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3.3 Como a criança pensa e aprende (línguas): um diálogo entre a Lingüística Aplicada e ciências de contato

3.3.4 Desenvolvimento e aprendizagem (de línguas) nas vozes da Psicologia e da Lingüística Aplicada

3.3.4.3 As contribuições de Bruner: aprender-a-aprender

De acordo com Brumfit (1995), tanto Vygotsky quanto Bruner colocam uma ênfase especial no papel da linguagem, da comunicação e da instrução, no desenvolvimento do conhecimento e da aprendizagem. O autor reforça, ainda, que Bruner é um dos maiores expoentes contemporâneos que advogam ser o desenvolvimento da linguagem e da aprendizagem constituídos através de processos de interação social. Williams & Burden (1997) caminham na mesma direção ao salientar que Bruner atribui grande importância à interação do aprendiz com materiais, com o professor e também com pares significativos ou pares mais capazes.

Conforme explicita Wertsch (1985), Vygotsky tende a enfatizar a linha cultural em detrimento da linha natural (biológica), em razão da importância que o mesmo atribui às influências sociais, históricas e culturais para o desenvolvimento humano. Bruner, por outro lado, segundo pontua Wood (1998), estabelece mais claramente uma interface entre aspectos biológicos e a experiência social.

De acordo com Cameron (2001: 8), “para Bruner, a linguagem é a ferramenta mais importante para o crescimento cognitivo”. Assim sendo, o foco do referido autor é o uso da linguagem por adultos, como um meio de mediação do mundo para a criança e como um modo de ajudá-la a resolver problemas. Wood, Bruner & Ross (1976) utilizam o conceito de “scaffolding”, o qual traduzimos como “suporte”, para fazerem menção a este auxílio.

Cameron (2001), apoiando-se nas concepções de Wood (1998), enfatiza que o “bom suporte” dentro do processo de ensino-aprendizagem de LE, é aquele que se ajusta às necessidades da criança, permitindo que a mesma torne-se mais competente. Wood (1998) ressalta que o adulto pode oferecer suporte à aprendizagem da criança de várias maneiras; dentre elas, chamando a atenção para o que é mais relevante dentro do contexto em foco, adotando estratégias apropriadas, tais como oferecer explicações claras e encorajar a prática, como também procurando relembrar a criança a respeito das tarefas a serem desenvolvidas e de seus objetivos.

Outra implicação das idéias de Bruner para o ensino de LEC, ressaltada por Cameron (2001: 9), é a noção desenvolvida pelo autor a respeito da importância das “rotinas” para a criança. A autora exemplifica a questão, através do ato de contar histórias, atividade esta que ocorre, geralmente, seguindo um determinado ritual criado entre a criança e o adulto (escolher um livro, sentar no colo, virar a página juntos, etc). Segundo a citada autora, o conceito da rotina, quando transposto à aula de LE, pode criar um elo de equilíbrio entre a segurança do hábito e a excitação proveniente do novo, sendo este ambiente, propício para o crescimento e, assim, facilmente relacionado à ZDP.

Orientando-nos pelo pensamento de Cameron (2001), ressaltamos, ainda, que as rotinas favorecem para que repetições significativas ocorram, fator este considerado apropriado para o desenvolvimento da aprendizagem da criança. A citada autora (Cameron, 2001: 11-16) pontua, também, que a importância das rotinas e sua relação com a criação do suporte (scaffolding), trazem para o ensino de LE na infância, a relevância de se modelar (modelling) o uso da

linguagem trabalhada no processo, centrando-nos na construção de sentidos e, assim, criando “oportunidades para o desenvolvimento significativo da linguagem”.

Williams & Burden (1997: 24) asseveram que, sob a influência de Piaget, Bruner concebe o desenvolvimento da compreensão conceptual, como também das estratégias e das habilidades cognitivas, aspectos estes de importância para a o processo educacional. Os autores salientam que “através de Bruner, esta visão veio a representar a abordagem cognitiva frente à Educação”. Entretanto, segundo os mesmos autores (Williams & Burden, 1997: 27), Bruner “não pode ser considerado um psicólogo puramente cognitivista”, principalmente pelo fato de o autor não relacionar o desenvolvimento da criança a fases pré-estabelecidas sequencialmente, e, também, devido à sua preocupação com a educação global do indivíduo.

Discorrendo sobre a pedagogia moderna, Bruner (2001: 68) afirma que, a cada dia, torna-se mais forte a visão de que a criança deve estar ciente de seus próprios processos de pensamento, sendo, portanto, considerado essencial, tanto pelos teóricos, quanto por professores, que a criança se torne mais metacognitiva. De um modo geral, a metacognição tem seu foco nos processos de aprendizagem e na maneira “como” o aluno aprende, além “do que” o mesmo aprende. Dentro desta perspectiva, Bruner (1960) destaca o “aprender-a- aprender” como um dos pontos centrais de sua abordagem a respeito da aprendizagem.

