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CAPÍTULO III ANALISANDO OS DADOS

3.3 Em busca de respostas: retomando as entrevistas e analisando documentos

3.3.1 Formulação de ações e políticas públicas de Direitos Humanos

A formulação de ações e políticas públicas de Direitos Humanos é marcada por uma alta propensão participativa, desde a promulgação da Constituição Federal de 198844. De 1996 a 2016, foram realizadas doze conferências nacionais de Direitos Humanos e editados três Programas Nacionais de Direitos Humanos. Proponho-me, nessa seção, a analisar, mediante a aplicação das unidades de análise previamente definidas, as resoluções das conferências e as prescrições dos programas de Direitos Humanos para verificar se e como tratam de ações do Poder Executivo sobre violações de Direitos Humanos, se e como preveem espaços de relação entre o Poder Executivo e o Sistema de Justiça para resolução de violações de Direitos Humanos e se prescrevem reformas no Sistema de Justiça sob uma perspectiva dos Direitos Humanos.45

Para tanto, enumerei cada uma das resoluções das conferências e previsões dos programas de Direitos Humanos que tratassem de violações de Direitos Humanos, criação de espaços e mecanismos que possibilitassem a relação entre diversos órgãos e de reformas do Sistema de Justiça. Esse levantamento não ficou adstrito aos temas relacionados à proteção de defensores de Direitos Humanos ou ao Sistema Interamericano de Direitos Humanos. Optei por aplicar as unidades de análise a todas as temáticas das conferências e dos programas (criança e adolescente, pessoa com deficiência, população idosa, população LGBT, etc.) para verificar a repetição de propostas ou ainda o aparecimento de propostas específicas em determinado campo.

Quanto à existência de ações do Poder Executivo sobre violações de Direitos Humanos, localizei 14 recomendações elaboradas em conferências e 41 recomendações nos programas de Direitos Humanos. Sobre mecanismos e instrumentos que estabeleçam uma relação entre o Poder Executivo e o Sistema de Justiça a partir de

44 Uma análise sobre as experiências de participação social na formulação de políticas e ações de Direitos Humanos será apresentada no capítulo IV.

45 Na análise, não incluí as recomendações resultantes da 9ª Conferência de Direitos Humanos porque seu relatório final não está disponível. Em consulta à Câmara dos Deputados (protocolo de atendimento nº F8DD103612062), fui informada que somente estão disponíveis os áudios da conferência, acessíveis na

página eletrônica:

http://imagem.camara.gov.br/internet/audio/lista.asp?ACAO=&txtDt1=29/06/2004&txtDt2=02/07/2004& pesqcompleta=1&submit=Pesquisar. Acesso em: 16 ago. 2016.

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violações de Direitos Humanos, localizei 21 previsões nos programas e 26 resultados das conferências. E, quanto às previsões sobre reformas do Sistema de Justiça sob a perspectiva dos Direitos Humanos, verifiquei constarem 119 propostas resultantes das conferências e 96 previsões nos programas nacionais.

Em termos gerais, as propostas relacionadas às ações do Poder Executivo sobre violações de Direitos Humanos referem-se à ratificação de tratados de Direitos Humanos, ao cumprimento das decisões do Sistema Interamericano de Direitos Humanos e à elaboração de relatórios para as instâncias do sistema global de Direitos Humanos, ao desenvolvimento de ações para a proteção a defensores de Direitos Humanos e testemunhas ameaçadas, à resolução de conflitos por terra e território, com demarcação de terras indígenas e titulação de territórios quilombolas, à proteção dos direitos de crianças e adolescentes, em especial aqueles em conflito com a lei, e ao desenvolvimento de ações para melhoria do sistema prisional.

Quanto à relação entre o Poder Executivo e o Sistema de Justiça, as recomendações tratam basicamente de criação de mecanismos de interlocução sobre garantia do Estatuto da Criança e do Adolescente, em especial para proteção de crianças e adolescentes que sofrem violência sexual e que tenham cometido ato infracional; reforma do sistema judicial e de segurança pública; capacitação de integrantes do Sistema de Justiça, fornecida pelo Poder Executivo, sobre ações voltadas à erradicação do sub-registro civil de nascimento e mediação de conflitos no campo. Há uma proposta de criação de um observatório do Poder Judiciário com participação da sociedade civil.

E, sobre a reforma do Sistema de Justiça, as recomendações e propostas estão nos seguintes campos, em síntese: ampliação do acesso à justiça com a criação de estruturas do Poder Judiciário, do Ministério Público e da Defensoria Pública voltadas a determinados públicos (juizados especiais cíveis e criminais, varas e promotorias da infância e adolescência, do direito do idoso, direito LGBT, dentre outros); fortalecimento da capacidade investigatória do Ministério Público em relação a violações de Direitos Humanos com revigoramento de sua autonomia; federalização dos crimes de Direitos Humanos; capacitação de integrantes do Sistema de Justiça em temas relativos a Direitos Humanos e reforma do Sistema de Justiça, com sua democratização, em especial criação ou fortalecimento de mecanismos de controle externo do Sistema de Justiça (Conselho Nacional de Justiça e corregedorias).

