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CAPÍTULO II A NARRATIVA DOS CASOS SÉTIMO GARIBALDI VERSUS

2.2 O assassinato de Sétimo Garibaldi e a denúncia ao SIDH

2.2.2 A sentença da Corte Interamericana de Direitos Humanos, a reabertura do

A Comissão Interamericana de Direitos Humanos encaminhou demanda à Corte em dezembro de 2007, nove anos após o homicídio de Sétimo Garibaldi. Nesse período, a despeito da recomendação expressa ao Estado brasileiro para realizar investigações com o objetivo de estabelecer a responsabilidade sobre os fatos relacionados com o assassinato de Sétimo Garibaldi, punir os responsáveis e determinar os obstáculos que impediram a efetividade da investigação e do julgamento, o inquérito foi arquivado, com decisão mantida pelo Tribunal de Justiça do Paraná. Diante da inércia do Estado brasileiro, a CIDH solicitou à Corte IDH que estabelecesse a responsabilidade internacional do Estado, que não cumpriu suas obrigações internacionais ao incorrer na violação dos artigos 8 (garantias judiciais) e 25 (proteção judicial) da Convenção Americana sobre Direitos Humanos e descumprimento da obrigação geral de respeito e

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garantia dos Direitos Humanos, estabelecida no artigo 1.1, e do dever de adotar disposições de direito interno constante do artigo 2, bem como em consideração das diretivas decorrentes da cláusula federal constante do artigo 28 (CIDH, 2007).

A Comissão requereu expressamente que o Estado brasileiro fosse condenado a: i) realizar uma investigação com o objetivo de estabelecer a responsabilidade quanto aos fatos relacionados com o assassinato de Sétimo Garibaldi, punir os responsáveis e determinar os impedimentos que vedaram proceder tanto a uma investigação como a um julgamento efetivos; ii) adotar e implementar medidas necessárias para uma implementação efetiva da disposição constante do artigo 10 do Código de Processo Penal brasileiro, referente a toda investigação policial, bem como para o julgamento dos fatos puníveis que tenham ocorrido com relação a despejos forçados em assentamentos de trabalhadores sem terra, com consequências de morte, de maneira a ajustarem-se aos parâmetros impostos pelo Sistema Interamericano; iii) adotar e implementar as medidas necessárias para que sejam observados os Direitos Humanos nas políticas governamentais que tratam do assunto da ocupação de terras; iv) adotar e implementar medidas adequadas dirigidas aos funcionários da justiça e da polícia, a fim de evitar a proliferação de grupos armados que façam despejos arbitrários e violentos; v) reparar plenamente os familiares de Sétimo Garibaldi, incluindo tanto o aspecto moral como o material, pelas violações de direitos humanos determinadas no presente caso (CIDH, 2007).

As organizações peticionárias do caso, ao apresentarem suas solicitações, argumentos e provas à Corte IDH, requereram a condenação do Estado brasileiro quanto à violação aos artigos 4 (direito à vida), 5 (direito à integridade pessoal), 8 (direito ao justo processo legal) e artigo 25 (direito à proteção judicial), combinados com o disposto no artigo 1 (obrigação de respeitar e garantir os direitos estabelecidos na Convenção), 2 (dever de adotar disposições de direito interno) e 28 (cláusula federativa) da Convenção Americana sobre Direitos Humanos. Especificamente, solicitaram à Corte IDH que ordenasse o Estado brasileiro a investigar e punir criminalmente os responsáveis pelo assassinato de Sétimo Garibaldi, a pagar indenização aos familiares, a adotar medidas eficazes para garantir que despejos violentos não sejam conduzidos e medidas eficazes para proteger os direitos dos trabalhadores rurais, criando um órgão eficaz de mediação de conflitos agrários (JUSTIÇA GLOBAL, et al., 2007).

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O Brasil contestou a demanda e alegou exceções preliminares que impediriam a análise do mérito do caso pela Corte IDH: a falta de competência ratione temporis do tribunal, tendo em vista que o homicídio ocorreu anteriormente à aceitação da jurisdição da Corte IDH pelo Brasil, e o não esgotamento dos recursos internos pelos peticionários, tendo em vista que, de acordo com a legislação brasileira, o inquérito policial pode ser desarquivado a qualquer tempo, desde que haja novas provas. No mérito, alegou a inexistência de violação pelo Estado brasileiro dos artigos 4 e 5 da Convenção Americana — por não ser possível atribuir responsabilidade pelo homicídio de Sétimo Garibaldi a agentes do Estado —, a inexistência de violação do devido processo legal, com a defesa da atuação do Ministério Público e Poder Judiciário em relação ao inquérito policial e, por fim, a existência de políticas públicas de enfrentamento à violência no campo e promoção da reforma agrária (BRASIL, 2007).

