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O poder vinculante reflexo ou indireto (provocado ou necessário) e a possibilidade jurimétrica de previsibilidade de decisões futuras no Brasil.

INFORMÁTICA, TELEMÁTICA E CIBERNÉTICA DIREITO: INFORMÁTICO, TELEMÁTICO E CIBERNÉTICO.

10. O poder vinculante reflexo ou indireto (provocado ou necessário) e a possibilidade jurimétrica de previsibilidade de decisões futuras no Brasil.

No ordenamento jurídico brasileiro o prejulgado tem o objetivo de permitir a uniformidade do direito objetivo, teve origem nas Ordenações Manuelinas, tendo sido admitido no Brasil pelo Decreto nº 16.273 de 20 de dezembro de 1923, que objetivou a reorganização da Justiça do Distrito Federal. É bastante assemelhado à coisa julgada, embora sua incidência somente se verifique sobre questões de direito. A função maior do prejulgado, consoante Antônio Tito Costa, é proclamar qual a interpretação que se há de dar à lei, considerando-se o que já fora decidido precedentemente.199 No Brasil, o problema da antevisão a respeito de como o Judiciário decidirá determinada matéria resume-se à primeira instância, pois nos órgãos judicantes colegiados isto é perfeitamente factível. Ressalte-se que o Código de Processo Civil brasileiro prescreve em seu artigo 476, que qualquer juiz de tribunal ao proferir o seu voto, independente de o julgamento ser de competência de turmas, câmaras ou grupo de câmaras, deve solicitar o pronunciamento prévio do tribunal acerca da interpretação do direito, quando verificar que a seu respeito existe divergência ou interpretação diversa da que lhe haja dado outro órgão colegiado do mesmo tribunal. Nosso código eleitoral, mais incisivamente, declara expressamente no artigo 263, que no julgamento de um mesmo pleito eleitoral, as decisões anteriores sobre questões de direito constituem prejulgados para os demais casos. Para que esta hipótese não incida, exige-se que dois terços dos membros do mesmo tribunal votem contra a tese já firmada. Devendo-se ressaltar que o código eleitoral de 1950, no artigo 161, também albergava o prejulgado em termos textuais idênticos aos da norma eleitoral vigente.

O professor José Pereira Lira prefaciando a obra “Direito Sumular” de autoria de Roberto Rosas, registrou que os enunciados das súmulas de jurisprudência do Supremo Tribunal Federal marcam uma nova fase de nossa história jurídica. Possuindo força de lei constituem-se numa espécie de para-legislação, aonde nosso tribunal maior é “um legislador, verdadeiro e real com a faculdade de condicionadamente, criar a norma, de

alterá-la, e, mesmo de revogá-la”.200 É verdade que isto, por si só, não obriga nem vincula os órgãos jurisdicionais de instâncias inferiores, no entanto, qualquer decisão que contrarie um enunciado sumulado, -- e isto é extensivo não apenas ao Supremo Tribunal Federal, mas a qualquer tribunal brasileiro -- chegando à corte “ad-quem” em grau de recurso vem sendo interativamente reformada. O que significa, sob outra óptica, que no Brasil os precedentes embora não gozem expressamente de poder vinculante nestas hipóteses serão sempre observados, o que, de uma forma ou de outra, permite-se prever como o poder judiciário decidirá determinado assunto.

Na prática forense brasileira as súmulas de jurisprudência gozam de uma indiscutível força vinculadora, a que se pode denominar de poder vinculante reflexo ou

indireto, o qual subdividimos em: poder vinculante reflexo provocado, quando a

imposição do preceito sumulado verificar-se em decorrência de provimento de recurso voluntário da parte sucumbente; e poder vinculante reflexo necessário, quando a injunção da hipótese sumulada ocorrer pelo provimento e reforma de uma decisão monocrática, submetida à apreciação da Corte “ad-quem” em razão de reexame necessário que a lei impõe em algumas situações (artigo 475 do CPC). Corroborando esta tese firma-se o parágrafo primeiro do artigo 30, do Regimento Interno do Tribunal Regional Federal da 5a Região, que determina que se negue seguimento a recursos que contrariem enunciados sumulados.201

