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Capítulo IV- Análise dos Dados

4.1 OS PCN-LE em foco

4.1.2 O que dizem os PCN-LE

Esta seção tem como objetivo o desenvolvimento da análise dos PCN-LE, sob a luz dos referenciais teóricos adotados neste estudo. A fim de concluirmos nosso propósito, tomamos como norte três categorias principais, a saber:

• A justificativa dos PCN-LE para a inclusão da LE no currículo • A caracterização pelo Documento de seu objeto de estudo (a LE) e

as concepções teóricas privilegiadas pelo Documento

• Os objetivos gerais para o ensino de LE estabelecidos pelos PCN- LE

4.1.2.1 Justificando a inclusão da LE no currículo

Os PCN-LE consideram que, apesar de as línguas estrangeiras encontrarem- se “deslocadas da escola”, é “lá que ela deve ocorrer” (PCN-LE: 19). O Documento procura justificar a inclusão da LE no currículo do Ensino Fundamental mediante ao uso efetivo da mesma pela população. Dentro desta perspectiva, o ensino da leitura é privilegiado pelo Documento por atender às necessidades da educação formal, como também por ser a “habilidade que o aluno pode usar em seu contexto social imediato” (PCN-LE, 1998: 20).

Essa ênfase é justificada pelos autores como uma tentativa de resgatar a função que o inglês desempenha na sociedade brasileira, uma vez que “o uso de uma língua estrangeira parece estar, em geral, mais vinculado à leitura de literatura técnica ou de lazer”. Assim sendo, segundo as diretrizes propostas pelos PCN-LE, “considerar o desenvolvimento de habilidades orais como central no ensino de Língua Estrangeira no Brasil não leva em conta o critério de relevância social para sua aprendizagem” (PCN-LE, 1998: 20).

Os PCN-LE alegam, ainda, ser essa a única habilidade socialmente relevante dentro de um contexto em que “somente uma pequena parcela da população tem oportunidade de usar línguas estrangeiras como instrumento de comunicação oral” e no qual os exames vestibulares e de admissão a cursos de pós-graduação “requerem apenas o domínio da habilidade de leitura” (PCN-LE, 1998: 20). O referido Documento prossegue enfatizando que a ênfase na leitura justifica-se também devido à aparente impossibilidade de ensinar as quatro habilidades dentro das condições oferecidas pela maioria das escolas brasileiras, cujos problemas são conhecidamente a “carga horária reduzida, classes superlotadas, pouco domínio oral por parte da maioria dos professores, material didático reduzido ao giz e livro didático, etc” (PCN-LE, 1998: 21).

A esse respeito, podemos considerar que os PCN-LE são documentos que geraram polêmica entre os profissionais da área. Segundo Leffa (1998/1999: 22), argumenta-se que, entre outras coisas, o Documento “restringe a ação do professor”. Convergindo com a concepção de autores como Paiva (2003) e Miranda (2005), julgamos que a ênfase dada ao desenvolvimento da leitura, em detrimento das outras habilidades, é controversa, e encontra conflitos nos embasamentos propostos pelo próprio Documento.

De acordo com os PCN-LE (1998: 19) “a aprendizagem de uma língua estrangeira deve garantir ao aluno seu engajamento discursivo”, o que deve ser feito “por meio de processos de ensino-aprendizagem que envolvam o aluno na construção de significado pelo desenvolvimento de, pelo menos, uma habilidade comunicativa (grifo nosso).” Tomando-se como embasamento teórico, princípios do sociointeracionismo, abordagem esta, explicitamente privilegiada pelo Documento (PCN-LE, 1998:15), entendemos que a linguagem em uso é considerada prática social. Desse modo, questionamos a existência, dentro da comunicação real, do uso de uma habilidade em detrimento de outra(s), de forma tão direcionada, conforme sugere o Documento.

Paiva (2003) explicita sua divergência diante da ênfase na leitura proposta pelo Documento, com embasamento em sua função social mais imediata, alegando ser inviável a utilização do argumento de utilidade imediata como condição para a seleção dos saberes. A autora prossegue argumentando que a relevância social da LE, também se justifica fora do contexto acadêmico, uma vez que grande parte dos jovens mantém maior contato com a mesma através de músicas, cinema, propagandas, Internet, entre outros, do que por meio de textos científicos.

Ao abordarem as restritas condições de ensino nas salas de aula da maioria das escolas brasileiras, as quais, segundo o referido Documento, inviabilizam o trabalho com as outras habilidades comunicativas, os PCN-LE discorrem sobre a importância de mantermos “objetivos realizáveis” para o ensino de línguas, dentro das “condições existentes” em nossas escolas (PCN-LE, 1998: 21). Em contrapartida, o Documento alega que o foco na leitura não deve ser interpretado como a alternativa mais fácil de ser seguida.

Contudo, é difícil não entender a ênfase nesta habilidade como uma restrição imposta (e aceita) pelas limitações do contexto, uma vez que não se faz menção nos PCN-LE, acerca da urgente necessidade de buscarmos, continuamente, maneiras de vencermos tais problemas, objetivando promover um ensino efetivo, o qual, por sua vez, tenha condições de preparar o cidadão para atuar em uma sociedade extremamente oralizada, na qual a fluência oral na LE é, também, condição vital para ascensão profissional e inserção social. Desta forma, concebemos que o privilégio da habilidade de leitura, conforme proposto pelos PCN-LE, pode ser considerado como um instrumento de exclusão, uma vez que não é oferecida aos alunos de classes menos favorecidas, a oportunidade de aprender esta língua em sua totalidade.

