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A tese causalista

No documento A simulação no código civil (páginas 30-37)

A infrutífera dialética entre os voluntaristas e os declaracionistas levaria parte da doutrina a procurar uma via alternativa. Emergiria, nesse contexto, a tese causalista da simulação, a qual busca explicar o instituto referindo-o a um vício da causa. No negócio

                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                   

conceito material que, da simulação, têm os escritores franceses. Também eles se ocupam de lettres et contre- lettres e concebem o negócio simulado como aquele que se modifica e suprime por outro negócio jurídico contemporâneo do primeiro e destinado a permanecer secreto. Só os escritores alemães falam dum negócio único, cujo conteúdo neutraliza, ao passo que os franceses falam de dois negócios que se neutralizam reciprocamente. A diferença não é grave”. Confirma este ponto de vista M. DAGOT (La simulation en droit privé, Paris, LGDJ, 1965, p. 58-59), segundo o qual o “élément apparent” (ato simulado) é um contrato modificado, totalmente ou parcialmente, pelo “acte secret” (contradeclaração).

51 Custódio da Piedade Ubaldino MIRANDA, Teoria Geral do Negócio Jurídico, 2ª ed., São Paulo, Atlas,

2009, p. 159.

52 H. T. TÔRRES, Simulação de Atos e Negócios Jurídicos – Pactos Simulatório e Causa do Negócio Jurídico

in Junqueira de Azevedo, Antônio, Tôrres, Heleno Taveira, Carbone, Paolo (coords.), Princípios do Novo Código Civil Brasileiro e Outros Temas – Homenagem a Tullio Ascarelli, 2ª ed., São Paulo, Quartier Latin, 2010, p. 318-319.

simulado, a forma negocial (suporte fático) seria manejada com vistas à persecução de uma finalidade prática incompatível os respectivos efeitos53.

Causa é um dos termos mais plurívocos do Direito Civil54.

Na França, a doutrina contemporânea concebe a causa a que alude o artigo 1108 do Código Civil francês como causa final, objetivo que leva o particular a se obrigar55. Em sua feição objetiva (mais conhecida como causa da obrigação), a causa é entendida como a contrapartida convencionada, configurada a partir da integração dos motivos determinantes ao conteúdo da relação contratual. Em sua dimensão subjetiva (geralmente relacionada à causa do contrato), a causa coincide com os motivo determinantes. A causa objetiva presta-se à verificação da existência do sinalagma, assim como para a interpretação da relação jurídica; já causa subjetiva serve como parâmetro para a formação de um juízo sobre a licitude da operação jurídica56.

Na Itália, floresceu a teoria da causa típica, descrita como a “função econômico- social do negócio inteiro, considerada digna de tutela jurídica, na síntese dos seus elementos essenciais, como totalidade e unidade funcional em que se explica a autonomia privada”57.

É praticamente lugar comum atribuir a concepção da causa típica a Scialoja. Este fato foi, porém, recentemente desmentido. Ferri relata que, conquanto o termo “função” houvesse sido empregado por Scialoja para descrever a causa nas célebres Lezioni romane

dell’anno 1892-1893, este autor o empregara sem adjetivações, para referir-se ao tipo

negocial legalmente estabelecido. Para Scialoja, a causa correspondente à finalidade do negócio jurídico seria a causa subjetiva; para descrevê-la, o autor não teria feito qualquer

                                                                                                                           

53 Figuram, dentre os expoentes desta vertente doutrinária: F.CARNELUTTI, Sistema del diritto processuale

civile, v. II, Padova, CEDAM, 1938, p. 403-405; E. BETTI, Teoria generale del negozio giuridico, 3ª ed. (1960), Napoli, Edizioni Scientifiche Italiane, 2002. p. 393 ss.; S. PUGLIATTI, La simulazione dei negozi giuridici unilaterali in Diritto civile – Metodo – Teoria – Pratica, Milano, Guffrè, 1951; S. ROMANO, Contributo esegetico allo studio della simulazione (L’art. 1414 c.c.) in Rivista trimestrale di diritto e procedura civile, Milano, 1954.

54 Sobre a diversidade das noções de causa no direito romano, v. G. GORLA, Il contratto – Problemi

fontamentali trattati con il metodo comparativo e casistici, v. I – Lineamenti generali, Milano, Giuffrè, 1954, p. 296-298.

