria processual civil. Quando o processo for extinto sem julgamento do mérito em razão de omissão processual da parte autora, especificamente nos casos de o feito ficar parado durante mais de um ano por negligência das partes, ou quando, por não promover os atos e diligências que lhe competir, o autor abandonar a causa por mais de trinta dias. Vejamos a teor da seguinte acórdão: “Recurso Especial. Previdenciário. Processo

civil. prescrição. Ação de revisão de benefício previdenciário. Art. 219 do CPC: ‘A citação válida interrompe a prescrição ainda que o processo seja extinto sem julgamento do mérito, salvo as hipóteses do art. 267, incisos II e III do CPC. Recurso conhecido, mas desprovido’. RESP

231314/RS, 1999/0084599-4. DJ: 16/12/2002. www.stj.gov.br. 332 DINIZ, Maria Helena, op. cit. p. 182.

coisa julgada, como dito acima, mas a própria perempção, como se depreende da leitura da norma dirigida ao advogado e insculpida no artigo 301 do CPC: “Compete-lhe (ao advogado), porém, antes de discutir o mérito, alegar: I- inexistência ou nulidade de citação; II- incompetência absoluta; III- inépcia da petição inicial; IV- perempção.”

Além disso, observe-se que, até ser declarada por sentença a perempção, a prescrição não fluirá. Estará “interrompida” pelo fato de ter havido o despacho positivo. Sobre outro aspecto, uma vez declarada por sentença a perempção, é evidente que os seus efeitos retroagirão à data da propositura da ação, devendo o prazo de prescrição ser considerado como se não interrompido fosse.

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