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Declaração, confissão, condição ou cláusula não verdadeira

No documento A simulação no código civil (páginas 169-172)

CAPÍTULO II – AS MANIFESTAÇÕES DA SIMULAÇÃO

28. Declaração, confissão, condição ou cláusula não verdadeira

A simulação por inserção, no negócio jurídico, de declaração, confissão, condição ou cláusula não verdadeira, prevista no inciso II do § 1º do artigo 167, costuma-se denominar simulação objetiva. A ilusão negocial recai sobre o conteúdo do regulamento de interesses estipulado pelas partes. Em geral, esta hipótese típica relaciona-se aos seguintes elementos489:

(a) a existência do negócio jurídico, mormente nos casos de simulação absoluta; (b) a natureza do negócio jurídico, quando o negócio ostensivo resulte de uma

alteração do tipo correspondente ao negócio dissimulado;

(c) o valor da prestação, quando o quantum devido por um, ou ambos os contraentes, seja ilusório.

A rigor, confissão, condição, e cláusula, são espécies do gênero declaração. Isto poderia sugerir ter sido, a norma, redundante na enumeração dos fatos sobre os quais poderia incidir a simulação objetiva. A estrutura proposicional do dispositivo em comento põe em destaque o caráter típico desta; o legislador alude a expressões de alcance semântico distinto, como se estivesse desenhando a imagem global de um fenômeno. Não verdadeiras, a teor do inciso II do § 1º do artigo 167, são as declarações, tais como a confissão, a condição e a cláusula.

O texto da norma ainda submete, à apreciação do intérprete, a delicada questão relativa à simulação da confissão. Segundo a doutrina hegemônica, a confissão não se prestaria a criar, extinguir, ou modificar uma relação jurídica, mas a atestar um estado de coisas relacionado a uma situação jurídica490. Seria uma declaração enunciativa ou

representativa, desprovida de caráter negocial491.

Neste particular, Sacco defende que declarações como a confissão e a quitação, quando artificialmente emitidas, não seriam exatamente simuladas, mas irrealistas

                                                                                                                           

489 C. A. MOTA PINTO, Teoria Geral... cit. (nota 435), p. 470-71. 490 R. SACCO – G. DE NOVA, Il contratto cit. (nota 153), p. 650. 491 E. BETTI, Teoria generale... cit. (nota 53), p. 151.

(“velleitarie”). O traço que as caracterizaria seria a falsidade ideológica492. Para exemplificar este comportamento negocial, Sacco descreve a situação em que Tício, querendo doar para além da parte disponível do seu patrimônio, celebra contrato de empréstimo com Caio, e, na sequência, dá-lhe quitação. Nesta situação, as partes quereriam os efeitos do ato cognoscitivo mentiroso493. O autor, na sequência, afirma que estas considerações conduziriam a um alargamento da noção de simulação, a qual passaria a englobar, também, as declarações de ciência494.

Em sentido contrário, Giorgianni aduz que confissão possuiria conteúdo negocial. Para o autor, o animus confitendi, subjacente à confissão, faria desta uma declaração de vontade, não de verdade. A intenção de quem confessa seria a de criar uma prova em favor do confitente, com vistas a eliminar incertezas atinentes a uma relação jurídica. Esta intenção corresponderia a um escopo negocial, em vista do qual a confissão assumiria o caráter de negócio declarativo (“negozio di accertamento”) unilateral495.

A tese acima exposta seria, no entanto, duramente criticada por Pontes de Miranda. Para o autor, a concepção da confissão como negócio jurídico estaria definitivamente superada, uma vez que teria se fundado em grave confusão entre a confissão extrajudicial e o negócio jurídico declaratório ou recognoscitivo unilateral. A confissão, portanto, seria um meio de prova fundado numa declaração de verdade (=enunciado de fato)496.

Com efeito, a doutrina italiana tem consolidado o entendimento de que a confissão seria produto de um ato não negocial497. Esclarece, a propósito, Mirabelli, que a presença do animus confitendi não seria suficiente para justificar o caráter negocial da confissão, pois muitos atos não negociais (e.g. fixação de domicílio) dependem de um ânimo psíquico dirigido a uma atividade de fato. Na realidade, quem confessa não dispõe e não se vincula; a lei limita-se a atribuir, ao ato praticado, a condição de prova plena ou prova legal. Na confissão, o confitente expressa sua própria representação sobre um fato.

