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O caráter instrumental do negócio simulado

No documento A simulação no código civil (páginas 47-55)

§ 2 A SIMULAÇÃO NO QUADRO DA AUTONOMIA PRIVADA

9. O caráter instrumental do negócio simulado

A percepção de que o negócio simulado não é o que aparenta ser (assim como o peixe-pedra não é uma pedra, mas um peixe) leva-nos, acompanhados da doutrina contemporânea, a inseri-lo no quadro da autonomia privada. Afinal de contas, a aparência é uma realidade juridicamente relevante que pode ser voluntariamente produzida105. O negócio simulado, portanto, institui um programa pelo qual as partes buscam reproduzir a

                                                                                                                           

104 F.DURAND, L’apparence en droit fiscal, Paris, LGDJ, 2009, p. 19.

105 U. MAJELLO, Il contratto simulato: aspetti funzionali e strutturali in Rivista di Diritto Civile, Padova, n. 5,

eficácia de um contrato queridamente desprovido de eficácia106; por outras palavras, ele é um instrumento de que se utilizam os contraentes para obter a representação, aos olhos dos terceiros, de um dado efeito jurídico (um ato translativo, o nascimento ou a extinção de uma obrigação etc.)107.

Um dos marcos na tentativa de superação da insuficiência das teses tracionais da simulação dá-se com a publicação da obra de Auricchio. O autor salienta que a redução da autonomia privada a um problema de simples correspondência entre o suporte fático e a respectiva previsão legislativa deixaria sem explicação a eficácia jurídica do regulamento de interesses contido no negócio jurídico. Seria, assim, compreensível que a moderna literatura jurídica tentasse suplantar a concepção pandectística segundo a qual toda eficácia resultaria da produção do suporte fático, buscando identificar os reais contornos da autonomia privada não mais no aspecto estrutural, mas sim no perfil dinâmico e funcional das relações jurídicas108.

O fenômeno da simulação colocaria em evidência esta dupla dimensão da autonomia privada, uma vez que as partes criam um título ou documento típico, apto a assumir relevância enquanto suporte fático estruturalmente perfeito, embora a este não correspondesse um regulamento efetivo. Por outras palavras, a autonomia privada comportaria duas diferentes valorações normativas: “Uma, que nesta sede se considera condicionada à perfeição do suporte fático legislativo, consiste na valoração operada pelo legislador sobre o comportamento das partes. A outra, ao invés, interna à primeira, é propriamente a valoração que as partes formulam quanto aos próprios interesses e encontra a sua expressão em termos de eficácia negocial”109.

                                                                                                                           

106 U. MAJELLO, Il contratto simulato... cit. (nota 105), p. 645.

107 N. CIPRIANI, La simulazione di effeti giuridici. Appunti sulla fattispecie, 2012, disponível em

<http://www.giurisprudenza.unisannio.it>, p. 8.

108 A. AURICCHIO, La simulazione... cit. (nota 19), p. 11. Tradução livre; no original: “Posta la questione in

questi termini, ben si comprende che la letteratura giuridica contemporanea tenti di superare quella tipica posizione pandettistica attraverso il superamento dello stesso concetto di fattispecie negoziale; conseguentemente, si cerca di cogliere le reali dimensioni del fenomeno dell’autonomia privata non più sotto l’aspetto strutturale, ma piuttosto nel suo profilo dinamico e funzionale”.

109 A. AURICCHIO, La simulazione... cit. (nota 19), p. 15. Tradução livre; no original: “L’una, che in questa

sede si ritiene condizionata alla perfezione della fattispecie legislativa, corrisponde alla valutazione operata dal legislatore sul comportamento delle parti. L’altra invece, interna alla prima, è proprio la valutazione che le parti fanno dei propri interessi e trova la sua espressione in termini normativi dell’efficacia negoziale”.