55 D.BONNET, Cause et condition dans les actes juridique, Paris, LGDJ, 2005, p. 3-4. 56 J.GHESTIN, Causa de l’engagement et validité du contrat, Paris, LGDJ, 2006, p. 79. 57 E. BETTI, Teoria generale... cit. (nota 53), p. 180.

menção à função, aludindo apenas à apreciação que o ânimo do agente formula sobre a causa objetiva.

O pioneiro da teoria da causa como função econômico-social teria sido Betti. As suas ideias teriam revolucionado58 a teoria da causa, servindo aos propósitos do regime corporativista. “A causa surge, portanto, no sistema do Código Civil de 1942, não como valor que exprime, como se disse, o ponto de vista do contraente (como era na tradição do instituto), mas aquele do ordenamento jurídico”; desempenha “um papel de controle, para estabelecer se os fins privados, perseguidos pelos contraentes, sejam coerentes com aqueles gerais, fixados pelo ordenamento”59. A noção de causa típica seria um reflexo dos princípios do estado fascista60.

Com o passar do tempo e a restauração do Estado Democrático de Direito, o negócio jurídico voltaria a ser visto como um instrumento genuinamente privado61; fonte

de valor capaz de produzir efeitos que, ao ordenamento jurídico, não caberia autorizar,

mas recepcionar ou rejeitar62. Nesse movimento, a causa típica passaria a ser considerada insatisfatória, caindo em profundo descrédito, sobretudo, por não justificar a legitimidade e a eficácia dos negócios atípicos63.

                                                                                                                           

58 G.B.FERRI, Il Negozio Giuridico, 2ª ed., Padova, CEDAM, 2004, p. 115-116: “Com a introdução, na

teoria da causa, do termo função, não se opera apenas uma reforma terminológica, de todo extrínseca e formal, mas se muda a perspectiva e o próprio papel que a causa destina-se a desempenhar na teoria do negócio jurídico” (tradução livre).

59 G.B.FERRI, Il Negozio Giuridico cit. (nota 58), p. 116. 60 G.B.FERRI, Il Negozio Giuridico cit. (nota 58), p. 117-118.

61 G.B.FERRI, Il Negozio Giuridico cit. (nota 58), p. 123: “Com a queda da ideologia dirigista e o advento de

uma Constituição liberal-democrática, também o negócio volta a ser um instrumento para a realização de interesses eminentemente privados, e a causa torna-se, novamente, elemento do negócio; não como instrumento e mecanismo de controle do agir autônomo dos particulares, como nas intenções do legislador [italiano] de 1942; mas como (...) objeto de controle, que permite constatar, concretamente, a existência e o grau de compatibilidade entre aqueles valores que o negócio exprime e aqueles, por outro lado, expressos pelo ordenamento estatal”. Tradução livre; no original: “Con la caduta dell’ideologia dirigista e l’avvento di una Costituzione liberal-democratica, anche il negozio torna ad essere uno strumento per la realizzazione di interessi eminentemente privati e la causa ridiventa un elemento del negozio; non quale strumento e meccanismo di controllo dell’agire autonomo dei privati, come nelle intenzioni del legislatore del 1942; semmai (...) quale oggetto di controllo, che consente di costatare, in concreto, l’esistenza e il grado di compatibilità tra quei valori che il negozio esprime e quelli, invece, espressi dall’ordinamento statuale”.

62 C. B. N. CIOFFI, Classe, concetto e tipo nel percorso per l’individuazione del diritto applicabile ai

contratti atipici, Torino, Giappichelli, 2008, p. 60.

Abrir-se-ia, assim, espaço ao desenvolvimento da teoria da causa concreta, entendida como função prático-individual64. Esta concepção da causa parte do pressuposto de que cada negócio jurídico seria a expressão objetivada de finalidades subjetivas. A regra negocial não vale, pois, apenas em função de sua objetividade, mas também em razão daquelas finalidades subjetivas das quais é portadora, e que nela se objetivam; esta realidade complexa, na sua composição de aspectos subjetivos e aspectos objetivos, tem como amálgama, precisamente, a causa65. Nessa ordem de ideias, a causa coordenaria a operação privada como um todo, em seus aspectos subjetivos e objetivos66.

Registre-se, por pertinente, que a preponderância da concepção concreta da causa não imporia o completo abandono da ideia de função econômico-social. Apenas deixaria claro que a causa propriamente dita seria concreta, apreendida pela perspectiva dos particulares, pois a ela corresponderia a orientação finalística imposta ao negócio jurídico. A causa típica pertenceria ao plano abstrato; seria um esquema funcional resumido, uma súmula de notas características que, abstratamente, descreveria a classe a que pertenceriam os arranjos de interesses concretamente estabelecidos pelos particulares67.

