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A lógica e o logos Valoração do conhecimento e isolamento temático: os níveis abstracionais vilanovianos e os modais kantianos a priori e a posteriori.

LÓGICA, LINGUAGEM E PROCESSO.

2. A lógica e o logos Valoração do conhecimento e isolamento temático: os níveis abstracionais vilanovianos e os modais kantianos a priori e a posteriori.

É importante que se esclareça ainda no átrio deste capítulo que nossas injunções analíticas sobre a lógica não devem ser interpretadas como demonstração de adstrição de nossa forma de enxergar o direito ao universo estritamente abstrato-formalista. Tencionamos comprovar na terceira seção desta tese que o advento da informática outorgou uma nova realidade à lógica, transformando-a em algo concreto e palpável. Aliás, o próprio Vilanova não desprezava o conhecimento sociológico, ou psicológico, ou econômico acerca do Direito. A visão dogmática não exaure o universo jurídico, tanto que este autor, sabidamente positivista, apresentava-se contrário aos extremismos do dogmatismo, do sociologismo, do jusnaturalismo e do logicismo, também.15

Pois bem, esclarecido isso e consciente do risco intelectual que correm os que se enveredam pelos caminhos da lógica,16 é possível conceituá-la, recorrendo a Souto Maior Borges, como sendo a ciência que estuda as leis ideais do pensamento. Sua origem etimológica radica no grego: logike, episteme, significando a ciência do logos.17 No mesmo

15 Como observou Ataliba em prefácio de As estruturas lógicas e o sistema de direito positivo. São Paulo: Max Limonad, 1997, p. 23, comentando pensamento de Lourival Vilanova:“O reducionismo da norma

ao fato (sociologismo), da norma positiva à norma ideal (jusnaturalismo), dos valores e normas às estruturas lógicas (logicismo) é sempre um desconhecimento da experiência integral do Direito”.

9 Bem a propósito, quando da nossa dissertação de mestrado registramos a advertência de Mario Losano, no

sentido de que: “Enfrentar os problemas das relações entre lógica e Direito significa jogar-se num

vespeiro de tecnicismos do qual dificilmente o jurista conseguirá escapar ileso”. LOSANO. Informática Jurídica. São Paulo: Saraiva, 1976, p. 56. O receio do jurista italiano seria comprovado quando Miguel

Reale, ao prefaciar a obra citada, fez o seguinte comentário: “...Neste sentido muito oportunas me

parecem as considerações expendidas sobre o problema da Lógica Formal e da Lógica Dialética, em confronto com a Juscibernética. Estranho apenas que o ilustre autor ainda persevere a reduzir toda dialética à de tipo hegeliano-marxista, olvidando outras expressões não menos significativas do pensamento dialético em nossos dias”. REALE, apud LOSANO, ibidem., p. XIV.

17 SOUTO MAIOR BORGES, José. O contraditório no processo judicial (Uma visão dialética). São Paulo: Malheiros, 1996, p.18.

sentido Mario Losano atrela a expressão “lógica” a “logos”, realçando a parte da filosofia que estuda, ao mesmo tempo, discurso e pensamento. Denota-se de imediato a dificuldade existente em tentar definir o que seja a lógica, dada a ambivalência que a expressão derivativa (logos) possui. O primeiro passo dos cultores da lógica consistiu no enfrentamento do problema referente à linguagem comum para nela introduzir o rigorismo que lhe faltava. Para tanto, dois caminhos apresentavam-se como condutores ao mesmo destino: o primeiro, consistia em permanecer na seara da linguagem comum; o segundo, tentando sair dela.18 Hegel, por exemplo, denominou de Ciência da Lógica, o “sistema de leis ontológicas, um conjunto articulado de categorias que expressam os modos de ser da própria realidade”.19

