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A tutela coletiva como instrumento de acesso à justiça

O pensamento jurídico moderno vem demonstrando preocupação com o direito de acesso à justiça, não apenas como ponto nodal do direito processual atual, mas como deveras essencial no esquema da democracia e do Estado Social.129

O exercício da função jurisdicional, monopólio do Estado, é deflagrado pelo direito de ação, ou seja, pela provocação do indivíduo lesado ou ameaçado em seus direitos que busca protegê-los e efetivá-los. Em regra, vigora o princípio da demanda ou do dispositivo, sendo a atuação do juiz ex officio reservada a hipóteses excepcionais. Patrícia Miranda Pizzol discorre que o princípio do acesso à justiça relaciona-se diretamente com o princípio dispositivo porque o Estado julga a lide quando provocado e nos limites dessa provocação (CPC, art. 2º, 128, 460), salvo questões de ordem pública que podem ser conhecidas de ofício pelo juiz (CPC, art. 267, § 3º, e 301, § 4º; CDC, art. 1º), o que representa a incidência do princípio inquisitório no processo civil.130

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BENJAMIN, Antônio Herman V. A insurreição da aldeia global contra o processo civil clássico – apontamentos sobre a opressão e a libertação judiciais do meio ambiente e do consumidor. Ação Civil

Pública – Lei 7.347/85 – Reminiscências e Reflexões após dez anos de aplicação. Coord. Edis Milaré. São

Paulo: RT, 1995. p. 71-72. 130

PIZZOL, Patrícia Miranda. A tutela antecipada nas ações coletivas como instrumento de acesso à justiça.

Processo e Constituição, Estudos em homenagem ao Professor José Carlos Barbosa Moreira. Coord. Luiz

Se o Estado proibiu a tutela privada e reservou a si, em monopólio, o exercício da jurisdição, tem, em contrapartida, o dever de garantir a todos o acesso à justiça para uma efetiva proteção dos direitos.131

A toda e qualquer pessoa, pois, deve ser garantido o acesso à justiça, expressão definida por Cappelletti e Garth como aquela que:

[...] serve para determinar duas finalidades básicas do sistema jurídico – o sistema pelo qual as pessoas podem reivindicar seus direitos e/ou resolver seus litígios sob os auspícios do Estado. Primeiro, o sistema deve ser igualmente acessível a todos; segundo, ele deve produzir resultados que sejam individual e socialmente justos.132

Não há como se vislumbrar o acesso à justiça sem que haja efetiva proteção dos titulares dos direitos substanciais. O processo deve ser um instrumento idôneo a produzir, se o caso, resultados concretos, com a realização do direito material no mundo fenomênico, não mais se podendo contentar com a mera declaração dos direitos.133

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Os processualistas Antônio Carlos de Araújo Cintra, Ada Pellegrini Grinover e Cândido Rangel Dinamarco lecionam que na ausência de um Estado forte para impor o direito acima das vontades dos particulares, os conflitos eram solucionados pelo regime da autotutela, caracterizado pela imposição, por meio da força, da decisão de uma das partes à outra, pelo regime da autocomposição, decorrente da desistência ou renúncia à pretensão, da submissão ou renúncia à resistência oferecida à pretensão ou da transação mediante concessões recíprocas, ou pelo regime da arbitragem, deixando a solução do litígio a uma pessoa de confiança das partes (CINTRA, Antônio Carlos de Araújo. GRINOVER, Ada Pellegrini. DINAMARCO, Cândido Rangel. Teoria Geral do Processo. 10. ed. São Paulo: Malheiros, 1994. p. 20 e ss). E, ainda, Luiz Guilherme Marinoni: “O Estado, ao proibir a autotutela privada e assumir o monopólio da jurisdição, assumiu também o dever de tutela de forma efetiva todas as situações conflitivas concretas; o Estado, portanto, não pode deixar de dar resposta adequada aos direitos por ele mesmo proclamados. O direito de acesso à justiça, atualmente, é reconhecido como o direito que deve garantir a tutela efetiva de todos os demais direitos. A importância que se dá ao direito de acesso à justiça decorre do fato de que a ausência de tutela jurisdicional efetiva implica a transformação dos direitos garantidos constitucionalmente em meras declarações políticas, de conteúdo e função mistificadores” (MARINONI, Luiz Guilherme. Tutela

Inibitória (Individual e Coletiva). São Paulo: RT, 1998. p. 65).

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CAPPELLETTI, Mauro; GARTH, Bryant. Acesso à Justiça. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris Editor, 2002. p. 08.

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“O processo não cumprirá sua finalidade, de pacificação social e de segurança jurídica, de instrumento de expressão da cidadania, próprio de uma democracia participativa, enquanto for visto e estudado como mera especulação acadêmica, apenas como pura retórica e ciência isolada e descolada do direito material, sem que esteja voltado à busca e à resolução dos problemas da vida, sem que seu norte esteja direcionado a resultados práticos que evitem ou atenuem os conflitos sociais” (SHIMURA, Sérgio. Tutela Coletiva e sua efetividade. São Paulo: Método, 2006. p. 21).

