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3.4 Como ensinar LE para crianças: relacionando princípios e prática

3.4.2 Interações e ações no ensino-aprendizagem de LEC

3.4.2.2 A tarefa de ensinar LEC: buscando interações significativas

3.4.2.2.5 Canções, rimas, jogos e histórias

É relevante ressaltarmos que entendemos os jogos, as histórias e as canções (infantis) neste estudo, como gêneros, uma vez que as mesmas podem ser consideradas atividades sociais que envolvem o uso da linguagem de forma culturalmente organizada e que seguem padrões convencionais (Bazerman, 2005). Dentro dessa perspectiva, consideramos ser essencial para a apropriação desses gêneros (Bakhtin, 2003) e para a construção do conhecimento (Vygotsky, 1998, 2001) no ensino-aprendizagem de LEC, a interação entre os participantes (o professor e os aprendizes) e a forma como ela é promovida dentro do processo, ou seja, como ela é gerada por esses gêneros.

No tocante às canções, cantigas e rimas, Brewster, Ellis & Girard (2002: 162) asseveram que a natureza repetitiva e rítmica das mesmas faz delas um excelente veículo para o processo de ensino-aprendizagem de LE na infância. Os benefícios dessas atividades dentro do referido processo podem ser descritos de acordo com os objetivos que norteiam esse ensino. Os citados autores afirmam que o uso de canções, cantigas e rimas podem ser considerados uma fonte de recursos lingüísticos, afetivos, cognitivos e sócio-culturais.

Buscando exemplificar algumas das inúmeras vantagens relacionadas a cada um dos objetivos citados, podemos mencionar que as canções, cantigas e rimas são particularmente úteis, entre outros fatores, para a prática da pronúncia, tonicidade, ritmo e entonação. Através delas podemos propiciar um ambiente de repetição natural e a prática integrada das habilidades, bem como motivar os alunos e encorajá-los a aumentar sua confiança e auto-estima. Tais práticas auxiliam, ainda, o desenvolvimento da concentração, memória e coordenação, como também da consciência intercultural da criança.

Segundo Brewster, Ellis & Girard (2002: 168), outra vantagem do uso das canções e rimas na aula de LE residem no fato de elas serem extremamente flexíveis,

podendo ser usadas como aquecimento, como atividades transitórias, como introdução ou como prática de um item de linguagem, dentre outros. Os autores pontuam, ainda, que elas são facilmente adaptáveis, servindo, também, para trabalhar a afetividade e a motivação das crianças durante as aulas de LE.

Não é segredo que as crianças apreciam dramatizações e jogos. Brewster, Ellis & Girard (2002: 172) asseveram que tais atividades “divertem, motivam e ensinam”. Para justificar a inclusão dos jogos no ensino-aprendizagem de LEC, Lewis & Bedson (2000: 7) asseveram que jogar é parte integrante e vital do processo de crescimento e aprendizagem (Vygotsky, 1998, 2001). Os referidos autores, convergindo com as idéias de Cameron (2001) e Martin (1995), ressaltam que, através do jogo, as crianças experienciam, descobrem e interagem com o seu meio, devendo a brincadeira ser mais que apenas divertida, a fim de que o ensino de LE cumpra seu papel formador. Ainda segundo esses autores, excluir o jogo da aula de línguas significa privar a criança de uma ferramenta essencial para sua compreensão do mundo, visão essa que o professor tenta ampliar através do ensino da LE.

Além de gerar motivação, Lewis & Bedson (2000) afirmam que o contexto criado pelo jogo pode fazer com que a língua-alvo torne-se extremamente útil para a criança, umas vez que ela pode ser o instrumento através do qual a interação entre os aprendizes possa vir a ocorrer. O jogo, de acordo com a acepção dos autores, orienta-se pelos princípios norteadores da aprendizagem baseada em tarefas (Prabhu, 1987; Nunan,1989; Ellis, 2003; entre outros), uma vez que o principal objetivo é atingir uma meta que não está diretamente relacionada exclusivamente a objetivos lingüísticos.

Autores como Brewster, Ellis & Girard (2002: 173), Lewis & Bedson (2000: 6), entre outros, enfatizam que a competição não é pré-condição para que o jogo aconteça no ensino de LE na infância. As habilidades podem ser desenvolvidas estrategicamente, através de jogos de caráter colaborativo ou cooperativo, nos quais pares ou grupos de alunos trabalham juntos, visando a alcançar um determinado objetivo. Além do jogo, todas as atividades que propiciem o engajamento da criança em atividades que lhe pareçam divertidas ou que a coloquem em uma situação de interação e cooperação entre pares,

potencializando a aprendizagem, podem ser relacionadas à importância do brinquedo no sociointeracionismo (Vygotsky, 1998, 2001), por seu potencial de criar a ZDP.

