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O inquérito policial nº 179/98 e a denúncia à Comissão Interamericana de

CAPÍTULO II A NARRATIVA DOS CASOS SÉTIMO GARIBALDI VERSUS

2.2 O assassinato de Sétimo Garibaldi e a denúncia ao SIDH

2.2.1 O inquérito policial nº 179/98 e a denúncia à Comissão Interamericana de

O inquérito policial nº 179/98 foi instaurado para apurar a autoria do homicídio de Sétimo Garibaldi e os crimes de posse ilegal de armas e formação de quadrilha ou bando. Entre a instauração do procedimento até o seu arquivamento, transcorreram-se aproximadamente seis anos. Nesse período, houve pedido de prisão temporária de Morival Favoreto feito pelo Ministério Público e negado pela juíza titular da Vara de Loanda; seis pedidos de prorrogação do prazo para a finalização do inquérito feito pelo delegado responsável, por impossibilidade de cumprimento de diligências; nomeação de novo delegado titular do inquérito no curso das investigações e o desaparecimento da arma encontrada no local do crime, que inicialmente estava sob a guarda da Vara de Loanda, sem manifestação da juíza responsável ou do Ministério Público sobre o fato (CORTE IDH, 2009).

Ao final de seis anos, em 12 de maio de 2004, o promotor de justiça Edmárcio Real solicitou o arquivamento do inquérito, sob o fundamento de que: i) quatro testemunhas disseram que Morival Favoreto e Ailton Lobato integravam o grupo armado, mas os demais integrantes do MST não mencionaram ter visto referidas pessoas; ii) Morival Favoreto negou sua participação no crime e afirmou que se

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encontrava em São Bernardo do Campo, acompanhando Darci Favoreto em seu tratamento médico — o médico Flair Carrilho confirmou a presença de Darci Favoreto em seu consultório no dia dos fatos; iii) Ailton Lobato negou haver participado dos fatos e exerceu seu direito de permanecer em silêncio; iv) havia divergências nas declarações dos integrantes do MST; v) não se pôde identificar o autor do disparo e não se apresentaram mais dados para identificar outros participantes na operação; vi) o atirador não teve a intenção de matar o senhor Garibaldi, pois efetuou um disparo contra sua perna; vii) não havia ficado amplamente demonstrado que os veículos utilizados durante os fatos pertenciam a Morival Favoreto naquele momento; viii) haviam transcorrido quatro anos desde os fatos, sem que houvesse uma possibilidade clara de determinar a autoria do delito; ix) não procedia uma acusação por formação de quadrilha, porque não havia nenhuma evidência de que os integrantes do grupo se houvessem unido para cometer crimes; e x) em particular, relativamente a Ailton Lobato, o crime de posse ilegal de arma estava prescrito. A juíza titular da Vara de Loanda, em 18 de maio de 2004, acolheu o pedido do Ministério Público e arquivou o inquérito policial (CORTE IDH, 2009).

Anteriormente ao arquivamento, em maio de 2003, as organizações não governamentais Justiça Global e Terra de Direitos, a Rede Nacional de Advogados Populares, a Comissão Pastoral da Terra e o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra apresentaram, enquanto peticionários, denúncia à Comissão Interamericana de Direitos Humanos sobre as violações à Convenção Americana de Direitos Humanos cometidas pelo Estado brasileiro em relação ao homicídio de Sétimo Garibaldi. A petição foi recebida pela CIDH e, posteriormente, transformada no caso nº 12.478.

A CIDH comunicou ao Estado brasileiro a denúncia em 5 de fevereiro de 2004, concedendo-lhe prazo de dois meses para manifestação. Os peticionários apresentaram observações complementares sobre o caso em 12 de outubro de 2004 e 6 de junho de 2005. Até então, o Estado ainda não havia se manifestado sobre a denúncia. Em 5 de agosto de 2005, a CIDH concedeu novo prazo, de dois meses, ao Estado, para que este apresentasse sua manifestação ainda não enviada. O Brasil, entretanto, só veio a cumprir o requerimento da Comissão em 6 de junho de 2006, apresentando sua manifestação sobre a denúncia formulada. Em 11 de julho de 2006, os peticionários enviaram suas observações à resposta do Estado, que apresentou a tréplica em 17 de outubro de 2006 (BRASIL, 2006; CIDH, 2007).

