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Relação jurídica em sentido amplo, retroalimentação do sistema jurídico e a qualificação do sujeito de direito em face do problema da causa.

DIREITO E RELAÇÃO PROCESSUAL

04. Relação jurídica em sentido amplo, retroalimentação do sistema jurídico e a qualificação do sujeito de direito em face do problema da causa.

As relações ocorrentes no interior do subsistema do Direito, se consideradas em face do sistema social que envolve o jurídico, são denominadas de relações jurídicas, mas se consideradas apenas em face do subsistema do Direito são denominadas de relações, apenas. São “relações no interior do universo jurídico, mas relações jurídicas no sentido amplo”.251 Vê-se que o universo ou subsistema do Direito possui, ao menos, duas espécies de relações: em sentido amplo; e em sentido estrito. Assim, pode-se concluir que o termo relação jurídica designa um gênero ao qual pertencem, como espécies, a relação jurídica em sentido restrito e a relação jurídica em sentido amplo. São jurídicas apenas as relações que ocorrem no interior do universo do Direito, ou seja, no sentido técnico-dogmático nem todas as relações são jurídicas. Daí porque somente se pode falar de pretensão, direito subjetivo, direito de ação, de exceção, dentre outros institutos, no interior de um sistema de Direito Positivo, pois fora dele tais institutos inexistem, salvo quando o próprio sistema torna-se juridicamente entrópico. Neste caso defendemos a necessidade de uma abertura sistemática alopoiética a fim de juridicizar princípios e retroalimentar o próprio sistema. Essas relações, ocorridas no subsistema jurídico – retroalimentado ou não -, são economicamente irrelevantes, salvo se forem economicizadas, isto é, se irradiarem efeitos econômicos. Por questão de ordem metodológica não chegaremos a analisar as “relações” ocorridas nos demais subsistemas.252

Por vezes ocorrem “relações” no subsistema do Direito que apenas implicam em “qualificações” de determinados sujeitos, sem haver interação bipolar entre dois ou mais sujeitos-de-direito. Elas apenas transformam sujeitos em sujeitos-de-direito, como o “ser pessoa” que é regulado pelo código civil. São classificadas como relações jurídicas porque ocorrem no universo do Direito. São juridicamente relevantes, mas apenas em sentido amplo,

251 Ibidem.

252 Essa visão de uma abertura sistemática do sistema através de atividade extralegal não era admitida por Vilanova.

porque uma relação jurídica em sentido estrito exige a participação de mais de um sujeito-de- direito.253

Causa de uma relação jurídica, por seu turno, são os fatos físicos (naturais) ou sociais, os spceies facti ou fattispecie astratti. Uma vez ocorrida a hipótese fática ela funciona como “causa” de vários efeitos jurídicos de diversas classes. Tomando o exemplo do nascimento com vida para acarretar a personalidade e, também, o dos atos constitutivos das pessoas jurídicas, vê-se que não há relação jurídica em sentido estrito quando simplesmente a norma atribui subjetividade jurídica ao ser humano que nasce com vida ou quando a sociedade adquire personalidade jurídica com o registro de seus atos constitutivos no órgão competente. Isto apenas denota uma “qualificação” a possibilitar que tais entes sejam sujeitos-de-direito, ativos ou passivos, nas relações jurídicas. O simples fato de ser sujeito-de-direito não significa estar em relação jurídica, não em sentido estrito.254

Isto se verifica porque o que ocorre nesses casos é apenas uma qualificação e não relação entre sujeito-sujeito. Aliás, especificamente em relação ao nascituro não há que se cogitar de inversão dessa ordem de coisas, sobretudo levando-se em consideração a medida cautelar prevista no artigo 877 do código de processo civil.255 Este tipo de processo visa a

assegurar, antecipadamente, os direitos do ser biológico ainda não considerado pessoa.256

253 Ibidem.

254 Para Lourival Vilanova as relações jurídicas em sentido amplo ocorrem no âmbito do sistema social global quando a norma proíbe, obriga ou permite certas condutas aos sujeitos de direito. Com isso estabelece necessariamente relações normativas entre os “portadores da conduta” (sujeito de direito): “... toda

qualificação é em função dos sujeitos-de-direito: nada é móvel ou imóvel, negociável ou extracommercium, expropriável, sem estar no interior de relações jurídicas em sentido amplo”. Cf. op.

cit. p. 69.