Contudo, segundo Baquero (1998), nem toda a atividade lúdica gera ZDP, do mesmo modo que nem toda aprendizagem ou ensino o faz. Para que isso ocorra, de acordo com o autor, é necessário que a brincadeira cumpra as duas funções essenciais atribuídas a ela no desenvolvimento da criança, a saber, exercitar no campo imaginário a capacidade de planejar, imaginar e representar papéis do quotidiano, bem como explorar o caráter social do jogo, ou seja, a adequação da criança às regras sociais e culturais. Lewis & Bedson (2000) desenvolvem seu pensamento na mesma direção ao salientarem que o elemento que diferencia o jogo das demais atividades na aula de LE é o conjunto de regras que sempre acompanha e norteia o mesmo. Independentemente da tipologia do jogo, ressaltam Brewster, Ellis & Girard (2002), o elemento chave para o sucesso do mesmo são regras claras e objetivos bem definidos.

Ao abordar a importância do jogo no ensino-aprendizagem de línguas, Cardoso (1996: 36), embasando-se em Huizinga (1990), considera o mesmo como “um fator presente em todas as situações da vida”. Segundo a referida autora,

“No jogo o aluno aprende, ainda, a se organizar, desenvolve a competência estratégica de viver em sociedade, respeitando e compreendendo seus limites pessoais através da aceitação e da valorização de atitudes e modos de ser dos colegas. Aprende a esperar a sua vez através de regras internas que dirigem a atividade” (Cardoso, 1996: 36).

Para Silva (1997: 3), os jogos ou brincadeiras criam oportunidades de negociação de significado, uma vez que promovem “situações em que as crianças precisam e querem se comunicar para terem a sua participação garantida”. A este respeito, Cardoso (1996: 37) salienta que o jogo dentro do ensino-aprendizagem de LE, “consiste em uma atividade organizada” que possui, dentre outras propriedades, uma tarefa ou objetivo específico e um conjunto de regras. Essa atividade, conforme ressalta a autora, envolve, necessariamente, uma situação de comunicação real entre os participantes, através da linguagem escrita ou oral, que se oriente pela meta de se alcançar o objetivo estabelecido.

Para Cardoso (1996: 39) oportunidades para o desenvolvimento da competência lingüístico-comunicativa do aluno são criadas em sala de aula, na medida em que os mesmos envolvem-se na situação e tentam vencer o jogo, “imergindo” nas brincadeiras. Dentro desta perspectiva, Silva (1997) explicita que a motivação provocada pelo jogo é importante, acrescentando que o foco principal da brincadeira deve transcender propósitos motivacionais e recair sobre seu potencial de gerar atividades de linguagem (Schneuwly, 1988).

Apresentando uma visão convergente com a citada autora, Szundy (2005) salienta que, quando utilizados como atividades didáticas integradas ao conteúdo proposto, os jogos contribuem significativamente para a aprendizagem de LE. A este respeito, corroborando o pensamento de Cameron (2001) de que o jogo, na aula de línguas, deve maximizar a aprendizagem, Cardoso (1996: 83) assevera que o mesmo não deve se apresentar como “uma atividade ingênua”.

A noção de atividades de linguagem, por sua vez, relaciona-se a princípios da teoria sócio-cultural, uma vez que se encontra vinculada ao conceito de atividade proposto por Leontiev (1983). Segundo o autor, a atividade pode ser descrita como uma estrutura do comportamento orientada por um propósito social e que tem sua origem em situações de comunicação, podendo ser considerada como uma interface entre o indivíduo e seu meio. Cook (1997: 228) assevera que a criança, ao vivenciar o processo de aquisição da linguagem, “passa muito tempo produzindo e recebendo jogos de linguagem”.

Ressaltamos, portanto, que o conceito de jogo aborda dois níveis distintos, o jogo propriamente dito, também chamado de jogos culturais por Abreu e Lima (1996), e os jogos de linguagem, que implicam a brincadeira com as formas composicionais da linguagem e a construção de sentidos através delas. Apoiando-se em Bruner (1975), Szundy (2002: 87) argumenta que é o “interjogo entre a função instrumental da linguagem e a sua estrutura gramatical que permite à criança entrar no mundo da linguagem tão rapidamente”. Cook (1997) pontua que os jogos de linguagem, ao serem descritos como a atividade mútua entre o adulto e a criança, mostram-se essenciais para a constituição da linguagem e para seu desenvolvimento. Conseqüentemente, são também importantes instrumentos para a construção de conhecimento em LM e LE.

Szundy (2002) prossegue salientando que os jogos de linguagem, dentro do processo de ensino-aprendizagem de LEC, “permitem a prática recorrente dos objetos lingüísticos em construção” (Szundy, 2002: 87). Desta forma, entendemos que tanto o conhecimento construído através de outras atividades aparece no jogo, quanto os objetos lingüísticos construídos nos jogos de linguagem, influenciam a construção do conhecimento em outras atividades didáticas (Szundy, 2005). A esse respeito Cook (1997) pontua que os jogos de linguagem envolvem, entre outros aspectos, práticas de repetição da linguagem através de histórias, as quais as crianças apreciam ouvir repetidas vezes, bem como através de rimas e canções, que elas também saber de cor.