Concordamos com Brewster, Ellis & Girard (2002: 53), quando os autores definem a idéia de aprender-a-aprender dentro do ensino de LEC como “um termo que abrange uma ampla variedade de atividades destinadas a desenvolver a consciência metacognitiva e as estratégias de aprendizagem”. Dentro destas premissas, o aprender-a-aprender envolve o conhecimento e a consciência que o aprendiz possui (a qual deve estar em constante processo de desenvolvimento) em relação a seu próprio processo de aprendizagem. Convergindo com o pensamento de Bruner, os referidos autores consideram que essa conscientização pode ser o elemento mais importante para uma aprendizagem efetiva e autônoma.

É interessante ressaltar que convergimos com o pensamento de Wood (1998), no que se refere à metacognição no ensino-aprendizagem de LEC. A este respeito pontuamos que a criança, conforme destaca o mencionado autor (Wood, 1998: 16), “não pode ser ensinada a aprender e a pensar de forma direta”. Seguindo premissas sociointeracionistas, de acordo com o referido teórico (Wood, 1998: 16) “o desenvolvimento de certas maneiras

de raciocinar e aprender é o resultado direto de interações espontâneas e socialmente direcionadas entre a criança e membros mais maduros de sua comunidade”.

Desta forma, também a aprendizagem consciente e a criticidade da criança resultam de interações produzidas na ZDP. Tais interações, segundo Wood (1998: 17), devem ser calcadas na “exposição do aprendiz a outros pontos de vista”, bem como a “opiniões conflitantes”, o que pode “encorajá-lo a repensar suas idéias”, propiciando o desenvolvimento da consciência sobre sua aprendizagem e seu pensamento.

Embora Vygotsky não tenha abordado explicitamente o conceito de metacognição, é interessante salientar que o mesmo, em nossa acepção, não entra em conflito com premissas sócio-culturais. A este respeito, asseveramos que o referido termo alinha-se ao pensamento vygotskiano, uma vez que o autor entende que as interações entre pares mais capazes na ZDP “desenvolvem a fala interior e o pensamento reflexivo”, como também, “propiciam o desenvolvimento do comportamento voluntário (e, portanto, consciente) da criança” (Vygotsky, 1998: 117).

Embasados em Brewster, Ellis e Girard (2002), podemos considerar que a metacognição abrange diferentes tipos de consciência, a saber, a consciência lingüística, a cognitiva, a social e a cultural. Em nossa acepção, este é um fator central no ensino- aprendizagem de LEC, pois possibilita que o aluno venha a tornar-se mais consciente a respeito das diferenças, no que diz respeito à LM e à LE, bem como no que concerne à maneira como aprende línguas. Desta forma, o aprendiz pode vir a tornar-se, também, mais sensível às diversidades sócio-culturais.

Brewster, Ellis & Girard (2002:54) pontuam que a consciência lingüística tem como objetivo estimular o interesse da criança sobre a língua, a fim de que a mesma desenvolva o conhecimento “da” e “sobre” a língua-alvo. Dentro deste contexto, segundo os citados autores, podemos igualmente asseverar que o principal objetivo do desenvolvimento da consciência cognitiva é auxiliar a criança a compreender o porquê e o modo como ela aprende uma nova língua.

O desenvolvimento das consciências social e cultural, por sua vez, está relacionado à teoria de Vygotsky (1998, 2001) e implica o envolvimento das crianças em atividades colaborativas, as quais contribuem para o desenvolvimento de um sentimento de tolerância e respeito em relação ao outro. Na medida em que envolve a

formação de atitudes e valores em relação ao outro, promover a conscientização social e cultural do aluno representa um momento propício para a construção do pensamento crítico da criança frente às diversidades, permitindo que o processo educativo assuma seu papel formador e libertador (Freire, 1988, 1996, 2004). Brewster, Ellis & Girard (2002) concluem que o desenvolvimento desses diferentes níveis de consciência metacognitiva é essencial para a formação global da criança, para o seu entendimento de como sua aprendizagem acontece e para a conscientização da mesma sobre a importância de sua participação ativa na construção efetiva de seu conhecimento.

O conceito de metacognição mostra-se importante para o ensino de LEC, pois envolve o ensino e o uso (consciente) pelo aluno de estratégias que fazem com que a sua aprendizagem ocorra de maneira mais efetiva. Dentro dos dois grandes grupos de estratégias de aprendizagem, um composto por estratégias cognitivas e o outro por metacognitivas, Brewster, Elis & Girard (2002) apontam para o fato de ser o primeiro mais voltado a tarefas específicas, envolvendo o fazer coisas com a linguagem. O segundo, por outro lado, encontra-se mais atrelado à regulação da aprendizagem. Citando O’Malley et al. (1985:24), Brewster, Ellis & Girard (2002:55) ressaltam que, “sem a abordagem metacognitiva, os aprendizes ficam destituídos de sua habilidade de discernir acerca de seu progresso, conquistas e direcionamento de sua aprendizagem”.