Na hipótese supra a força da vinculação reflexa ou indireta dos precedentes pode ser observada sob dois prismas: no primeiro, se o juiz federal de 1a instância decide em conformidade com o teor do enunciado, o poder vinculante indireto das decisões sumuladas do TRF evidencia-se na denegação do seguimento do recurso que suplicava por um pronunciamento judicial contrário à decisão recorrida. Isto porque sua reforma

200 ROSAS, Roberto. Direito sumular, 4a ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, p. 07-09.

201 Vejamos uma recente decisão na qual o juiz Araken Mariz, integrante desta Corte, aplicou a referida norma regimental, “verbis”: “Vistos, etc. – Discute-se, nos autos, a auto-aplicabilidade dos parágrafos

5o e 6o do artigo 201, da Constituição Federal, referentes ao valor mínimo do benefício previdenciário

e da gratificação natalina. – Trata-se de matéria já apreciada por este egrégio Tribunal, que emitiu a súmula nº 08, cujo teor é o seguinte: ‘São auto-aplicáveis as regras dos parágrafos 5o e 6o do art. 201

da Constituição Federal ao estabelecerem o salário mínimo e a gratificação natalina para o benefício previdenciário. – O recurso ora em exame contraria a súmula supramencionada, motivo pelo qual lhe nego seguimento, nos termos do art. 30, parágrafo 1o, item II, do Regimento Interno deste Tribunal. –

implicaria na contrariedade do entendimento já firmado precedentemente pelo próprio órgão revisor; num outro enfoque, se o juiz monocrático federal decidisse contrariamente à súmula – o que lhe seria lícito, pois no Brasil as súmulas não obrigam os juízes a decidirem de acordo com seus enunciados -- a vinculação reflexa observar-se-ia, em havendo recurso, pelo seu conhecimento e provimento com conseqüente reforma da sentença, adequando-a aos precedentes.

Quanto à problemática que o sistema de controle concentrado de constitucionalidade das leis traria para a antevisão dos julgamentos, é preciso esclarecer que a tradição norte-americana gerou um sistema de controle constitucional difuso de natureza técnico-jurídica. Por este motivo, há quem afirme que tal sistema não se caracteriza verdadeiramente como uma espécie de jurisdição constitucional. Já o sistema europeu desenvolveu-se como resposta aos ataques de natureza ideológica e política sofridos pela Constituição. Os sistemas que daí surgiram não poderiam ter essência diferente: política e ideológica. O Brasil possui hoje um sistema que é considerado como misto, combinando o controle difuso (americano), por via de defesa, com o concentrado (europeu) através de procedimento direto de inconstitucionalidade por ação ou por omissão.202 Com Ivo Dantas verificamos que os efeitos provocados por uma declaração de inconstitucionalidade, cuja irradiação opera-se erga omnes, alcança a todos inclusive para as situações futuras, já que a lei declarada inconstitucional perde sua vigência. Extrapola, assim, o âmbito estrito da relação jurídica processual, típico do regime de exceção no qual a lei declarada inconstitucional, por esta via, pode ainda ser aplicada para outros casos idênticos, pois continua em vigor.203

Ora, se uma lei declarada inconstitucional é revogada, queda-se, pois, previsível a maneira pela qual as situações fáticas por ela reguladas serão a partir de então regidas. O entendimento do Pretório Excelso mesmo antes da vigência da lei nº 9.868/99, já era no sentido de que se restauram os efeitos da norma ou normas cuja lei ou ato normativo declarado inconstitucional porventura lhes tivessem retirado a vigência, inclusive em sede

202 SILVA, José Afonso da. Curso de direito constitucional positivo. 5. ed. São Paulo: Malheiros, p. 478-. Ressalve-se que a opinião deste autor, no entanto, é no sentido de que o sistema norte-americano se constitui numa forma de jurisdição constitucional, destinada a compor litígios constitucionais.

de liminar, onde esta situação evidentemente, seria provisória.204 Veja-se que esta posição do Supremo Tribunal Federal antes da mencionada lei representava não mais que uma mera liberalidade decisória, e mesmo assim o pretório excelso vinha uniformizando sua jurisprudência neste sentido, o que, agora, por força da lei, é obrigatório.