Durante o trâmite do caso, o Ministério Público do Estado do Paraná requereu, em 20 de abril de 2009, o desarquivamento do inquérito policial, com base em novas provas produzidas pelos peticionários para a demanda junto ao SIDH: declarações juramentadas e prestadas por testemunhas indicadas pelas vítimas. Essas declarações foram encaminhadas ao Estado brasileiro pela Corte IDH e, posteriormente, enviadas ao Ministério Público, que, ao avaliar o conteúdo dos depoimentos, encontrou informações que constituíam provas novas a serem investigadas. O juiz da Vara de Loanda deferiu o pedido no mesmo dia (PARANÁ, 2009).

Em 23 de setembro de 2009, a Corte IDH proferiu sentença sobre o caso, declarando que o Estado brasileiro violou os direitos às garantias judiciais e à proteção judicial, reconhecidos nos artigos 8.1 e 25.1 da Convenção Americana, em prejuízo dos familiares de Sétimo Garibaldi, e determinou ao Estado: i) a publicação da sentença no Diário Oficial, em outro jornal de ampla circulação nacional e em um jornal de ampla circulação no Estado do Paraná e publicação na íntegra, por no mínimo um ano, em uma página web oficial da União e do Estado do Paraná; ii) a condução eficazmente e dentro de um prazo razoável do inquérito e qualquer processo que chegar a abrir, como consequência deste, para identificar, julgar e, eventualmente, sancionar os autores da morte do senhor Garibaldi; iii) a investigação e, se for o caso, a sanção das eventuais faltas funcionais nas quais poderiam ter incorrido os funcionários públicos a cargo do inquérito e iv) o pagamento aos familiares dos montantes fixados na sentença, a título de dano material e imaterial, dentro do prazo de um ano. A Corte acatou a exceção preliminar alegada pelo Estado sobre a incompetência do tribunal para analisar a

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violação ao direito à vida e integridade física de Sétimo Garibaldi, tendo em vista que o homicídio ocorreu antes do reconhecimento da jurisdição pelo Brasil (CORTE IDH, 2009).

Com a reabertura do inquérito policial, foram cumpridas diligências e ouvidas testemunhas, e o Ministério Público ofereceu denúncia, em 4 de julho de 2011, em relação a Morival Favoreto e Ailton Lobato pelo homicídio de Sétimo Garibaldi, recebida pela juíza da Vara de Loanda em 7 de julho do mesmo ano (PARANÁ, 2009). Em 6 de setembro de 2011, Morival Favoreto impetrou habeas corpus, com o objetivo de trancar o processo da ação penal. Em 16 de setembro de 2011, o juiz convocado da 1ª Câmara Criminal e relator, Naor R. de Macedo Neto, indeferiu o pedido liminar39. Entretanto, a 1ª Câmara Criminal, em 1º de dezembro de 2011, decidiu, em maioria, pelo trancamento da ação penal, sob o fundamento de que as provas indicadas pelo Ministério Público para a reabertura do inquérito não se configuravam como provas novas. O juízo relator, em voto divergente, manteve sua decisão liminar de negar o pedido de habeas corpus (PARANÁ, 2011).

Diante da decisão, a organização Terra de Direitos, em janeiro de 2012, requereu ao Ministério Público informações sobre as providências que o órgão adotaria ante ao trancamento da ação penal (TERRA DE DIREITOS, 2012). Em 18 de junho de 2012, o Ministério Público interpôs recurso especial ao Superior Tribunal de Justiça, alegando que a decisão da 1ª Câmara Criminal do Tribunal de Justiça do Estado do Paraná contrariou o artigo 68, combinado com o artigo 28 da Convenção Americana sobre Direitos Humanos, bem como o teor dos artigos 18, 647 e 648, I, do Código de Processo Penal brasileiro (BRASIL, 2016).