Auricchio defende que a relevância normativa da vontade poderia ser de dois tipos: em certos casos, aquela constituiria o pressuposto de fato de efeitos jurídicos predeterminados; em outras situações, teria o condão de determinar a extensão dos próprios efeitos jurídicos. Instaurar-se-ia, neste termos, uma oposição entre a dinâmica do suporte fático e a do regulamento de interesses. Esta dúplice relevância justificaria a circunstância de uma declaração preceptiva, como, por exemplo, o casamento, ser valorada, pela ordem jurídica, como mero ato legítimo. No caso do negócio simulado, a ausência de vontade de conteúdo – configurada na dimensão pré-jurídica – seria reconhecida, pela norma, como determinante do seu modo de ser, isto é, como fator apto a excluir a operatividade do regulamento de interesses, sem, porém, prejudicar a integridade do suporte fático110.

O negócio simulado, segundo o autor, não pareceria perfeito, mas efetivamente o seria. As partes não criariam um negócio fingido; a aparência referir-se-ia exclusivamente aos efeitos finais, que na verdade faltariam, conquanto os terceiros acreditassem no contrário. A referência à eficácia negocial, para além da dinâmica do suporte fático, seria confirmada pelo fato de que, na simulação, o regulamento de interesses estabelecido pelas partes – não o suporte fático – seria aparente111.

A teoria de Auricchio funda-se, como deixamos entrever, na suposição de que o regulamento de interesses seria um pacto nu, isto é, uma convenção não formalizada caracterizadora de um núcleo de pura eficácia112. O negócio jurídico, portanto, não consistiria num regulamento de interesses revestido por uma forma, mas na soma de um suporte fático – com base no qual se processaria o juízo de validade ou invalidade – e um pacto nu, responsável por atribuir operatividade ao suporte fático no plano da eficácia. Daí a definição da simulação como alteração patológica de um negócio jurídico capaz de excluir a sua eficácia113.

A doutrina, em geral, não tem acolhido esta segregação entre o suporte fático e o regulamento de interesses. Pelo contrário, prepondera o entendimento de que o regulamento de interesses integra o próprio suporte fático; e nisto, precisamente, consistiria

                                                                                                                           

110 A. AURICCHIO, La simulazione... cit. (nota 19), p. 77. 111 A. AURICCHIO, La simulazione... cit. (nota 19), p. 87. 112 A. AURICCHIO, La simulazione... cit. (nota 19), p. 12. 113 A. AURICCHIO, La simulazione... cit. (nota 19), p. 57.

a diferença entre o negócio jurídico e o ato jurídico em sentido estrito114. De todo modo, as proposições de Auricchio chamam a atenção para o fato de que a simulação não deve ser concebida como uma deficiência (quantitativa ou qualitativa), mas como um particular

modo de ser do negócio jurídico enquanto ato de autonomia privada.

Neste sentido, Ceroni sugere que o negócio simulado equivaleria a uma espécie de manifestação oblíqua da autonomia privada. A simulação, por si, seria indiferente para o direito; apenas se ela viesse acompanhada de um motivo determinante ilícito associado caberia uma reação contrária do ordenamento jurídico115. Já Majello identifica no negócio simulado uma manifestação anômala de autonomia privada116. O autor propõe a distinção entre a simulação juridicamente irrelevante e a simulação juridicamente relevante117. Pertenceriam ao primeiro grupo as declarações de vontade jocandi causa, docendi causa ou teatrais. No segundo grupo, estariam as simulações de negócios jurídicos propriamente ditas. Enquanto a simulação juridicamente irrelevante acarretaria a inexistência do negócio jurídico, por falta de elementos essenciais do suporte fático (a vontade, o acordo, o consenso etc.), isto não se daria com o negócio jurídico submetido à simulação juridicamente relevante, que não deixaria de viabilizar a composição entre os interesses dos contraentes.

A esta altura do discurso, poder-se-ia objetar que tais desenvolvimentos teóricos, observados no âmbito da doutrina italiana118, não poderiam servir de inspiração ao trabalho de interpretação do artigo 167. Deveras, os autores antes aludidos chegam à conclusão de que o negócio simulado seria válido, embora relativamente ineficaz119. Diversamente, o Código Civil de 2002 teria cominado, ao negócio simulado, a sanção de nulidade, o que deveria, supostamente, descartar a possibilidade de aquele integrar a esfera da autonomia privada.