O referido autor salienta, também, que os jogos de linguagem envolvem práticas específicas de construção de sentidos através da combinação de ritmos e sons presentes, também, nas rimas e canções infantis. É importante ressaltarmos que entendemos que os jogos de linguagem encontram-se geralmente mais próximos aos gêneros secundários, pois envolvem práticas relacionadas a tipos mais complexos de interações. O jogo ou brincadeira entendido como atividades culturais, por sua vez, aproxima-se de práticas sociais mais simples, relacionando-se, desta forma, ao conceito de gêneros primários.

Além do papel motivacional do jogo no processo de ensino-aprendizagem de LE na infância, Szundy (2002) acentua o potencial do lúdico na construção do conhecimento e também da linguagem. Convergindo com o pensamento de Luz (2003), a autora salienta, também, o papel mediador da LM na construção do conhecimento em situações de jogos no ensino de línguas.

No que se refere às histórias no processo de ensino-aprendizagem de LEC, Silva (1997: 32) afirma que “contar histórias é uma forma de brincar”. Segundo a autora, quando envolvidos na situação de (re)contar histórias, brincamos de ser e/ou imitar personagens, brincamos de adivinhar o que vai acontecer, e até mesmo, brincamos de contar a história. Assim, conforme acontece com o jogo, portanto, o ato de contar histórias é convencionalmente instituído em nossa sociedade, envolve regras que devem ser seguidas, promove o trabalho colaborativo e trabalha com o imaginário da criança.

Convergindo com o pensamento de Wright (2001), que as conceitua como sendo motivadoras e extremamente ricas em seu potencial de gerar experiência com a

linguagem, Brewster, Ellis & Girard (2002: 186) explicitam que as histórias podem ser desafiadoras, além de divertidas. Wright (2001) prossegue enfatizando a capacidade que a ação de contar histórias tem no que diz respeito a promover interações significativas, desenvolver a fluência oral do aprendiz e estimular as habilidades de leitura e escrita, se desejado for. Considerando as histórias como representantes das abordagens holistas frente ao processo de ensino-aprendizagem de LEC, Cameron (2001: 159) as descreve como sendo basicamente uma atividade oral, uma vez que existem para serem contadas e ouvidas. A citada autora reforça que as histórias são também temáticas no que diz respeito à sua estrutura, podendo ocorrer em diversos e variados momentos durante o processo de ensino.

Silva (1997) demonstra convergir com o pensamento dos autores mencionados, ao destacar as histórias como um potente instrumento para a construção do conhecimento na língua-alvo, salientando a importância da LM como mediadora do processo. A este respeito, convergindo com as idéias de Szundy (2002) e Luz (2003), a autora ressalta que as histórias permitem que a criança transfira “para a nova língua o sistema de significados que já possui na sua própria” (Silva, 1997: 128). Brewster, Ellis & Girard (2002) asseveram, ainda, que podemos criar um ambiente favorável para o desenvolvimento de atitudes positivas frente às diferenças sociais e culturais através das mesmas.

Nessa perspectiva, é importante ressaltar que existe uma variedade grande de atividades que podem se relacionar ao ato de contar histórias, tais como o desenho, a pintura, a colagem e outras atividades manuais, bem como atividades voltadas para o vocabulário e a dramatização. Sendo que as histórias contêm usos de linguagem típicos de textos poéticos e literários e um rico vocabulário, podemos também pontuar que o ato de contar histórias permite que muitos pontos sejam trabalhados no processo de ensino- aprendizagem de LE na infância, dentre os quais podemos citar a aliteração, as metáforas, a intertextualidade, a narrativa e o diálogo. Nesta perspectiva, ressaltamos a importância da linguagem escrita, além da oral, para o desenvolvimento cultural da criança (Vygotsky, 1998). Enfatizamos, também, a relevância do desenvolvimento dos gêneros secundários através dos primários (Bakhtin, 2003) no ensino de LEC, a partir do momento considerado oportuno pelo professor.

Para finalizarmos esta seção, é pertinente pontuar que, as propostas de ações no ensino de LEC até então apresentadas, encontram-se alinhadas aos modos de pensamento enativo, icônico e simbólico, propostos por Bruner (1960). Nessa perspectiva, embasados em William & Burden (1997), salientamos que, ao relacionarmos os referidos níveis, já explicitados neste estudo, ao processo de ensino-aprendizagem de na infância, observamos a importância das dramatizações, da brincadeira, da manipulação de objetos concretos, entre outros, para a primeira categoria, uma vez que a mesma se constitui, principalmente, pela aprendizagem através da ação.

Ao relacionar a aprendizagem às imagens, o modo icônico implica, dentre outros procedimentos, o uso de figuras, palavras em cores e desenhos, o que, por sua vez, pode ser relacionado às atividades acima descritas, visto que os modos de pensamento encontram-se interpolados, segundo Bruner (1960). O modo simbólico manifesta-se no processo através do uso da língua-alvo (um sistema simbólico) para entender ou expressar idéias dentro de um contexto específico, destacando-se, neste nível, o ato de contar histórias, por exemplo. Após as reflexões feitas acerca de ações e interações dentro do processo de ensino de LEC, abordamos, a seguir, uma outra materialidade do mesmo, a avaliação.

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