A tese causalista da simulação, dado o momento em que se desenvolveu, não levou em consideração a evolução da noção de causa, acima relatada. Assim, buscou explicar o fenômeno simulatório com base na abstração da causa típica68, à qual se oporia o escopo prático.

Carnelutti foi um dos que primeiro enveredou por este caminho. Para o autor, a causa seria o interesse objetivo que o sujeito nutriria em relação a um objeto e o levaria a valer-se dos meios necessários a alcançá-lo. Assim, entre a forma e a vontade estaria a causa: a forma corresponderia ao elemento físico, e a vontade ao elemento psicológico; a causa, por seu turno, seria o elemento econômico. A simulação ensejaria uma inadequação

da causa69.

                                                                                                                           

64 G.B.FERRI, Il Negozio Giuridico cit. (nota 58), p. 124; F.CARRESI, Il contratto, t. 1, Milano, Giuffrè,

1987, p. 251-252.

65 G.B.FERRI, Il Negozio Giuridico cit. (nota 58), p. 124.

66 G.B.FERRI, Causa e tipo nella teoria del negozio giuridico, Milano Giuffrè, p. 355-375, especialmente p.

370-371.

67 G.B.FERRI, Causa e tipo... cit. (nota 66), p. 349.

68 O diagnóstico é S. PUGLIATTI, La simulazione... cit., (nota 53), p. 559. 69 F.CARNELUTTI, Sistema... cit. (nota 53), p. 396-399.

Poderia a forma de um ato ser querida para o atendimento a interesse diverso ou incompatível os seus efeitos jurídicos. O agente desejaria que uma declaração de vontade produzisse apenas os seus efeitos naturais, não os seus efeitos jurídicos característicos, a fim de que se criasse uma aparência, não uma realidade70. Eis o que se daria com o negócio simulado: os contraentes o celebrariam sem o interesse da produções dos efeitos próprios de sua forma.

Betti sustenta, em sentido semelhante, que a simulação seria o resultado de um conflito insanável entre o escopo prático típico e a causa típica; ele expressaria um abuso

da função instrumental do negócio jurídico71.

Já Romano propõe o exame da simulação a partir de uma concepção dinâmica da causa típica, como se pressentisse as transformações a que esta noção se submeteria nos anos vindouros. Segundo o autor, a causa deveria ser definida levando-se em conta todo o procedimento colocado em prática pelos particulares72. Revestir-se-ia de relevância causal não apenas a determinação do tipo ao qual pertencesse o negócio jurídico, como também toda a cadeia de atos praticados pelas partes, desde as tratativas até a execução das prestações convencionadas73. Em vista disso, a deliberada inexecução do escopo negocial desnaturaria a causa do negócio simulado, o qual seria válido, mas ineficaz74. A simulação acarretaria uma fratura no procedimento negocial75; os seus requisitos seriam, portanto, o

negócio simulado, a sua deliberada inexecução e o acordo simulatório76.

Vale citar, por fim, a radical formulação de Pugliatti, segundo a qual o negócio simulado não passaria de um negócio jurídico normal cuja causa seria eliminada ou distorcida pelo acordo simulatório. Segundo o autor, a “qualificação ‘simulado’ não

                                                                                                                           

70 F.CARNELUTTI, Sistema... cit. (nota 53), p. 403-405 71 E. BETTI, Teoria generale... cit. (nota 53), p. 400. 72 S. ROMANO, Contributo esegetico... cit. (nota 53), p. 35. 73 S. ROMANO, Contributo esegetico... cit. (nota 53), p. 36. 74 S. ROMANO, Contributo esegetico... cit. (nota 53), p. 34; 45-53.

75 S. ROMANO, Contributo esegetico... cit. (nota 53), p. 42. O negócio jurídico surgiria com a produção do

respectivo suporte fático; nesta etapa, o tipo seria determinado (e, consequentemente, a causa típica), e a produção dos correspondentes efeitos jurídicos tornar-se-ia indisponível (criado o suporte fático, a incidência da norma jurídica não mais se sujeitaria a qualquer tipo de controle a cargo dos particulares). As partes poderiam, porém, dispor da atuação negocial, deixando de dar cumprimento ao avençado (i.e. não atuação do negócio jurídico), ou o fazendo de modo incompatível com a causa típica (i.e. atuação de um negócio jurídico diferente). Quando preordenada, a inexecução seria capaz de romper o ciclo causal mediante inserção de uma conduta inconciliável com a função típica do negócio jurídico.

encontra suas raízes dentro do esquema do negócio, mas fora deste, e, precisamente, no acordo simulatório”77. Sob esta perspectiva, Pugliatti elevaria o acordo simulatório à condição de eixo central do fenômeno simulatório.