Vale notar, porém, que a inclinação dogmática acima examinada também se faz presente em outros países. Na Espanha, por exemplo, Coderch sustenta que o direito civil

                                                                                                                           

114 R. SCOGNAMIGLIO, Contributo ala teoria del negozio giuridico, 2ª ed. (1969), Napoli, Jovene, 2008,

p. 103.

115 C. CERONI, Autonomia privata e simulazione, Padova, CEDAM, 1990, p. 22. 116 U. MAJELLO, Il contratto simulato... cit. (nota 105), p. 642.

117 U. MAJELLO, Il contratto simulato... cit. (nota 105), p. 641-656.

118 V., também, A.LUMINOSO, Il mutuo dissenso, Milano, Giuffrè, 1980, p. 220.

119 F.GALGANO, Il negozio giuridico, 2ª ed., Milano, Giuffrè, 2002, p. 368 ss.; F.MESSINEO, Il contratto in

espanhol não proibiria, em caráter geral, a simulação absoluta ou relativa, razão pela qual inexistiria um dever geral de abster-se de simular negócios jurídicos120. Na França, Dagot assevera que a simulação expressaria a necessidade humana de manter certos negócios em segredo; em alguns casos, a intenção das partes poderia até ser reprovável, por envolver a prática de fraude, contudo, nada autorizaria a suposição da existência de uma regra geral segundo a qual estaria proibida a prática da simulação121.

Vem, contudo, da Alemanha a confirmação da relação entre simulação e autonomia privada, a despeito da nulidade do negócio simulado. Como se sabe, o § 117 do Código Civil alemão reputa nulo o negócio simulado. Em vista disso, vários autores afirmam que o artigo 167 teria reproduzido o paradigma normativo do direito alemão122. Neste contexto, o paralelo entre o Código Civil de 2002 e o Código Civil alemão não se mostra despropositado.

Deve-se notar que numa obra mais recente que aquelas geralmente citadas pelos autores brasileiros que se valem do direito alemão como modelo para a interpretação do artigo 167, Kallimopoulos assevera, incisivamente, que a simulação não deveria ser explicada com base nas teorias da vontade ou da declaração, mas a partir do princípio da

autonomia privada. “O regramento do § 117, seções 1 e 2, do Código Civil alemão deve

ser tido como indissociável do princípio da autonomia privada, de modo que o apelo às teorias da declaração, da vontade e da validade123 se mostra descabido, e a problemática,

                                                                                                                           

120 P. S. CODERCH, Simulación Negocial, Deberes de Veracidad y Autonomía Privada in P. S. CODERCH – J.

M. S. SÁNCHEZ, Simulación e deberes de veracidad – Derecho civil e derecho penal: dos estudios de dogmática jurídica, Madrid, Civitas, 1999, p. 19-20.

121 M. DAGOT, La simulation... cit. (nota 50), p. 10. Neste contexto, afirma-se que o legislador francês teria

adotado uma abordagem juridicamente neutra com relação à simulação (Cf. F. DEBOISSY, La simulation en droit fiscal, Paris, LGDJ, 1997, p. 2). Eventual sanção jurídica somente tornar-se-ia aplicável em razão de uma causa superveniente e independente (e.g. fraude, dolo), mas não da simulação, em si. Os particulares, diz M. DAGOT, teriam o direito de manter certos negócios em segredo; logo, a simulação nada mais seria que um instrumento jurídico legítimo, corolário da autonomia, o qual, em princípio, não induz a ilicitude do contrato, nem tampouco implica qualquer prática proibida (p. 10).

122 Por exemplo: I. GAINO, A Simulação dos Negócios Jurídicos, 2ª ed., São Paulo, Saraiva, 2012, p. 46-47;

R. SENISE LISBOA, Manual de Direito Civil, v. 1 – Teoria Geral do Direito Civil, 6ª ed., São Paulo, Saraiva, 2010, p. 468; Humberto THEODORO JÚNIOR, Comentários... cit. (nota 38), p. 469.

