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A teoria sócio-histórica: breves reflexões terminológicas e conceituais.

3.3 Como a criança pensa e aprende (línguas): um diálogo entre a Lingüística Aplicada e ciências de contato

3.3.2 A teoria sócio-histórica: breves reflexões terminológicas e conceituais.

Uma vez explanado o contexto em que se encontra inserida a corrente sócio- interacionista, passamos, então, a descrever, de maneira sucinta, os princípios que a constituem, abordando, primeiramente, a questão dos diferentes nomes que lhe são atribuídos.

De acordo com Rego (2004), a teoria histórico-cultural elaborada por Vygotsky, é também conhecida como sócio-histórica ou como abordagem sócio-interacionista. A referida autora (Rego, 2004: 38) prossegue descrevendo que o objetivo central do pensamento vygotskiano é:

“...caracterizar os aspectos tipicamente humanos do comportamento e elaborar hipóteses de como essas características se formaram ao longo da história humana e de como se desenvolvem durante a vida de um indivíduo”

Freitas (2002: 87) assevera que Vygotsky busca superar os reducionismos impostos à Psicologia pelas visões subjetivista e objetivista, através do “pensamento dialético”. Nesse sentido, podemos fazer uma relação entre princípios vygotskianos e postulados freirianos. De acordo com Gadotti (2005: 12), duas foram “as fontes mais importantes” do pensamento de Freire: “o humanismo e o marxismo”, ou seja, “humanismo e dialética”. O referido autor prossegue enfatizando que Freire “foi um dos últimos humanistas”, podendo também ser considerado um dialético, na medida em que para ele, “a educação é uma prática antropológica por natureza, portanto, ético-política” (Gadotti, 2005: 12-13).

Ao pensar o sujeito como indivíduo que se constitui na relação social, Vygotsky (1998, 2001) afirma que os processos mentais superiores17 têm sua origem nos processos sociais e considera que os mesmos podem somente ser compreendidos através da mediação de instrumentos e signos. Dentro desta perspectiva, a consciência define-se como sendo tanto a fonte dos signos, como também seu resultado. Nas palavras de Freitas (2002: 89):

17

Segundo Vygotsky (1998, 2001) os Processos ou Funções Mentais Superiores, também chamados Processos Psicológicos Superiores, são aqueles que envolvem desenvolvimento cognitivo, tais como, memorizar, planejar, inferir, entre outros. Por sua vez, as Funções Mentais Inferiores, ou Processos Psicológicos Elementares, são representados pelo comportamento prático (dos seres-humanos ou dos animais). Assim sendo, tais processos são dependentes do contexto social imediato, não se apresentando, portanto, associados à regulação voluntária ou consciente.

“Resultam dessas teses os fundamentos do sócio-

interacionismo de Vygotsky, pelos quais os signos são os meios de contato com o mundo exterior e também consigo mesmo e com a própria consciência”.

A mencionada autora enfatiza que a concepção instrumental de Vygotsky, a qual vê os signos como a única maneira apropriada de se estudar a consciência humana, está indissoluvelmente ligada à idéia da gênese histórico-cultural das funções superiores, ou, em outras palavras, da gênese social do indivíduo. Segundo o pensamento vygotskiano, a consciência e as funções mentais superiores têm primeiramente sua origem no espaço exterior, através de sua relação com os objetos e com as pessoas (nível interpsicológico), em um contexto sócio-histórico e cultural específico. Posteriormente, o desenvolvimento ocorre no interior do indivíduo (nível intrapsicológico). É interessante ressaltarmos que Vygotsky (1998) chama de internalização, a reconstrução interna, mediada pela linguagem, da realidade ou atividade exterior.

Brumfit (1995) resume os referenciais propostos por Vygotsky, asseverando que os processos mentais superiores são culturalmente formados através da interação social. Wood (1998: 11) afirma que o embasamento do autor na Biologia e nas Ciências Naturais, permitiu que o mesmo, ao formular sua teoria, tivesse como foco primário a “compreensão da natureza, da evolução e da transmissão da cultura humana”. De acordo com Lantolf (2001), o conceito mais importante para a teoria sócio-histórica (a qual o autor denomina teoria sócio-cultural ao relacioná-la ao ensino-aprendizagem de L2/LE) é o de que a mente humana é mediada. Conforme explicita Lantolf (2001), para Vygotsky (1998, 2001), o indivíduo não age diretamente sobre o mundo físico, fazendo- se valer de instrumentos ou da atividade para transformá-lo.

Segundo a teoria sócio-cultural, ao buscarmos regular e alterar a natureza da relação que temos com os outros, como também com o nosso próprio eu, lançamos mão de ferramentas simbólicas e de signos. É importante colocar, que tanto as ferramentas simbólicas (psicológicas), quanto as físicas, são artefatos criados pela(s) cultura(s) humana(s), que está/estão em constante transformação. Uma vez que tais artefatos são herdados historicamente, Lantolf (2001) pontua que, dentro da concepção vygotskiana, a única abordagem possível, em relação às funções mentais superiores, é aquela que se embasa na história e na cultura do indivíduo.

Segundo Vygotsky (1998, 2001), o desenvolvimento cultural da criança transcorre sob condições de mudanças dinâmicas no organismo, sobrepondo-se aos processos de crescimento, maturação e desenvolvimento orgânico da mesma, os quais são definidos pelo autor, como desenvolvimento natural. Isto significa que no domínio ontogenético18, a linha cultural relaciona-se com os processos de apropriação e instrumentos que a cultura do indivíduo dispõe, conforme salienta Baquero (1998). Dentro da teoria proposta por Vygotsky, o crescimento da criança implica, portanto, uma fusão de dois planos de desenvolvimento, o cultural e o natural, sendo que as duas linhas penetram uma na outra, originando um único plano de formação sócio-biológica da personalidade da criança.

É mediante a importância central da cultura no desenvolvimento do indivíduo, que “essa abordagem cultural, integrativa, social, semiótica e psicológica”, pode também ser denominada “teoria sócio-histórico-cultural” (Freitas, 2002: 91). Nesse sentido, ressaltamos que os princípios vygotskianos alinham-se à ênfase atribuída à interculturalidade no ensino de LEC.

Tendo abordado a questão das diferentes nomenclaturas atribuídas às acepções de Vygotsky, explicitamos que, neste estudo, ao nos referirmos à teoria proposta pelo autor, utilizamos os termos sócio-interacionismo/sociointeracionismo, teoria sócio-histórica e teoria sócio-cultural/sociocultural, indistintamente. Passamos, a seguir, à apresentação dos fundamentos vygotskianos relacionados à linguagem, especificamente.

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