                                                                                                                           

492 R. SACCO, Simulazione cit. (nota 141), p. 3 493 R. SACCO, Simulazione cit. (nota 141), p. 3.

494 Sobre a distinção, v. L. CARIOTA FERRARA, Il negozio giuridico... cit. (nota 34), p. 41. 495 M.GIORGIANNI, Il negozio di accertamento, Milano, Giuffrè, 1939, p. 153 ss.

496 F. C. PONTES DE MIRANDA, Tratado de Direito Privado, v. 3, atual. por M. Bernardes de Melo e Marcos

Ehrhardt Jr., São Paulo, Revista dos Tribunais, 2012, p. 551.

Nesse estado de coisas, a confissão configura uma participação de representação498, para cuja produção tem importância a orientação volitiva do sujeito499.

O tema afeito à simulabilidade da confissão ocupou muitas páginas da doutrina italiana, tendo prevalecido o entendimento de que as declarações de ciência em geral (dentre as quais se destaca a quitação) não seriam simuláveis500. Sacco, quando abriu divergência em face da opinião dominante, viu-se na contingência de ampliar a abrangência da noção de simulação501. No direito brasileiro, porém, não há necessidade de se alargar a noção de simulação, como se, sob a guarida de uma só denominação, fossem congregados eventos heterogêneos.

Segundo a opção do nosso legislador, as declarações simuláveis são tanto as dispositivas (negociais, ou de vontade) como as enunciativas ou representativas (de ciência, ou de verdade). Em vista disso, a confissão pode ser simulada, embora por intermédio da falsidade. Isto, a bem se ver, confirma o nosso entendimento de que a simulação decorre da criação da ilusão negocial; a aparência de adimplemento, ou de débito, pode ser criada por meio da falsa confissão. Esta compreensão, ademais, lança luz sobre a proximidade, admitida pelo nosso direito, entre a simulação e a falsidade ideológica502.

Indo adiante, insta assinalar que não são apenas as declarações geneticamente não verdadeiras que podem dar azo à simulação; esta também pode decorrer da superveniente inveracidade da relação jurídica. Considere-se, por exemplo, que Caio e Tício tenham celebrado contrato de locação, o qual permaneça em vigor por um ano; ao final deste período, as partes decidem resili-lo, mas mantêm este ato em sigilo, de maneira que, aos olhos de terceiros, o contrato continue em vigor, e os pagamentos realizados por Tício sejam vistos como relacionados a aluguéis. Diante deste cenário, Sacco – De Nova diriam que não haveria simulação, pois esta não surgiria quando as partes ocultassem uma declaração verdadeira503; seriam, contudo, desmentidos por Furgiuele504, o qual,

                                                                                                                           

498 Ver tópico 33 .

499 G.MIRABELLI, L’atto non negoziale nel diritto privato italiano, Napoli, Eugenio Jovene, 1955, p. 354-

356.

500 T. MONTECCHIARI, La simulazione del contratto, Milano, Giuffrè, 1999, p. 18-23. 501 R. SACCO, Simulazione cit. (nota 141), p. 3

502 V. tópico 18.

perspicazmente, reconhece que a ilusão negocial não pressupõe, necessariamente, a exposição de uma declaração nova (não verdadeira), mas qualquer ato, inclusive a simples ocultação de uma alteração da relação jurídica original, que seja capaz de induzir o público ao engano.

Situações como esta, ademais, mostram o quão equivocada é a concepção de que o acordo simulatório seria sempre anterior, ou, quando muito, contemporâneo à celebração do negócio simulado505. O acordo simulatório é anterior, ou contemporâneo, à simulação506; mas esta bem pode se instalar a partir de um negócio que, de início, não era simulado. Isto denota, ainda, que o negócio simulado, isto é, aquele que estabelece o regulamento de interesses entre as partes com vistas à criação da ilusão negocial, não se confunde com o “negócio aparente”; porquanto, como evidencia o exemplo acima colacionado, o negócio simulado entraria em vigor exatamente no momento em que o negócio não simulado, anterior, fosse resolvido, e passasse, a partir de então, a ser mera aparência.

No documento A simulação no código civil (páginas 169-172)