É possível com esses argumentos observar que as críticas à jurimetria quanto à previsibilidade do comportamento judicial em países que adotam o sistema romanista, em nosso entendimento, devem ser relativizadas - exceto quanto à primeira instância -, seja por

conta da existência de um poder vinculante reflexo dos precedentes sumulados, seja porque o raciocínio relativo ao controle de constitucionalidade concentrado é, por si só, insuficiente e frágil, para afastar este enfoque jurimétrico, pois a decretação de

204 Neste sentido, decidiu o Ministro Celso Mello, acompanhado à unanimidade pelos seus pares,

vejamos. Ementa: “Ação Direta de Inconstitucionalidade. - Controle normativo abstrato. - Natureza do ato inconstitucional. - Declaração de inconstitucionalidade. - Eficácia retroativa. - O

Supremo Tribunal Federal como "legislador negativo". - Revogação superveniente do ato normativo impugnado. - Prerrogativa institucional do poder público.- Ausência de efeitos residuais concretos.- Prejudicialidade. - O repúdio ao ato inconstitucional decorre, em essência,

do princípio que, fundado na necessidade de preservar a unidade da ordem jurídica nacional, consagra a supremacia da constituição. Esse postulado fundamental de nosso ordenamento normativo impõe que preceitos revestidos de "menor" grau de positividade jurídica guardem, "necessariamente", relação de conformidade vertical com as regras inscritas na carta política, sob

pena de ineficácia e de inaplicabilidade. Atos inconstitucionais são, por isso mesmo, nulos e destituídos, em conseqüência, de qualquer carga de eficácia jurídica. - A declaração de inconstitucionalidade de uma lei alcança, inclusive, os atos pretéritos com base nela praticados, eis

que o reconhecimento desse supremo vício jurídico, que inquina de total nulidade os atos emanados do poder público, desampara as situações constituídas sob sua égide e inibe. - Ante a sua inaptidão para produzir efeitos jurídicos válidos. - A possibilidade de invocação de qualquer

direito. - A declaração de inconstitucionalidade em tese encerra um juízo de exclusão, que, fundado numa competência de rejeição deferida ao supremo tribunal federal, consiste em remover do ordenamento positivo a manifestação estatal inválida e desconforme ao modelo

plasmado na carta política, com todas as conseqüências daí decorrentes, inclusive a plena restauração de eficácia das leis e das normas afetadas pelo ato declarado inconstitucional. Esse

poder excepcional, que extrai a sua autoridade da própria carta política, converte o Supremo Tribunal Federal em verdadeiro legislador negativo. - A mera instauração do processo de fiscalização normativa abstrata não impede o exercício, pelo órgão estatal competente, da prerrogativa de praticar os atos que se inserem na esfera de suas atribuições institucionais: o de criar leis e o de revoga-las. - O ajuizamento da ação direta de inconstitucionalidade não tem, pois,

o condão de suspender a tramitação de procedimentos legislativos ou de reforma constitucional que objetivem a revogação de leis ou atos normativos cuja validade jurídica esteja sob exame da corte, em sede de controle concentrado. - A suspensão cautelar da eficácia do ato normativo impugnado em ação direta, não obstante restaure, provisoriamente, a aplicabilidade da legislação

anterior por ele revogada, não inibe o poder público de editar novo ato estatal, observados os parâmetros instituídos pelo sistema de direito positivo. - A revogação superveniente do ato normativo impugnado, em sede de controle concentrado de constitucionalidade, impede, desde que inexistentes quaisquer efeitos residuais concretos, o prosseguimento da própria ação direta”.

inconstitucionalidade de uma lei não acarreta qualquer óbice quanto à regulamentação das matérias por ela tratadas, sendo perfeitamente previsível como se dará sua regulação. Glendoon A Schubert, estudioso do direito naquilo que se relaciona com a previsibilidade das decisões judiciais, acredita que um saber somente adquire status de ciência quando demonstrar sua capacidade em prever de forma exata o comportamento dos elementos que a compõem. A fixação da atenção no comportamento dos juízes permite que se preveja corretamente as decisões judiciais futuras.205

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