A tese causalista ecoaria nas páginas da dogmática civilística brasileira, ainda durante a vigência do Código Civil de 1916.

Seguindo esta tendência, Orlando Gomes sustenta que a simulação dependeria da presença do acordo simulatório – que a diferenciaria da reserva mental – e do propósito de

enganar terceiros. Note-se que a palavra propósito não vem utilizada, aí, a esmo. A

simulação poderia vincular-se a variadas razões de ordem subjetiva, que motivariam a adoção deste expediente; tais razões corresponderiam à causa simulandi, isto é, aos

motivos determinantes da simulação78. A causa simulandi, contudo, não haveria de confundir-se com o fim da simulação, isto é, com a causa concreta79 do procedimento levado a efeito pelas partes. Este corresponderia ao propósito negocial viciado, indigno de tutela jurídica porquanto teria por escopo a criação do engano mediante a instauração de uma aparência negocial80. Logo, o negócio seria simulado porque o propósito negocial – que não se poderia dizer inexistente – consistiria na criação de uma imagem irreal. Esta causa concreta contrastaria com a causa abstrata81.

                                                                                                                           

77 S. PUGLIATTI, La simulazione... cit., (nota 53), p. 543.

78 Orlando GOMES, Introdução ao Direito Civil, 6ª ed., Rio de Janeiro, Forense, 1979, p. 516.

79 Orlando GOMES, Introdução... cit. (nota 78), p. 445-447; 515. O autor denomina causa abstrata aquela que

determina o tipo negocial, e causa concreta a que diz respeito ao fim, à função típica do negócio jurídico. A causa concreta também é designada, em algumas passagens, propósito negocial. Ambos os perfis da causa seriam passíveis de valoração pela norma jurídica, para fins de atribuição de validade e eficácia aos negócios privados Esta bivalência da causa a converteria em fator de justificação do negócio jurídico, na medida em que revelaria a importância dos interesses sociais nele plasmados e, concomitantemente, atestaria a idoneidade do fim prático almejado pelas partes.

80 Orlando GOMES, Introdução... cit. (nota 78), p. 411; 516.

81 Deve-se ter em vista, contudo, que, muito embora Orlando GOMES atribuísse relevância à causa, não

chegou a negar, completamente, a importância da vontade para a caracterização da simulação. Isto se torna evidente quando se examinam as intrincadas linhas ao longo das quais o autor diferencia o negócio simulado das figuras do negócio fiduciário e do negócio indireto.

A princípio, afirma o autor (Introdução cit., nota 78, p. 403), as três classes de negócio jurídico poderiam ser associadas ao emprego de um dado tipo negocial com vistas à obtenção de resultados contrastantes com a sua causa abstrata.

O negócio fiduciário não poderia ser confundido com o negócio simulado pois, embora o primeiro envolvesse uma extrapolação do meio sobre o fim (i.e. o meio negocial utilizado se desdobraria em diversas fases), os negócios jurídicos celebrados seriam todos reais e queridos; isto, porém, não ocorreria na simulação, em que o negócio ostensivamente praticado não corresponderia ao querer da partes. “Ora, não há simulação quando as partes querem realmente o efeito do negócio. Inadmissível identificá-lo [o negócio fiduciário] ao negócio simulado, porque este é o que tem aparência contrária à realidade. No negócio

Já sob a vigência do Código Civil de 2002, Tércio Sampaio Ferraz Jr. defenderia que a previsão da nulidade do negócio seria um reflexo de uma valoração causalista da simulação, pela qual esta figuraria como questão afeita à causa do negócio jurídico82. De maneira semelhante, Mattietto sustentaria que “a simulação não é vício do consentimento, mas defeito em que há incompatibilidade entre a causa típica do negócio e o intento prático das partes”83.

Por fim, registre-se que Custódio da Piedade Ubaldino Mirando, a despeito de acolher a tese declaracionista para descrever a estrutura da simulação, aproximar-se-ia da tese causalista ao abordar a qualificação jurídica do fenômeno simulatório.