Certo é que a lógica possibilita a valoração do conhecimento em níveis diferentes, como já demonstrou Castrucci.20 Aliás, já em Kant encontramos uma subdivisão do conhecimento derivada de suas duas principais fontes: a primeira consiste na receptividade das impressões; a segunda na capacidade decorrente da representação da receptividade das impressões e que permite-nos conhecer um dado objeto. Na primeira o objeto do conhecimento nos é oferecido e na segunda ele é pensado com base naquela representação, de modo que o conhecimento é constituído por intuições e conceitos.21 Neste sentido encontramos em Miguel Reale a admissão de que a valoração do conhecimento pode se dar em planos distintos: o transcendental e o empírico-positivo, embora ressalve que aquele condiciona este. As condições básicas do conhecimento são objeto da parte da teoria do conhecimento denominada ontognoseologia. Reale arrima-se na correlação indispensável que prioritariamente é posta: “em sua universalidade, entre o sujeito que conhece e o objeto do conhecimento em geral”.22 Para ele bem que seria possível denominar a teoria do conhecimento de lógica, no entanto, se assim o fizesse estaria empregando a expressão em sua acepção ampla, de maneira a abranger a lógica transcendental (gnoseologia) e a lógica positiva. A palavra lógica está vinculada a dois tipos de investigação científica: lógica formal ou analítica, com destinação às pesquisas

18 LOSANO, Mario, op. cit. p. 33.

19 HEGEL, apud LEFEBVRE, Henri. Lógica formal/lógica dialética. Tradução por Carlos Nelson Coutinho. 2. ed. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1979, p. 49.

20 CASTRUCCI, Benedito. Introdução à lógica matemática. São Paulo: Nobel, 1977, p. 10. 21 KANT, Immanuel. Crítica da razão pura. 4. ed. Lisboa: Caloustre Gulbenkian, 1997, p. 88. 22 REALE, Miguel. Filosofia do direito. 15. ed. São Paulo: Saraiva, 1993, p. 27.

pertinentes à validade formal das proposições; e lógica concreta ou metodologia, afeta às injunções estabelecidas entre o sujeito cognoscente e o objeto cognoscível, constituindo-se num processo explicativo dos variados setores do mundo real. Aquela se revela como atividade abstracionista, esta é empirista.23

Henri Lefebvre em sua “Lógica Formal/Lógica Dialética”, no capítulo “Teoria do Conhecimento”, considera-o como um fato, ainda que seja possível discutir as possibilidades de expandi-lo, aperfeiçoando-o, ou acelerar o seu progresso. Será sempre, ressalve-se, aceito como um “fato”. Como características, avultam-se: primeiramente a praticidade, isto é, antes de se elevar ao nível teórico deve-se começar pela experiência, pois apenas sua prática notabiliza-se como capaz de pôr-nos em contato com as exigências objetivas; devendo ainda ser social e histórico.24 A idéia de secionar o conhecimento em empírico e formal é encontrada em Kant, para quem todo o conhecimento tem como ponto de partida a experiência: “Assim, na ordem do tempo, nenhum conhecimento precede em nós a experiência e é com esta que todo o conhecimento tem o seu início”.25 Mas o fato de todo o conhecimento iniciar-se pela experiência, considerada esta enquanto fato concreto, não significa que dela sempre derive, como reconheceu o próprio Kant. É que o nosso próprio conhecimento pode ser considerado como ponto de partida dele mesmo, neste contexto é que se pode falar de conhecimento: 01- a priori, ou seja, independente da experiência e de todas as impressões dos sentidos, subdividindo-se em puros e não puros, quando, por exemplo, a proposição embutir um conceito que somente possa extrair-se da experiência, mesmo que afastado dela, e; 02- a posteriori, isto é, atrelado ao empirismo.26 Para nós a experiência a ser adiante considerada será o direito sob o aspecto processual, atrelado, portanto, a uma experiência pretérita a qual é representada pela lide, isto é, pelo conflito de interesses que motiva a propositura de uma demanda.