255 Artigo 877: A mulher que, para garantia dos direitos do filho nascituro, quiser provar seu estado de

gravidez, requererá ao juiz que, ouvido o órgão do Ministério Público, mande examiná-la por um médico de sua nomeação.

256 Neste sentido Álvaro de Oliveira e Galeno Lacerda, citando Pontes de Miranda, ao se referirem ao problema do suporte fático deste artigo, reproduzem: “... não há inversão de elementos; a eficácia é

que se antecipa: antes do suporte fático da pessoa se completar, atribuem-se efeitos ao que é o suporte fático de agora, portanto, incompleto para a eficácia da personalização”. MIRANDA, Pontes, ap.

OLIVEIRA E LACERDA. Comentários ao código de processo civil. 2. ed. Vol. VIII, tomo II. Rio de Janeiro: Forense, 1991, p. 319-20.

05. Relação jurídica em sentido estrito.

As relações são estruturas e como estruturas lógicas elas são universais, isto é, são eficazes para todas as áreas do conhecimento. E suas regras são as mesmas tanto para a matemática e para a física quanto para o Direito. Situando o problema no âmbito do direito processual, Couture define relação como sendo o vínculo que aproxima uma coisa de outra preservando as suas respectivas individualidades. São vínculos processuais os que unem o autor ao réu, estes ao juiz, e todos eles (partes e juiz) aos atos processuais, bem como os atos entre si mesmos.257 Mas, a análise do fenômeno jurídico, através de proposições formalizáveis, extrapola o âmbito da teoria do Direito para adentrar nos albores da lógica jurídica.

É importante frisar que a relação jurídica em “sentido estrito” será sempre interpessoal, restando rejeitada a possibilidade de relação jurídica entre um sujeito e uma coisa. Ainda que se trate de uma relação de direito real a interpessoalidade não se altera, não deixa de existir. Para uma relação ser considerada jurídica, em sentido estrito, não se exige que os sujeitos-de-direito dela participantes sejam, ambos, ou todos, individualizados. Basta que, pelo menos, um dos sujeitos seja individualizado, mas não ambos ou todos.258 Ainda que se adote como exemplo a relação de promessa de recompensa constatar-se-á que o promitente é o sujeito passivo determinado e indeterminado é o sujeito ativo.259 Da mesma

257 COUTURE, J Eduardo. Fundamentos do direito processual civil. Tradução de Benedicto Giaccobini. Campinas: RED Livros, 1999, p. 101-102.

258 VILANOVA, Lourival. Causalidade e relação no direito, p. 74.

259 Mais adiante, na página 95 da mesma obra, quando trata do tema da “aparente unissubjetividade” nas relações, o professor Lourival magistra que “A promessa de recompensa, unilateral na sua formação, é

bilateral por sua destinação: dirige-se a um sujeito possível, beneficiário da promessa, caso satisfaça o conteúdo e as condições estipuladas pelo sujeito passivo”. Também em relação ao autocontrato não

existe unissubjetividade. Vilanova ressalta, todavia, que a confusão, quer nos direitos obrigacionais, quer nos reais, dissolve a bipolaridade da relação jurídica. Apesar disso, alerta com fulcro em Carvalho de Mendonça, que a confusão não extingue a dívida tão somente pelo fato de sua superveniência, exige-se que o devedor incorpore o crédito ao seu patrimônio não podendo exercê-lo contra si mesmo (vide p. 101 da mesma obra agora invocada). Adverte também que na compensação resta mantida a dualidade subjetiva da relação jurídica e que esta bipolaridade não é imposição da lógica, mas um dado estrutural do direito que apenas é suspensa, em caráter provisório, por conveniência da razão prática, ex: o herdeiro ausente (ibidem, p. 104). Na promessa de recompensa o sujeito passivo é sempre determinado porque é quem oferta compensar alguém em face de alguma contrapartida. Indeterminado, é o sujeito ativo, pois não se sabe quem auferirá a recompensa oferecida. Na página 74 da 2.ed. é

forma que no direito real de propriedade é indefinido o sujeito passivo. Mas, indeterminação não equivale à inexistência de sujeito e a relação imediata com a coisa não elimina a relação mediata com a universalidade de sujeitos.260

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