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No marco de seu 127° Período Ordinário de Sessões, em 27 de março de 2007, a Comissão aprovou o Relatório de Admissibilidade e Mérito 13/07 e concluiu que houve uma violação dos direitos à vida, às garantias judiciais e à proteção judicial, previstos, respectivamente, nos artigos 4, 8.1 e 25 da Convenção Americana, e efetuou as seguintes recomendações ao Estado brasileiro: i) realizar uma investigação completa, imparcial e eficaz da situação, com o objetivo de estabelecer a responsabilidade a respeito dos fatos relacionados com o assassinato de Sétimo Garibaldi, punir os responsáveis e determinar os obstáculos que impediram que fossem realizados tanto uma investigação como um julgamento efetivos; ii) reparar plenamente os familiares de Sétimo Garibaldi, incluindo os aspectos tanto moral como material, pelas violações de Direitos Humanos determinadas no relatório; iii) adotar e implementar as medidas necessárias para uma eficaz implementação da disposição constante do artigo 10 do Código de Processo Penal brasileiro, no que diz respeito a toda investigação policial, bem como para o julgamento dos fatos puníveis ocorridos em relação a despejos forçados em assentamentos de trabalhadores sem terra, com consequências de morte, de maneira a ajustar-se aos parâmetros impostos pelo Sistema Interamericano; iv) adotar e implementar as medidas necessárias para que sejam observados os Direitos Humanos nas políticas governamentais que tratam da ocupação de terras, levando em consideração a obrigação imposta pelo artigo 28, em relação com o artigo 1.1 da Convenção Americana, segundo determina a cláusula federal; v) adotar e implementar medidas adequadas dirigidas aos funcionários de justiça e da polícia, a fim de evitar a proliferação de grupos armados que façam despejos arbitrários e violentos (CIDH, 2007).

O relatório foi notificado ao Estado brasileiro em 24 de maio de 2007, concedendo-lhe a CIDH o prazo de dois meses para informar sobre as ações empreendidas para implementar as recomendações. Em 15 de agosto de 2007, o Estado solicitou uma prorrogação do prazo para cumprir as recomendações, que foi deferida pela Comissão pelo período de três meses. Em 4 de setembro de 2007, os peticionários enviaram à Comissão sua posição sobre a eventual interposição do caso ante a Corte e manifestaram seu interesse para que o caso fosse encaminhado ao tribunal. Nessa ocasião, os representantes também ofereceram informação adicional à CIDH.

A Comissão convidou as partes para uma reunião de trabalho sobre a implementação das recomendações, que ocorreu em 11 de outubro de 2007. Nessa reunião, ambas as partes apresentaram informações, e a CIDH enfatizou a importância

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do cumprimento das recomendações formuladas no relatório de mérito. No entanto, os prazos para que o Estado apresentasse informações sobre o cumprimento das recomendações transcorreram sem que a Comissão recebesse manifestações do Brasil. Ante a falta de implementação satisfatória das recomendações constantes do relatório 13/07, a Comissão Interamericana decidiu submeter o presente caso à jurisdição da Corte Interamericana, em 21 de dezembro de 2007 (CIDH, 2007).

Em 16 de setembro de 2004, no decorrer do trâmite do caso, Iracema Garibaldi impetrou mandado de segurança contra a decisão da juíza titular da Vara de Loanda, que arquivou o inquérito policial, mencionando, inclusive, a denúncia formulada à Comissão Interamericana de Direitos Humanos. O juiz convocado da Primeira Câmara Criminal do Tribunal de Justiça do Estado do Paraná, Miguel Kfouri Neto, em 17 de setembro de 2004, monocraticamente, indeferiu a inicial do mandado de segurança, argumentando que o comunicado do fato a organismos internacionais não repercutiria no âmbito do recurso.

O quadro 9 demonstra as principais ocorrências do inquérito policial e do trâmite do caso junto à CIDH até a apresentação à Corte Interamericana de Direitos Humanos: Quadro 9: Principais ocorrências do inquérito policial e do caso Sétimo Garibaldi na CIDH.

DATA PRINCIPAIS OCORRÊNCIAS

27 de novembro de 1998 Instauração do inquérito policial nº 179/98

9 de dezembro de 1998 Pedido de prisão temporária de Morival Favoretto pelo Ministério Público

14 de dezembro de 1998 Decisão da juíza da Vara de Loanda indeferindo pedido de prisão provisória 6 de maio de 2003 Denúncia recebida pela CIDH

12 de maio de 2004 Pedido de arquivamento do inquérito policial pelo Ministério Público

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arquivamento do inquérito policial

16 de setembro de 2004 Impetração de mandado de segurança por Iracema Garibaldi contra decisão de arquivamento do inquérito policial

17 de setembro de 2004 Decisão do Tribunal de Justiça do Paraná indeferindo a inicial do mandado de segurança

20 de dezembro de 2004 Comunicado da CIDH ao Estado brasileiro sobre abertura do caso nº 12.478 6 de junho de 2006 Manifestação do Estado brasileiro sobre o

caso

27 de março de 2007 Apresentação de relatório de mérito pela CIDH, com recomendações ao Estado brasileiro

21 de dezembro de 2007 Apresentação do caso à Corte IDH pela CIDH

2.2.2 A sentença da Corte Interamericana de Direitos Humanos, a reabertura do