O julgamento do recurso foi iniciado pela 6ª Turma do STJ em 13 de outubro de 2015, retomado em 23 de fevereiro de 2016 e em 15 de março de 2016 e finalizado em 17 de março de 2016. A turma, por maioria, não conheceu do recurso especial, com um voto divergente de conhecimento parcial do recurso, mas com negativa de provimento e

39 A decisão que indeferiu a liminar apresentou o seguinte dispositivo: “Diante, portanto, da complexidade do caso, seja em razão das circunstâncias que nortearam a prática delituosa; do tempo decorrido; do número de pessoas envolvidas (vários invasores encapuzados) ou da repercussão que gerou no cenário internacional; não parece ilegal a decisão atacada, que — mediante fundamentação suficiente e idônea — apenas observou a legislação pertinente (art. 18, CPP), dando curso à persecução penal, tudo em prol da própria sociedade, que merece atuação estatal efetiva na apuração, prevenção e repressão de crimes, o que não se confunde com arbítrio. Na espécie, ademais, não se verifica, de imediato, a alegada violação às garantias asseguradas ao paciente; a Autoridade apontada coatora, ao revés, parece observar o devido processo legal, tudo a inviabilizar a entrega da tutela de emergência postulada, que reclama prova inequívoca da coação ilegal. Indefiro, pois, a liminar pleiteada” (PARANÁ, 2011).

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um voto de provimento total do recurso. O Ministério Público opôs embargos de declaração, em 2 de maio de 2016, que foram rejeitados pela turma em julgamento de 16 de junho de 2016. Não tendo o Ministério Público interposto outro recurso, a decisão transitou em julgado no dia 15 de agosto de 2016 (BRASIL, 2016).

Paralelamente ao julgamento do habeas corpus e do recurso especial, a Corte IDH emitiu, em 22 de fevereiro de 2011, o documento de supervisão de cumprimento de sentença relativa ao caso Sétimo Garibaldi, a partir de informações prestadas pela CIDH, por peticionários e pelo Estado, observando que, após mais de um ano de condenação, o Estado brasileiro ainda não havia dado cumprimento à obrigação de investigar as circunstâncias do assassinato e responsabilizar os autores (CORTE IDH, 2011). Em 2 de fevereiro de 2012, a Corte IDH emitiu novo documento de supervisão de cumprimento de sentença, a partir de informações recebidas pelas partes, e manteve observação sobre a falta de cumprimento da obrigação de investigar e sancionar os eventuais responsáveis pelo homicídio (CORTE IDH, 2012).

O quadro 10 demonstra as principais ocorrências do caso, a partir da apresentação da demanda pela CIDH à Corte IDH até as supervisões de cumprimento de sentença por este tribunal:

Quadro 10: Principais ocorrências sobre o caso Sétimo Garibaldi na Corte IDH e na ação penal.

DATA PRINCIPAIS OCORRÊNCIAS

21 de dezembro de 2007 Apresentação do caso à Corte IDH pela CIDH

11 de abril de 2008 Apresentação do documento de solicitações, argumentos e provas pelos peticionários

11 de julho de 2008 Apresentação da contestação pelo Estado brasileiro

29 e 30 de abril de 2009 Realização de audiência na Corte IDH 20 de abril de 2009 Pedido de desarquivamento do inquérito

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20 de abril de 2009 Decisão de reabertura de inquérito tomada pelo juízo da Vara de Loanda

4 de julho de 2009 Apresentação da denúncia pelo MP/PR contra Morival Favoreto e Ailton Lobato 7 de julho de 2009 Recebimento da denúncia pelo juízo da

Vara de Loanda

23 de setembro de 2009 Publicação da sentença da Corte IDH 22 de fevereiro de 2011 Supervisão de cumprimento de sentença

pela Corte IDH

6 de setembro de 2011 Impetração de habeas corpus por Morival Favoreto

1º de dezembro de 2011 Concessão de habeas corpus para trancamento da ação penal feita pelo TJ/PR

Janeiro de 2012 Peticionamento do assistente de acusação ao MP/PR sobre o trancamento da ação penal

2 de fevereiro de 2012 Supervisão de cumprimento de sentença realizada pela Corte IDH

18 de junho de 2012 Interposição de recurso especial ao STJ feito pelo MP/PR

13 de outubro de 2015

Julgamento do recurso especial realizado pelo STJ

23 de fevereiro de 2016 15 de março de 2016 17 de março de 2016

15 de agosto de 2016 Trânsito em julgado da decisão que manteve o trancamento da ação penal

Fonte: Elaborado pela autora.