Com a aplicação das três unidades de análise conjuntamente, localizei dez propostas resultantes das conferências de Direitos Humanos e treze resoluções dos

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programas nacionais, elencadas no quadro 22, anexo. Essas propostas e recomendações tratam basicamente da criação de mecanismos de integração entre os poderes (em especial o Poder Executivo e o Sistema de Justiça) para realização de ações no campo da segurança pública, quanto aos direitos de crianças e adolescentes (para efetiva execução do Estatuto da Criança e do Adolescente), no campo do sistema prisional e do sistema socioeducativo, nos conflitos por terra e território (especificamente indígenas e quilombolas). Quanto à proteção de defensores de Direitos Humanos, aparece uma proposta de integração com a Defensoria Pública da União e medidas amplas de não- criminalização dos movimentos sociais. Não há recomendações sobre o cumprimento das decisões do Sistema Interamericano.

Com a análise das recomendações resultantes das conferências e previstas nos programas de Direitos Humanos, verifiquei que há uma definição relativamente clara do papel do Poder Executivo na execução de ações e programas de enfrentamento a violações de Direitos Humanos. Alguns temas surgem mais recorrentemente, como a proteção à criança e ao adolescente, violência, segurança pública e sua correlação com Direitos Humanos. Sobre a relação entre Poder Executivo e Sistema de Justiça, também a proteção à criança e adolescente é o tema mais recorrente: as propostas têm como ponto central a criação de estruturas que permitam a execução conjunta de ações pelo Poder Executivo, Judiciário, Ministério Público e pelas Defensorias para fortalecimento do sistema de garantia de direitos. Na mesma linha, a criação de grupos de mediação de conflitos no campo, com a participação dos governos federal e estaduais, além do Ministério Público e do Poder Judiciário, é proposta que aparece reiteradamente.

O tema da reforma do Sistema de Justiça foi abordado especificamente na segunda, quarta, sétima, décima primeira e décima segunda conferências. Propostas relacionadas à democratização do Sistema de Justiça aparecem na terceira, sétima, décima primeira e décima segunda. No PNDH-1, as seguintes recomendações foram feitas:

Apoiar, no contexto de reforma do Estado, coordenada pelo Ministério da Administração e Reforma do Estado, propostas para modernizar o Judiciário e para fortalecer o sistema de proteção e promoção dos DH, de forma a agilizar os processos, simplificar as regras e procedimentos e aumentar as garantias do tratamento igualitário de todos perante a lei. (BRASIL, 1996, p. 13)

Criar e fortalecer programas internacionais de apoio a projetos nacionais que visem à proteção e promoção dos direitos humanos, em

111 particular da reforma e melhoria dos sistemas judiciários e policiais. (BRASIL, 1995, p. 39)

Já no PNDH-2, são as seguintes propostas:

41. Apoiar a Proposta de Emenda à Constituição nº 29/2000, sobre a reforma do Poder Judiciário, com vistas a: a) assegurar a todos, no âmbito judicial e administrativo, a razoável duração dos processos e os meios que garantam a celeridade de sua tramitação; b) conferir o status de emenda constitucional aos tratados e convenções internacionais sobre Direitos Humanos aprovados pelo Congresso Nacional; c) garantir o incidente de deslocamento, da Justiça Estadual para a Justiça Federal, da competência processual nas hipóteses de graves crimes contra os Direitos Humanos, suscitadas pelo Procurador Geral da República perante o Superior Tribunal de Justiça; d) adotar a súmula vinculante, dispondo sobre a validade, a interpretação e a eficácia das normas legais e seu efeito vinculante em relação aos demais órgãos do Poder Judiciário; e) estabelecer o controle externo do Poder Judiciário, com a criação do Conselho Nacional de Justiça, encarregado do controle da atuação administrativa e financeira do Poder Judiciário e do cumprimento dos deveres funcionais dos juízes; f) criar o Conselho Nacional do Ministério Público e do Conselho Superior da Justiça do Trabalho. (BRASIL, 2002, p. 8)

Não há propostas de reforma do Sistema de Justiça no PNDH-3. Recomendações expressas sobre a democratização do Sistema de Justiça não constam em nenhum dos três programas.

Sobre defensores de Direitos Humanos, recomendações são formuladas pela primeira vez na conferência realizada em 1999, para que o Estado brasileiro apoiasse o projeto de resolução na Assembleia Geral das Nações Unidas sobre o tema. Na sétima conferência, há uma proposta de aprovação de projeto de lei para que defensores tenham liberdade de acesso a estabelecimentos prisionais e delegacias para apuração de denúncias. O tema volta ao debate somente na décima conferência, com a proposta de organização de um plano nacional de proteção aos defensores, orçamento voltado a ações de proteção, apoio da Polícia Federal e capacitação de policiais para proteção a defensores. Na décima primeira e décima segunda conferências, as propostas tratam da implantação e do fortalecimento do PPDDH. Já nos programas nacionais, o tema é abordado somente no PNDH-3, que tem um objetivo estratégico específico, o objetivo estratégico IV da diretriz 15 (garantia de proteção dos defensores de Direitos Humanos e de suas atividades).

Sobre o cumprimento de recomendações do SIDH, o tema foi alvo de recomendações somente na quinta, décima e décima segunda conferências de Direitos Humanos. O PNDH-3 foi o único programa que tratou do assunto no objetivo

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estratégico III (monitoramento dos compromissos internacionais assumidos pelo Estado brasileiro em matéria de Direitos Humanos) da diretriz 3 (integração e ampliação dos sistemas de informação em Direitos Humanos e construção de mecanismos de avaliação e monitoramento de sua efetivação) ao propor a definição e institucionalização do fluxo de informações, com responsáveis em cada órgão do Governo Federal referentes aos relatórios da Comissão Interamericana de Direitos Humanos e às decisões da Corte Interamericana de Direitos Humanos.

3.3.2 Atuação do Estado brasileiro na execução do Programa de Proteção a