123 O recurso às teorias da vontade e da declaração, no âmbito do estudo da simulação, houvera sido

questionado pela doutrina alemã. K.LARENZ (Allgeimeiner Teil des deutschen Bürgerlichen Rechts, 1975, trad. esp. de M. Izquierdo y Macías-Picavea, Derecho Civil – Parte General, Madrid, EDERSA, 1978, p. 450) defendia a adoção, pelo Código Civil alemão, de uma concepção ojetiva do negócio jurídico, fundada na pretensão de validez: “[e]n realidad, la declaración de voluntad jurídico-negocial es no sólo una comunicación, sino una manifestación de validez, y, como tal, es en los casos una realización de la voluntad que se dirige a producir efectos jurídicos, la cual se hace valer en ella. La voluntad meramente interna nada puede producir. Si hago saber a otro únicamente que quiero (actualmente) esto o aquello, no por eso se me

suscitada pela discussão completamente supérflua destas teorias contribuirá mais para tornar as questões obscuras que para esclarecê-las”124.

Dando um passo além, Kallimopoulos postula que a ausência de pretensão de validade seria apreendida, pela ordem jurídica, como uma particular concretização da autonomia privada: o lado negativo da autonomia privada. Inspirado em Kant, o autor distingue duas dimensões da autonomia privada: a positiva e a negativa. A autonomia privada positiva seria aquela concretizada com a produção de atos que vinculariam os particulares, com vistas à efetiva produção de efeitos jurídicos; a autonomia privada

negativa consistiria na atuação destinada à não obtenção de efeitos jurídicos, isto é, à

criação da simples aparência negocial125.

Para Kant, toda grandeza negativa (inclusive o lado negativo da liberdade) seria, na verdade, uma grandeza positiva, com a peculiaridade de se colocar, circunstancialmente, em oposição com outra grandeza. Não haveria, porém, de se confundir a grandeza negativa com a ausência de qualquer grandeza126.

                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                   

impide querer otra cosa acto seguido. Por el contrario, si digo: ‘Me comprometo a hacer esto o aquello’, esta declaración tiene carácter definitivo. El declarante – en tanto que no se reserve la revocación – renuncia a la posibilidad de alegar una modificación de su voluntad; se ha ‘vinculado’ mediante la declaración. Así considerada, la declaración de voluntad – no de otro modo que una ley o una sentencia firme – es un acto determinante. Este tiene por fin no sólo dar a conocer un hecho exterior a él mismo, sino inmediatamente la producción del efecto jurídico en él señalado, al manifestar que éste (con la declaración y desde ahora) debe tener validez”. Em sintonia com este entendimento, ENNECCERUS – H. C. NIPPERDEY (Derecho Civil... cit., nota 43, p. 314) enfatizam que interpretação diversa poderia conduzir a situações de perplexidade: o § 117, que rege a simulação, por exemplo, poderia ser bem explicado e interpretado, indistintamente, segundo a teoria da vontade ou a teoria da declaração; a redação do parágrafo não permitiria chegar a conclusão alguma, em favor de uma, ou outra abordagem dogmática. Em vista disso, melhor que concluir que o legislador alemão teria adotado uma solução de compromisso entre as teorias antagônicas, seria atestar a eleição de uma opção legislativa alternativa aos dogmas da vontade e da declaração (Derecho Civil... cit., nota 43, p. 315). Nesse contexto, ao negócio simulado de que trata o § 117 do Código Civil alemão faltaria a pretensão de validade; as partes o estipulariam com o objetivo exclusivo de criar uma aparência enganadora (K. LARENZ, Derecho Civil... cit., supra, p. 500).

