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Abordagem: a importância da visão de linguagem/língua estrangeira e de aprendizagem para a força que orienta a ação de

3.4 Como ensinar LE para crianças: relacionando princípios e prática

3.4.1 Abordagem: a importância da visão de linguagem/língua estrangeira e de aprendizagem para a força que orienta a ação de

ensinar línguas para crianças

De acordo com Brewster, Ellis & Girard (2002: 19-20), os aprendizes de L1, L2 e LE são “diferentes em termos do que os mesmos trazem para o processo de ensino- aprendizagem, porém similares no que concerne à sua habilidade de adquirir língua”. “Para simplificar”, prosseguem os autores, “podemos dizer que os processos são muito semelhantes, embora muitas das condições de aprendizagem sejam bem diferentes”. Apresentando uma visão convergente com o pensamento explicitado, autores como Moon (2000) e Cameron (2001) asseveram que o que caracteriza o processo de aprendizagem de uma LE em oposição ao aprendizado de L1 ou de L2 é a quantidade e o tipo de exposição a essa língua, o que nos remete ao conceito de aquisição em oposição ao de aprendizagem (Krashen, 1982).

Para Vygotsky (2001: 265) “a criança aprende na escola uma língua estrangeira de modo inteiramente diferente de como aprende a língua natal”, sendo essa diferença marcada pela existência “de uma relativa maturidade da língua materna” e também pelo próprio fato de ser a língua estrangeira “assimilada por um sistema de condições internas e externas, inteiramente diverso da aquisição de L1”. O autor acentua que “o desenvolvimento de uma LE é um processo original, porque emprega todo o aspecto semântico da língua materna, surgido no curso de uma longa evolução” (Vygotsky, 2001: 266).

Dentro de concepções vygotskianas, a LM assume um importante papel mediador na aprendizagem de LE, uma vez que “um aluno escolar se funda no conhecimento da língua materna como sua própria base”, ao construir se conhecimento na nova língua (Vygotsky, 2001: 267). O oposto é considerado um processo “menos evidente”, uma vez que “é menos conhecida a dependência inversa entre ambos os processos” (Vygotsky, 2001: 267). Conforme assevera o autor:

“...a língua estrangeira pode basear-se em seu

desenvolvimento na língua materna da criança e, na medida em que se desenvolve, exercer influência inversa sobre ela por não repetir em seu desenvolvimento o caminho do desenvolvimento da língua materna e serem diferentes a força e a fraqueza das línguas materna e estrangeira” (Vygotsky,

Entretanto, a importância da aprendizagem de uma nova língua para o desenvolvimento da língua materna evidencia-se na teoria sócio-cultural, na medida em que Vygotsky (2001: 267) prossegue pontuando que “o domínio de uma língua estrangeira eleva... a língua materna da criança a um nível superior”, como também “liberta o pensamento lingüístico” dessa criança “do cativeiro das formas lingüísticas e dos fenômenos concretos”. Ecoando princípios vygotskianos, Cameron (2001: 13) nos chama a atenção para o fato de que os aprendizes iniciam a aprendizagem de uma nova língua trazendo com eles “estratégias e habilidades de aprendizagem em sua L1, que se encontram em diferentes níveis de desenvolvimento”. Lightbown & Spada (1999), por sua vez, ressaltam que devemos considerar, ainda, que o grau de variação desses níveis é também influenciado pela visão de aprendizagem adotada pelo professor, bem como pelo contexto de aprendizagem, pela motivação do aluno, por suas características pessoais, dentre outros fatores.

É clara, portanto, a relevância de uma visão de linguagem e de aprendizagem condizentes com a natureza da criança como aprendiz (de línguas) para que nossa ação dentro do processo de ensino seja mais iluminada e efetiva, propiciando que o mesmo seja bem sucedido. Neste sentido, encontramos apoio em Cameron (2001: 1), quando a autora, assim como Brewster, Ellis & Girard (2002), dentre outros, defende que o ensino-aprendizagem de LEC tenha como norte uma abordagem centrada no processo (“learning-centred approach”), e não em pólos distintos, ou seja, focada no professor ou no aluno, isoladamente.

No que se refere ao ensino de línguas sob um escopo mundial, podemos dizer que o mesmo tem recebido diversos tratamentos ao longo da história, sendo esses embasados e motivados por uma síntese de diferentes visões de linguagem e aprendizagem, já brevemente explicitadas neste trabalho, bem como dos variados conceitos relacionados ao referido tema. As décadas de 60 e 70 foram marcadas por intensos questionamentos e buscas em relação ao processo questão, tendo a década de 80 testemunhado mudanças significativas quanto a concepções e fundamentações relacionadas ao mesmo.