É pertinente ressaltarmos, neste momento, que temos consciência das condições pouco favoráveis vivenciadas por grande parte das escolas brasileiras (principalmente as públicas) para o trabalho com LE. Por outro lado, convergindo com o próprio Documento, quando os mesmos alegam que é função da escola propiciar um ensino efetivo de línguas estrangeiras e que não devemos nos guiar pelo mínimo possível, julgamos ser essencial que, na qualidade de profissionais da linguagem e educadores, lutemos, incessantemente, para efetivarmos as mudanças necessárias, a fim de propiciar um ensino de qualidade, que possa preparar todos os alunos, indistintamente, para atuar dentro da sociedade contemporânea.

Neste sentido, nosso pensamento alinha-se às acepções de Paiva (2003), na medida em que a autora afirma que os PCN-LE buscam criar justificativas para a não- realização de um ensino que atenda às determinações da LDB, ao invés de enfatizarem a necessidade de criarmos condições para que transformações ocorram. Concluímos, também, que as diretrizes estabelecidas pelo referido Documento, no que se refere à ênfase na leitura, conforme já asseverado por Leffa (1998/1999), perpetuam o deslocamento do ensino de LE para as escolas de idiomas, o que é inicialmente criticado pelos próprios PCN-LE.

Assim, o papel atribuído à aprendizagem de LE como instrumento de inclusão social e como força libertadora, também responsável pela formação crítica do indivíduo, preparando-o para ser capaz de agir no mundo através da LE, parece não encontrar eco nas maneiras privilegiadas pelo Documento de concretização do ensino de línguas. Conseqüentemente, o privilégio da leitura pode ser considerado como um fator de exclusão, mais do que de inclusão social.

É pertinente ressaltar, também, que os PCN-LE (1998: 24) pontuam que em nossa sociedade “o ensino de Língua Estrangeira não é visto como elemento importante na formação do aluno”, uma vez que não tem lugar privilegiado no currículo. Julgamos provável que a própria priorização da leitura em detrimento das outras habilidades possa contribuir para que isso se mantenha. Em outras palavras, pressupomos que o aluno, ao entrar em contato com a LE (mais especificamente do inglês), através de músicas, anúncios, filmes, entre outros, sinta-se motivado a participar deste contexto, de forma plena, o que inclui usar a língua, também, oralmente. Desta forma, a ênfase na leitura pode, possivelmente, estar distante das expectativas do aluno em relação à aprendizagem de uma LE, fazendo com que a mesma perca, ainda que parcialmente, para o aluno, sua função dentro do currículo.

Em nossa concepção, acreditamos que pouco se pode ouvir da voz do aluno em tal sistema. Priorizar uma habilidade é distanciar-se do ensino da língua essencialmente como comunicação real e do propósito da formação integral do aluno, na qualidade de cidadão que tem o direito de, através da educação que lhe é oferecida, integrar-se de forma plena à sociedade em que vive. Nosso pensamento alinha-se às acepções de Paiva (2003), quando a autora salienta o fato de os PCN-LE estarem reproduzindo preconceitos contra classes populares, ao negar ao aluno o direito, já garantido pela LDB, de ser preparado, integralmente, para o mundo do trabalho, bem como para o exercício da cidadania.

Nessa perspectiva, faz-se necessário ressaltar, também, que a ênfase do Documento em afirmar que devemos nos orientar mediante o que é realizável no contexto de ensino de LE nas escolas, atualmente, é expressa ao longo do Documento, através de variadas escolhas lexicais, tais como “daquilo que é possível” (p. 40), “visão mais realista” (p. 40), “objetivos realizáveis” (p. 21). Isto nos faz questionar, se este posicionamento, na realidade, da mesma forma que parece trabalhar a favor da manutenção do status quo, serve, igualmente, para perpetuar a crença recorrente (Moita Lopes, 1986) de que “não se aprende inglês (ou LE) na escola pública”. Dentro desse contexto, entendemos que a centralidade da leitura é mais uma das “limitações inaceitáveis” (PCN-LE: 66) no que concerne ao ensino de LE na Educação Fundamental (e Média) no Brasil.

Além disso, julgamos importante salientar que a opção pelo foco em uma habilidade comunicativa, apenas, não garante que o ensino de LE ocorra de forma efetiva, conforme pressupõe o Documento. Pesquisas na área (Oliveira, 2003; Walker, 2003; Coelho, 2005 entre outros) mostram que o ensino de LE no Brasil é, ainda, precário e ineficiente. Isto demonstra que tais diretrizes, através de seu foco na leitura, não têm sido bem sucedidas frente à necessidade de “se garantirem condições mínimas de êxito, que devem resultar em algo palpável e útil para o aluno” (PCN-LE: 66) ou, tampouco, têm conseguido assegurar que a aprendizagem de LE não “seja uma experiência decepcionante para o aluno” (PCN-LE: 65).

Ressaltamos, também, que temos consciência do fato de que instrumentalizar o aluno, a fim de prepará-lo para sua inclusão acadêmica, não é suficiente para garantir o acesso do mesmo à Universidade. Isto não depende, unicamente, de uma só disciplina, ou de políticas educacionais públicas isoladas.

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