Nosso pensamento converge com o de Brewster, Ellis & Girard (2002), na medida em que esses autores salientam, também, a importância de que haja a combinação dos grupos de estratégias cognitivas e metacognitivas, para que o processo de ensino- aprendizagem de LEC seja efetivo. Enquanto as estratégias cognitivas envolvem a memorização, a classificação, a predição, entre outros, dentre as estratégias metacognitivas, podemos citar o planejamento da aprendizagem, o ato de fazer hipóteses, de comparar, de se auto-questionar, avaliar e corrigir, de revisar e de selecionar atividades.

Dentro de uma abordagem sociointeracional, de acordo com os autores acima citados, torna-se também relevante a utilização de estratégias socioafetivas (O’Malley et al, 1985), as quais são utilizadas pelos aprendizes para se engajarem em atividades em pares ou grupos. Esse princípio encontra-se alinhado ao papel central da afetividade (Moon, 2000; Escada, 2002; Figueira, 2002, entre outros), ao buscarmos desenvolver a criança intelectual, social e culturalmente, através do ensino de línguas. É de igual teor

de importância, o uso de estratégias comunicacionais, que ajudam o aluno a manter a comunicação na língua-alvo, negociando o sentido de maneira efetiva.

Mostrando-se convergentes com a premissa de que a metacognição é um potente instrumento para a aprendizagem efetiva e autônoma da LE pela criança, Ellis & Sinclair (1989:29), citados por Brewster, Ellis & Girard (2002: 59), avaliam positivamente os efeitos do aprender-a-aprender no processo. Os autores concluem que “quanto mais informadas e conscientes as crianças estiverem sobre a linguagem e sobre a aprendizagem de línguas, mais efetivamente elas terão condições de lidar com o próprio aprendizado”.

Podemos citar, ainda, mais aspectos que reforçam a relevância da metacognição para o ensino-aprendizagem de LE. Neste sentido, Williams & Burden (1997) destacam a importância atribuída por Bruner (1960) de encorajar o aprendiz a fazer adivinhações sobre o funcionamento da língua-alvo e a desenvolver, assim, seu pensamento intuitivo. Para o autor isto faz crescer no aluno a curiosidade, bem como sua autoconfiança, na medida em que o encoraja a correr riscos e a aprender também através de seus erros, fatores estes essenciais, também, para que resultados positivos no ensino-aprendizagem de línguas na infância.

Julgamos pertinente ressaltar, neste momento, que validar as idéias de Bruner (1960, 1966, 1986, 2001) no processo de ensino-aprendizagem de LEC significa, entre outras coisas, considerar que o ensino bem sucedido depende do equilíbrio entre ensinar os aspectos considerados relevantes em relação à língua-alvo e o incentivo, no que diz respeito a uma participação ativa e mais autônoma do aprendiz.

É pertinente salientar, também, a forma como Bruner (1960) concebe a maneira de a criança desenvolver sua aprendizagem. Destacando Bruner como um pensador nato, Williams e Burden (1997: 27) pontuam que o referido autor “estendeu aspectos da teoria piagetiana”, ao sugerir três modos distintos de pensamento que descrevem como as crianças atribuem sentido às suas experiências: o enativo, o icônico e o simbólico.

O primeiro nível envolve as ações e, portanto, pressupõe que a aprendizagem ocorra através da manipulação de objetos concretos. No segundo nível, isso acontece por meio do reconhecimento de imagens visuais distanciadas do objeto real, as quais são reconhecidas pelo que representam do objeto ou, às vezes, criadas

independentemente. No terceiro nível, por sua vez, símbolos são manipulados em lugar de objetos ou imagens mentais. Contrapondo-se à idéia de estágios cognitivos no processo de aprendizagem, Bruner (1960) assevera que tais níveis não se desenvolvem em seqüência linear, mas que geralmente encontram-se sobrepostos, entrelaçados.

Consideramos este um conceito importante para nosso estudo, pois os diferentes modos de aprendizagem da criança mostrados por Bruner ilustram, de maneira sucinta, todos os aspectos que devemos abordar ao buscar maneiras efetivas de ensinar LEC. Encontra-se inserida na visão explicitada, a idéia de um sujeito ativo, que constrói significativamente sua aprendizagem através da ação em interações significativas, as quais envolvem a mediação da linguagem e a importância do movimento físico e dos cinco sentidos para a construção do conhecimento.

Nesta parte do estudo, discutimos, brevemente, como a criança pensa e aprende (línguas), destacando os princípios da teoria sócio-histórica para embasar o desenvolvimento da linguagem e da aprendizagem. Assim sendo, passamos, a seguir, a abordar o ensino de LEC, relacionando-o a perspectivas práticas, orientadas por vertentes comunicacionais e socioculturais.

3.4 Como ensinar LE para crianças: relacionando princípios e

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