Refutou-se, conforme assevera Prabhu (1990), a centralidade do “método” enquanto conjunto unificado de respostas a como se deve ensinar, em favor do conceito de Abordagem como ponto central do processo de ensino-aprendizagem de uma nova

língua. O referido termo é entendido, neste estudo, conforme a acepção de Almeida Filho (2005:78), que define Abordagem como:

“um conjunto nem sempre harmônico de pressupostos teóricos, de princípios e até de crenças, ainda que só implícitas, sobre o que é uma língua natural, o que é aprender e o que é ensinar outras línguas”.

A Abordagem, portanto, pode ser conceituada como a força que orienta e caracteriza todo o processo de ensino de línguas (Almeida Filho, 1993, 1997), uma vez que “toda a operação de ensino de uma língua-alvo fica sob sua influência” (Almeida Filho, 2005: 78).

Paralelamente a toda essa reformulação e renovação de idéias, concepções e princípios acerca do ensino-aprendizagem de LE, começam a emergir críticas e descontentamentos quanto ao uso dos métodos estruturalistas, os quais focam a forma e desvinculam a linguagem de seu uso na prática social. Dentre tais métodos, podemos citar o audiolingualismo, que se embasa em uma visão de linguagem como estrutura e em uma concepção de aprendizagem como formação de hábito.

Desta forma, abriu-se espaço à introdução de pressupostos relacionados ao que se denominou “Abordagem Comunicativa” (Wilkins, 1976), aqui chamada de AC. O início do Comunicativismo foi, consequentemente, marcado por significativas mudanças quanto às concepções de linguagem, assim como no que diz respeito à noção do que é ensinar e aprender uma língua estrangeira. Contrariando a visão Estruturalista, a linguagem passa a ser vista como um instrumento para a comunicação, sendo, assim, definida como um veículo usado para a expressão de sentido e para a realização das relações interpessoais.

Enquanto a abordagem formalista fundamenta-se na concepção da linguagem como um sistema estático, sincrônico e dissociado do contexto social, objetivando a internalização de formas da língua, a AC, por outro lado, apóia-se em visões de linguagem que associam a língua ao contexto social, focalizando o sentido e a interação propositada entre sujeitos (Cardoso, 2003). A relevância dessa abordagem para o ensino- aprendizagem de LEC, recai na importância de o ensino orientar-se por uma visão de linguagem em uso, a qual, por sua vez, mostra-se mais condizente com a natureza da aprendizagem da criança, centrada no “aqui-agora”.

Encontramos apoio em Brewster, Ellis & Girard (2002) acerca dos referenciais teóricos relacionados ao comunicativismo, privilegiados neste estudo, na medida em que os citados autores consideram os princípios norteadores da AC convergentes com os pressupostos constitutivos da teoria sócio-cultural. Os mencionados autores (Brewster, Ellis & Girard, 2002: 44) destacam que a abordagem comunicativa e a sociointeracionista partilham das mesmas concepções, as quais “enfatizam a natureza social da aprendizagem de línguas e a interação”. Nessa perspectiva, torna-se relevante pontuar que entendemos, nesta pesquisa, serem o sociointeracionismo e o comunicativismo, duas variantes muito próximas, que se originam de uma Abordagem (Almeida Filho, 1993, 2005) de língua/linguagem como comunicação e, portanto, como prática sócio-culturalmente organizada.

É pertinente salientar que Brewster, Elis & Girard (2002) chamam nossa atenção para o fato de que a AC recebe críticas por privilegiar o ensino de funções comunicativas em detrimento da cultura. Da mesma forma, diversos teóricos criticam essa abordagem, por entenderem que a mesma aproxima seu foco do aprendiz adulto ao privilegiar a seqüência de interações “apresentação-prática-consolidação”, a qual se apresenta distante da necessidade do aprendiz criança de (co)construir seu conhecimento, estando constantemente engajado na ação, focando a realidade imediata. A AC é também alvo de apreciações desfavoráveis, pelo seu aparente distanciamento de uma abordagem crítica frente ao processo educativo (Pennycook, 1990) e, portanto, de uma visão ideológica da linguagem (Cox e Assis-Peterson, 2001).

A esse respeito, contra-argumentamos que os princípios da AC, (re)vistos sob uma perspectiva atual (Oliveira Santos, 2004; Almeida Filho, 2005; dentre outros), não mantêm uma relação dicotômica com teorias cuja concepção de linguagem é a de prática social, em que o indivíduo é visto como um ser social e político (Vygotsky, 1998; Bakhtin, 2004; Freire, 1988, 1996, 2004). Caminhando nesta direção, Almeida Filho (2005: 81) afirma que, dentro de premissas comunicativas,

“Aprender uma língua não é mais somente aprender outro sistema, nem só passar informações a um interlocutor, mas sim construir no discurso... ações sociais (e culturais) apropriadas”.