124 G. D. KALLIMOPOULOS,Die Simulation im bürgerlichen Recht – Eine rechtsdogmatische Untersuchung,

München, Verlag, 1966, p. 20-21. Tradução livre; no original: “Die Regelung des § 117 Abs. 1 und 2 BGB ist unmittelbar mit dem Grundsatz der Privatautonomie zu bregünden, so daβ eine Heranziehung der Willens- , Erklärungs- und Geltungstheorien fehl am Platze ist, und die Problematik durch einen durchaus entbehrlichen Theorienstreit eher getrübt als gelöst wird”.

125 G. D. KALLIMOPOULOS, Die Simulation... cit. (nota 124), p. 21.

126 Para chegar a esta conclusão, I. KANT (Versuch den Begriff der negativen Grössen in die Weltweisheit

eizuführen, 1763, trad. port. de Jair Barboza, Ensaio para introduzir a noção de grandezas negativas em filosofia in Ensaios pré-críticos, São Paulo, UNESP, 2005, p. 57-58) parte da diferença entre oposições lógicas e reais. “A primeira oposição, vale dizer, a lógica, é a única para a qual se dirigiu a atenção. Ela consiste no seguinte: de uma única e mesma coisa, afirma-se e nega-se algo ao mesmo tempo. A conseqüência dessa conexão lógica é absolutamente nada”. Na oposição, lógica, a oposição entre dois predicados dá-se em razão do princípio da contradição; isto, contudo, não ocorreria no caso da oposição real.

A ideia de duas grandezas que se opõem, em sentidos opostos, acarretando o

repouso – que não se confundiria com o nada – encontra-se claramente representada na

interpretação dada por Kallimopoulos ao § 117 do Código Civil alemão: “[v]ista a questão do ponto de visto jurídico de terceiros não participantes, as relações de simulação correspondem exatamente ao caso em que as partes envolvidas na relação jurídica permanecem imóveis e, por isso, permanecem na mesma situação jurídica. No suporte fático do § 117, seção 1 do Código Civil alemão, as partes estão de acordo que todo seu curso de ação deixará a conjuntura jurídica atual inalterada”127.

Os mais céticos poderiam, neste passo, arguir que uma atuação dos particulares voltada à criação de nenhum vínculo jurídico seria irrelevante, logo, não guardaria qualquer relação com a autonomia privada. Esta preocupação, porém, não se justificaria.

Em primeiro lugar, como se sabe, há negócio jurídico ainda que as partes não desejem vincular-se, uma perante a outra. O ato praticado é, ao mesmo tempo, meio e fim da atividade privada, porquanto o seu escopo coincide com o ato da sua celebração. Trata- se, aí, de uma concreta manifestação de autonomia negocial, calcada na exclusão do significado jurídico que, de outro modo, atribuir-se-ia ao comportamento privado128.

Ao examinar esta questão, Cariota Ferrara, curiosamente, admite a função ou relevância negativa da autonomia privada (qualquer semelhança com a terminologia empregada por Kallimopoulos é mera coincidência...). As partes não poderiam – ressalva o autor – criar ou forjar os efeitos de um negócio jurídico, pois isto seria contra a ordem pública. Nada impediria, contudo, que excluíssem a vinculatividade do comportamento

                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                   

“Aqui também se suprime algo que é posto pelo outro; contudo, a conseqüência é algo (cogitabile). A força motriz de um corpo que se dirige a uma região, bem como um esforço igual do mesmo corpo na direção oposta, não se contradizem e, como predicados, são possíveis ao mesmo tempo num mesmo corpo. A conseqüência disso é o repouso, que é algo (repraesentabile)”.

127 G. D. KALLIMOPOULOS, Die Simulation... cit. (nota 124), p. 21. Tradução livre; no original: “Sieht man

zunächst noch von der Rechtsstellung unbeteiligter Dritter ab, so entsprechen die Verhältnisse bei der Simulation genau dem Fall, in dem die Rechtsgenossen untätig bleiben und dadurch an der bestehenden Rechstlage festhalten. Bei dem Tatbestand des § 117 Abs. 1 BGB die Parteien in Einverständnis darüber, daβ ihr ganzes Vorgehen die bisherige Rechtslage unverändert lassen wird”.

