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Antedata e pós-data

No documento A simulação no código civil (páginas 172-174)

CAPÍTULO II – AS MANIFESTAÇÕES DA SIMULAÇÃO

29. Antedata e pós-data

A terceira das hipóteses típicas enunciadas pelo § 1º do artigo 167 é a antedata ou pós-data de instrumentos particulares.

Cuida-se de simulação relativa, pois, a despeito da data aparente, há outra que demarca o início da vigência da relação jurídica estabelecida entre as partes507.

A data é veiculada por meio de uma declaração de ciência508; trata-se de um elemento extrínseco do negócio jurídico, do qual depende a definição de sua identidade histórica509. Esta afirmação dá ensejo a uma intrigante indagação: se as declarações de

                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                   

504 G. FURGIUELE, Della simulazione... cit. (nota 144), p. 68 ss. 505 F.MESSINEO, Il contratto in genere cit. (nota 88), p. 453. 506 G. FURGIUELE, Della simulazione... cit. (nota 144), p. 84-85. 507 F. C. PONTES DE MIRANDA, Tratado... cit. (nota 220), p. 519-521.

508 R. SACCO,Simulazione cit. (nota 141), p. 3. Contra: F. FERRARA, A simulação... cit. (nota 20), p. 282,

nota 3.

509 Antônio JUNQUEIRA DE AZEVEDO, Negócio Jurídico... cit. (nota 440), p. 33-34: “Se o fato jurídico é um

fato do mundo real sobre o qual a norma jurídica incide, torna-se intuitiva a evidência que não há fato jurídico sem data e lugar. O que tem confundido esse assunto é a circunstância de que não é muito comum o legislador estabelecer um requisito para os elementos tempo e lugar do negócio jurídico; segue-se daó que, na hipótese normativa do fato jurídico (isto é, no seu ‘suporte fático’), os elementos tempo e lugar ficam, em geral, apenas implícitos. Por outras palavras, se todo fato jurídico tem data e lugar, isso significa que ambos

ciência podem ser simuladas, nos termos do que dispõe o inciso II do § 1º do artigo 167, por qual motivo teria, o legislador, reiterado esta possibilidade, no inciso III, especificamente no que tange à data?

À evidência, o inciso III do § 1º do artigo 167 não tem por objetivo prever a simulabilidade da data, pois esta previsão positiva já consta do inciso anterior. De fato, o inciso II do § 1º do artigo 167 reputa simulados os negócios jurídicos que contenham tanto declarações dispositivas como declarações de ciência, como a data e o local da contratação. Na verdade, o dispositivo relativo à antedata e à pós-data ventila uma prescrição de caráter negativo: o papel desta não é o de reconhecer a simulabilidade da data, mas o de restringi- la aos negócios jurídicos formalizadas por instrumentos particulares. Por certo, o legislador viu que não seria necessário prever a impossibilidade de se simular o local da celebração indicado em instrumentos públicos (pois este somente poderia ser aquele em que se situasse o tabelionato responsável pela lavratura da escritura), mas a data, ao menos em princípio, poderia ser simulada mesmo em escritos públicos. Isto, obviamente, demandaria a participação do oficial público no acordo simulatório; é exatamente esta hipótese que o comando normativo em questão vem excluir.

O inciso III do § 1º do artigo 167 cria uma presunção iure et de iure quanto à lisura do comportamento dos oficiais públicos que intervenham nas relações privadas. Por conta dessa presunção, a escritura pública jamais será acometida pela simulação; quando muito, admitindo-se que os tabeliães possam cometer erros, configurar-se-á a falsidade.

Deve-se observar, contudo, que nem sempre a antedata ou pós-data deve justificar a qualificação do negócio como simulado. É necessário atentar à ratio que subjaz à previsão do inciso III do § 1º do artigo 167: o negócio, ali referido, cujo instrumento particular encontra-se antedatado ou pós-datado é, antes de tudo, um negócio simulado. Logo, serve de instrumento para a perpetração de uma ilusão atinente à vigência do negócio jurídico. Portanto, acaso se verificasse o simples fato objetivo da antedata ou pós-

                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                   

são elementos de todo fato jurídico (inclusive do negócio jurídico), ainda que raramente a eles se imponham requisitos. Entretanto, a importância de ambos esses elementos é, ainda assim, não pequena; mesmo quando não há qualquer requisito a seu respeito, eles servem inegavelmente para a exata identificação do negócio; isto é evidente diante do costume jurídico notório de se datar e colocar o lugar de feitura em todos os documentos”.

data, sem, contudo, poder-se concluir que este tivesse servido como índice de significação artificialmente criado pelos simuladores, não caberia atestar-se a simulação.

Esclareça-se este ponto por meio dos seguintes exemplos:

(a) Caio e Tício celebram um contrato de compra e venda no dia 03/04/2006; objetivando beneficiar-se de um regime tributário favorecido, cuja norma instituidora houvera sido revogada em 30/03/2006, as partes resolvem antedatar o instrumento particular relativo ao negócio jurídico realizado; e (b) Caio e Tício celebram um contrato de compra e venda no dia 03/04/2006; por

comum deliberação das partes, o negócio jurídico é celebrado sob a forma oral. Em 05/09/2009, Caio precisa apresentar, a determinada autoridade pública, prova quanto à celebração do referido contrato. Nesta data, assinam as partes, então, instrumento particular, o qual resolvem antedatar.

Em ambos os exemplos, observa-se a assinatura de instrumento particular antedatado. Há, pois, a presença da hipótese descrita no artigo 167, § 1º, inciso III. Isto significaria, necessariamente, que, nas duas situações, haveria simulação?

A resposta afigura-se negativa. Apenas no exemplo (a) o instrumento particular antedatado teria servido aos desígnios de criar a ilusão negocial. No exemplo 2, a antedata seria, quando muito, uma inadequada forma de ratificar a vigência da relação jurídica pretérita (melhor seria que as partes assinassem um instrumento particular em 05/09/2009, com a indicação, nos “consideranda”, de que o contrato houvera sido concluído oralmente em 03/04/2006; e com a determinação, em cláusula específica, de que os termos ali pactuados aplicar-se-iam à disciplina das relações entre as partes a partir de 03/04/2006); contudo, não haveria engano nem traição da boa-fé do público, pois a relação jurídica efetivamente vigorava desde a data apontada no instrumento particular.

No documento A simulação no código civil (páginas 172-174)