Para o autor, a simulação implicaria uma desvirtuação da causa. Os interesses perseguidos pelos simuladores seriam divergentes dos escopos práticos tipicamente

                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                   

fiduciário, nenhuma divergência há entre a vontade real e a vontade declarada” (Introdução cit., nota 78, p. 445-447; 515, p. 409).

Semelhantemente, o negócio indireto não se identificaria com o negócio simulado, pois, conquanto pudessem divergir o meio e o fim do negócio (pois a transcendência poderia ser do meio sobre o fim, ou do fim sobre o meio), os negócios jurídicos eventualmente celebrados seriam sempre conforme a real intenção das partes. “Para haver negócio indireto é preciso que, através de negócio típico, que as partes quiserem realmente realizar, seja visado fim diverso do que lhe corresponde. O negócio seria querido pelas partes; por isso não se poderia identificar o negócio indireto com o negócio simulado. Há quem os assimile, mas sem razão. Neste, como se sabe, ou o negócio não existe ou é aparente. No negócio indireto, a vontade é real” (Introdução cit., nota 78, p. 409; 445-447; 515).

Na esteira do acima exposto, o autor especifica a hipótese inicial, segundo a qual o negócio simulado implicaria o emprego do negócio jurídico com vistas ao alcance de um fim divergente da função típica do negócio. Isto se daria por obra da vontade; esta circunstância seria, pois, a que diferenciaria a simulação de institutos afins. Assim, o negócio simulado acarretaria a aparência do real; no caso da simulação absoluta, haveria a pura aparência; no caso da simulação relativa, os efeitos jurídicos produzidos decorreriam de outro negócio (o negócio dissimulado), o qual diversamente do que sucede com o negócio indireto, exerceria função típica.

82 Tércio Sampaio FERRAZ JR., Simulação e negócio jurídico indireto: no direito tributário e à luz do novo

Código civil in Revista Fórum de Direito Tributário, v. 48, 2010, p. 9-26: “O novo Código altera o enquadramento da simulação. Não se trata, necessariamente, de um defeito (da vontade, maliciosa ou inocente), mas da presença de um requisito de validade aparentemente consistente com as regras de validade, mas, na verdade, inconsistente. Por exemplo, o objeto é lícito (requisito de validade), mas contém um dado impossível: apõe-se ao documento uma data anterior àquela em que é firmado, violando o tempo cronológico. Embora possa haver aí vontade maliciosa (intuito de enganar), mais relevante é a presença de uma data que ‘faz’ do negócio firmado no presente um negócio realizado no passado. O negócio, assim, não é inválido porque mentiroso, mas porque a ‘causa temporal’ do negócio (quando foi realizado) é apenas aparente (simul, semelhante a uma condição temporal possível). Por isso, pelo novo Código, é nulo e não anulável”.

83 L. MATTIETTO, Negócio jurídico simulado (notas ao art. 167 do Código Civil) in Delgado, Mario Luiz,

Alves, Jones Figueirêdo (coords.), Questões Controvertidas – Parte Geral do Código Civil, Série Grandes Temas de Direito Privado – v. 6, São Paulo, Método, 2007, p. 466-480: “A escolha legislativa, passando a simulação de causa de anulabilidade para de nulidade, é respaldada na ideia de que tal figura, mais que restrita a atingir interesses privados, ofende o interesse público de correção e veracidade na relações negociais. A questão não é puramente volitiva, de solução com base na vontade das partes, mas , muito pelo contrário, liga-se à causa do negócio jurídico, pois como ensina Pugliatti, ‘o acordo simulatório priva o negócio de sua causa’”.

associados à forma negocial criada. “Quer isso dizer que existe, na simulação, um desvio da causa: na simulação absoluta, as partes lançam mão do tipo, sem qualquer propósito negocial, mais precisamente, lançam mão de uma forma negocial, correspondente a um determinado tipo, sem o conteúdo correspondente (...) Na simulação relativa, subsiste o negócio dissimulado, se válido for na substância e na forma (art. 167, parte II), mas o negócio simulado, cuja função é encobrir o negócio dissimulado, continua sendo um negócio com desvio da causa, porque as partes não pretendem alcançar, com a sua celebração, os efeitos que lhe são próprios, correspondentes ao tipo negocial escolhido, mas, sim, os efeitos próprios do negócio dissimulado. Não visam à função econômico- social própria do negócio simulado, mas a do dissimulado”84.

No documento A simulação no código civil (páginas 30-37)