O mencionado autor (Almeida Filho, 2005: 81) prossegue enfatizando que o discurso deve ser concebido como uma linguagem “com fins específicos”, sendo o mesmo:

“...marcado por diferenças individuais em situações sócio- culturais reais, nas quais o (inter)locutor se depara com a manutenção das relações sociais, conflitos, necessidades de informações e negociações, sempre sob o prisma de atitudes, motivações pessoais ou coletivo-culturais.”

Deste modo, na medida em que vincula o Comunicativismo ao uso da língua dentro de instituições e grupos sociais, sócio-culturalmente marcados, podemos asseverar que o referido autor alinha seu pensamento às premissas vygotskianas, não tornando conflitante um diálogo entre a AC e uma visão crítica da linguagem e do ensino-aprendizagem de línguas. É importante salientar que, compartilhando destes pressupostos, alguns autores, dentre eles Meneghini (2004) e Oliveira Santos (2004), unem premissas comunicacionais a idéias sociointeracionistas no ensino de LE.

Devido à importante contribuição que a AC prestou ao ensino de línguas, ao refutar a primazia da forma em detrimento do sentido, optamos por defender, neste estudo, uma visão renovada da mesma, já abordada por autores como Thompson (1996), Prabhu (2003), Almeida Filho (2005), somente para citar alguns. Isto nos permite “revisitar” seus princípios, como o fez Ur (1995), entre outros, possibilitando que dimensões críticas e pragmáticas sejam acopladas ao ensino comunicativo, sem descaracterizá-lo. Nesse sentido, enfatizamos que teorias e abordagens, assim como a sociedade e o indivíduo, estão em constante transformação, podendo, deste modo, ser continuamente (re)construídas a partir de seu cerne.

Dentro desta perspectiva, convergimos com a vertente proposta por Meneghini (2004: 156) em relação à AC na atualidade, a qual, sendo orientada por uma linha “reflexivo-crítica-temática”, dialoga com a Abordagem Comunicativa Intercultural (Oliveira Santos, 2004), como também com princípios da pedagogia crítica proposta por Freire (2004). Desta forma, mantemos nossa posição, segundo a qual a AC, centrada na dimensão cultural e política do processo educativo, serve, juntamente com os princípios vygotskianos e bakhtinianos, como embasamento para o ensino-aprendizagem de LEC.

Após termos definido as diretrizes teóricas básicas que norteiam nosso estudo, faz-se necessário abordarmos, ainda, a relação entre a abordagem, ou seja, entre o nível de maior

abstração no ensino-aprendizagem de línguas, e o nível de maior solidez, representado pelas materialidades do processo. Para tanto, tomamos como anteparo a Operação Global de Ensino proposta por Almeida Filho (1993).

Seguindo essas premissas, concebemos o planejamento como a primeira força operante dentro do processo, e, portanto, como ponto de partida para a ação pedagógica. Vale aqui ressaltar que os conceitos de planejamento e currículo têm sido geralmente usados indiscriminadamente (Roselli, 2003), talvez pela semelhança de seus significados, talvez pela multiplicidade de usos dos mesmos, escapando ao foco deste trabalho aprofundar-se nesta questão.

Neste estudo o planejamento é concebido como uma seqüência dos estudos, com o intuito de refinamento do conteúdo e dos métodos/procedimentos, sendo, assim, entendido como um instrumento norteador do processo de ensino-aprendizagem e como um processo reflexivo sobre e para a dinâmica desse processo (Almeida Filho, 1993, 2005). Desta forma, nossa visão é também convergente com a abordagem de currículo de Connelly & Clandinin (1988: 6-7), que o concebem como “experiência” que engloba todas as forças operantes em uma situação de ensino.

Torna-se pertinente mencionar que entendemos ser de máxima importância que o planejamento seja orientado por objetivos bem delimitados e condizentes com a natureza do processo de ensino-aprendizagem norteado pelo referido instrumento. Este conceito é de fundamental importância para nosso estudo, pois é a partir dos objetivos que passamos a estabelecer as capacidades, as competências e os conhecimentos que queremos desenvolver através do ensino proposto, bem como os conteúdos que devem estar subordinados aos elementos citados.

Toma-se, aqui, também como pressuposto, que o planejamento é sempre orientado por uma Abordagem, o que reforça a relevância do conceito como força motriz da ação de ensinar e aprender línguas. Desta forma, orientados pelas teorias de aprendizagem e pelas visões de linguagem que embasam este estudo, buscamos relacionar nossa abordagem do ensino de LE com ações mais significativas dentro do processo. Esperamos que essas ações possam vir, de forma mais condizente com a natureza da criança como aprendiz de línguas, a constituir os encaminhamentos didáticos de um Planejamento, que através de

objetivos, competências e conhecimentos bem delimitados, mostre-se, possivelmente, mais efetivo. Dentro dessa perspectiva, passamos a argumentar, nas partes que seguem, acerca das interações e materialidades constitutivas do processo de ensinar línguas para crianças.

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