23 Ibidem. p. 27.

24 LEFEBVRE, op. cit. p. 49. 25 KANT, op. cit. p. 37.

26 Explicando o que se deve entender por conhecimento a priori, Kant escreve o seguinte: “...designaremos,

doravante, por juízos a priori, não aqueles que não dependem desta ou daquela experiência, mas aqueles em que se verifica absoluta independência de toda e qualquer experiência. Dos conhecimentos a priori, são puros aqueles em que nada de empírico se mistura. Assim, por exemplo, a proposição, segundo a qual toda a mudança tem uma causa, é uma proposição a priori, mas não é pura, porque a mudança é um conceito que só pode extrair-se da experiência”. KANT, op. cit. p. 37.

Aqui, consideremos a lógica como um ponto de vista sobre o “conhecimento” da realidade, não importando que seja ela interior ou exterior. Em Vilanova o conhecimento é considerado como um fato complexo que envolve cinco planos ou níveis: no primeiro, temos o sujeito cognoscente, que pensa, sente, quer; no segundo, o ato-de-conhecer, ou seja, a ocorrência psíquica ou subjetiva; no terceiro, encontramos o dado-de-fato, objeto do conhecimento; no quarto plano lidamos com a linguagem, que fixa e comunica o conhecimento, mas lógica e linguagem constituem sistemas distintos e autônomos; no quinto estaremos diante da proposição. Este último é o nível mais importante do conhecimento, que somente adquirirá sua plenitude no nível proposicional. Será por meio de uma proposição que se declarará que o conceito-predicado é válido para o conceito- sujeito.27 A investigação lógica, portanto, perfaz-se da seguinte maneira:

01 - sujeito cognoscente

Investigação planos 02 - ato-de-conhecer

Lógica do 03 - dado-de-fato

conhecimento 04 - linguagem

05 - proposição

Pois bem, como se vê existem cinco planos ou níveis no conhecimento e sua integralidade somente ocorrerá abrangendo-se a todos eles, porque o conhecimento é considerado um fato complexo e cada plano ou nível corresponde a um seu componente, a um seu aspecto, a uma abstração, apenas. Como estes componentes estão sempre intimamente relacionados só haverá conhecimento integral na medida em que o ato-de- conhecer abranger a todos os níveis.

Apesar de o conhecimento ser tido como um fato complexo - abrangendo a todos aqueles cinco níveis - nada impede que se isole um daqueles componentes e sobre ele incida a operação científica proposicional. Assim, é possível que o conhecimento fique restrito, seja “cortado”, isolado e volvido apenas para o sujeito cognoscente, ou para o dado-de-fato, exemplificativamente. A isto se denomina de isolamento temático. Logo, pode apenas o proposicional do conhecimento ser o tema do conhecimento em si.

27 VILANOVA, Lourival. Lógica jurídica. São Paulo: José Bushatsky, 1976, p. 15-7. No mesmo sentido vide

Prescindir-se-á de uma ou algumas partes do conhecimento e operar-se-á através de abstração, isto é, de uma separação de níveis, pois que o prefixo ab indica exatamente o ato de separar.

Mas a abstração lógica não se confunde com as demais espécies de abstrações. Pode ser que se resolva efetuar uma abstração que se quede ao nível físico, tomando-se o exemplo de Vilanova: pode-se tomar um livro, enquanto objeto físico, e, separadamente, considerar-se sua cor, sua textura, etc. Isto, apesar de constituir uma abstração, uma separação, todavia, não indica que se trate de uma forma lógica. É que a proposição lógica, as formas lógicas – e aí se restrinja a expressão lógica apenas ao sentido de lógica formal – não se confundem nem se localizam no mesmo universo ontológico da linguagem. Não há referência ao concreto e nem a um estado psíquico porque a proposição acerca de determinado objeto do mundo do ser nada tem de suas propriedades.28

A proposição lógico-formal encontra-se na seara do universo das formas lógicas. Nelas temos um sistema autônomo, onde existem partes e relações ditas invariáveis entre elas e onde os seus elementos são estruturalmente combinados.

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