128 R.SCOGNAMIGLIO, Contributo... cit. (nota 114), p. 213. Tradução livre; no original: “Si tratta insomma,

nel caso in esame, di una esplicazione concreta dell’autonomia delle parti, la cui efficacia si spiega appunto in virtù del riconoscimento nel nostro diritto della libertà negoziale; si realizza in definitiva un negozio che ha per contenuto l’esclusione del significato giuridico che altrimenti competerebbe al comportamento privato”.

negocial, desde que esta vontade fosse clara e perfeitamente recognoscível pelo destinatário da declaração129.

Em segundo lugar, deve-se atentar que, por meio do negócio simulado, as partes não se limitam a excluir a vinculatividade do regulamento de interesses; fazem exatamente aquilo que, segundo Cariota Ferrara, seria censurável: forjam os seus efeitos. O negócio simulado encerra uma precisa e complexa regulamentação de interesses130, mediante a qual as partes adotam condutas capazes de suscitar, no público, a convicção (incorreta) sobre a vigência de uma determinada relação jurídica. Desse modo, a simulação extrapola o lado

negativo da autonomia privada pois se fundamenta no ajuste de um particular regramento

aplicável aos interesses dos simuladores, direcionado ao alcance de um determinado resultado jurídico131.

O escopo dos simuladores consiste em determinar a exterioridade de uma operação negocial que, a qualquer observador, possa parecer eficaz132. Logo, ao realizar a operação simulada, as partes definem metas que pretendem implementar mediante condutas logicamente e finalisticamente articuladas, imprimindo, de tal maneira, uma direção unitária aos vários momentos que integram a operação perseguida133. O negócio simulado, portanto, assume uma feição instrumental quanto a interesses mais amplos compartilhados pelos contraentes134.

A construção aqui empreendida amolda-se ao direito positivo. No artigo 167, encontra-se expressa referência à aparência (inciso I do § 1º). Ademais, a menção à (ausência) de verdade (inciso II do § 1º) remete ao engano de terceiros (pois somente estes a desconheceriam). O inciso II do § 1º do artigo 167 preceitua concretizar-se a simulação diante da inserção, no negócio jurídico, de declaração não verdadeira; não seria descabido parafrasear as hipóteses descritas incisos I e III do § 1º em termos análogos: haveria

                                                                                                                           

129 L.CARIOTA FERRARA, Il negozio giuridico... cit. (nota 34), p. 55.

130 G. CONTE, La simulazione del matrimonio nella teoria del negozio giuridico, Padova, CEDAM, 1999,

p. 380.

131 U. MAJELLO, Il contratto simulato... cit. (nota 105), p. 642.

132 F. ANELLI, Simulazione e interposizione in M. COSTANZA (cur.), Vincenzo Roppo – Trattato del contrato,

v. III – Effeti, Milano, Giuffrè, 2006, p. 571.

133 G.CONTE, La simulazione del matrimonio... cit. (nota 130), p. 381.

134 F. ANELLI, Simulazione e interposizione cit. (nota 132), p. 572; U. MAJELLO, Il contratto simulato... cit.

(nota 105), p. 646; A. VALENTE, Nuovi profili della simulazione e della fiducia – Contributo ad un superamento della crisi della simulazione, Milano, Giuffrè, 1961, p. 168.

simulação quando o negócio jurídico contivesse uma atribuição não verdadeira de direitos a determinado sujeito, ou, quando o respectivo instrumento particular lhe assinalasse marcos temporais de vigência não verdadeiros.

Ao descrever a simulação nestes termos, o artigo 167 acolhe a concepção segundo a qual a simulação decorre de um procedimento negocial que visa a induzir uma incorreta apreciação da realidade por parte da comunidade. Tal situação não se afere pela perspectiva pessoal, de cada terceiro em particular, mas sob o enfoque pelo qual a generalidade dos terceiros apreende o negócio simulado. A simulação possui a habilidade, objetivamente aferível, de difundir um erro coletivo135. Este resultado não se produz por brincadeira, nem constitui obra do acaso. Enganar o público mediante a criação de uma

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