Sábias as conhecidas palavras de Norberto Bobbio a respeito da necessidade de se garantir a proteção efetiva dos direitos: “[...] descendo do plano ideal ao real, uma coisa é falar dos direitos do homem, direitos sempre novos e cada vez mais extensos, e justificá- los com argumentos convincentes; outra coisa é garantir-lhes uma proteção efetiva”.134

Após lembrar que o conceito de acesso à justiça sofreu importantes modificações em razão da atualização do Direito decorrente da necessidade de tutelar os direitos de massa e considerando o seu campo de extensão, Antônio Herman V. Benjamin salienta que a expressão acesso à justiça refere-se ao acesso à tutela jurisdicional (composição de litígios via judicial), acesso à tutela de direitos ou interesses violados (com mecanismos jurídicos com natureza preventiva, reparatória ou repressiva) e acesso ao direito, ou seja, a uma ordem jurídica justa (com distribuição igualitária de justiça na ordem social), conhecida (reconhecimento dos direitos pelos titulares sociais e individuais) e implementável (efetiva).135

Cappelletti e Garth também ressaltam que o conceito de acesso à justiça vem sofrendo importantes modificações, deixando de ser um direito meramente formal do indivíduo, concebido na filosofia individualista que predominava nos estados liberais burgueses dos séculos XVIII e XIX, para evoluir à busca e satisfação de um efetivo acesso à justiça, encarado, agora, como o mais básico dos direitos fundamentais de um sistema jurídico que não se limite a declarar direitos, mas que pretenda efetivamente garanti-los.136

134

BOBBIO, Norberto. A era dos direitos. Rio de Janeiro: Elsevier, 2004. p. 80. 135

BENJAMIN, Antônio Herman V. A insurreição da aldeia global contra o processo civil clássico – apontamentos sobre a opressão e a libertação judiciais do meio ambiente e do consumidor. Ação Civil

Pública – Lei 7.347/85 – Reminiscências e Reflexões após dez anos de aplicação. Coord. Edis Milaré. São

Paulo: RT, 1995. p. 74-75. 136

CAPPELLETTI, Mauro; GARTH, Bryant. Acesso à Justiça. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris Editor, 2002. p. 09-13. Antônio Herman V. BENJAMIN afirma que os princípios da demanda, do dispositivo, da regra da legitimação ordinária, da paridade processual e da autoridade limitada da coisa julgada, que trazem uma marcante carga individualista própria das sociedades do século XIX, não mais atendem à finalidade do processo de se realizar uma tutela jurisdicional eficaz e justa (A insurreição da aldeia global contra o processo civil clássico – apontamentos sobre a opressão e a libertação judiciais do meio ambiente e do

A doutrina identificou diversos obstáculos que teriam de ser superados para se efetivar a garantia do acesso à justiça e apresentou algumas soluções que surgiram em seqüência mais ou menos cronológica, iniciando-se na década de 1960. A primeira solução, destinada a eliminar os altos custos de um processo para as partes, agravados quando o montante da controvérsia é pequeno ou pelos efeitos do tempo (em regra, não razoável) de duração de um processo, foi enfocada na assistência judiciária. Em seguida, surgiu o movimento denominado de segunda onda renovatória do acesso à justiça e tendente a possibilitar a representação jurídica para os interesses difusos. Finalmente, a terceira onda, chamada de enfoque à justiça, foi uma tentativa de se levar em conta todos os fatores impeditivos do acesso à justiça e abordá-los de forma ampla.137

Interessa-nos, neste momento, a análise da segunda onda renovatória, em relação à qual se costuma afirmar, com acerto, que a permissão de se tutelarem de forma coletiva diversos direitos e interesses constituiu-se em importante instrumento para a consubstanciação da garantia constitucional de acesso à justiça (ordem jurídica justa).

Isso porque o processo civil ortodoxo, concebido para a resolução de litígios individuais, mostrou-se ineficaz para a defesa dos direitos ou interesses transindividuais.138 A necessidade de se identificar um titular do direito subjetivo impedia a defesa dos interesses coletivos em sentido amplo, pertencentes a um só tempo a ninguém e a todos os integrantes de uma coletividade, muitas vezes nem sequer deteminavéis, de modo que a

consumidor. Ação Civil Pública – Lei 7.347/85 – Reminiscências e Reflexões após dez anos de aplicação. Coord. Edis Milaré. São Paulo: RT, 1995. p. 78-79).

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CAPPELLETTI, Mauro; GARTH, Bryant. Acesso à Justiça. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris Editor, 2002. p. 15-73.

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Mesmo o instituto do litisconsórcio não se mostrou adequado, pois em razão dos inúmeros incidentes processuais que pode gerar, a celeridade da prestação jurisdicional não se mostrará atendida (SHIMURA, Sérgio. O papel da associação na ação civil pública. Processo Civil Coletivo. Coord. Rodrigo Mazzei e Rita Dias Nolasco. São Paulo: Quartier Latin, 2005. p. 145).

ninguém era dado o direito de defender esse interesse em juízo ou, quando isso ocorria, nada impulsionava o indivíduo a agir dessa forma. Muitos interesses ou direitos ficavam à margem da proteção jurisdicional. Então foi preciso que a doutrina empregasse energia para remodelar os conceitos tradicionais de legitimidade, a fim de que esses direitos pudessem ser tutelados por um ou alguns representantes dos seus verdadeiros titulares (coletividade, categoria, grupo ou classe de pessoas).

O jurista peninsular Mauro Cappelletti discorre sobre as várias possibilidades de legitimidade para a defesa desses interesses metaindividuais, que deve ter como ponto fundamental a presença da representatividade adequada, ou seja, a possibilidade de o representante bem desempenhar o seu papel de porta-voz dos titulares dos interesses metaindividuais.

Cappelletti afirma que deixar a legitimidade para a defesa dos interesses coletivos em sentido amplo apenas ao indivíduo corresponde a limitar uma efetiva proteção a esses direitos, porque o indivíduo ou ignora seus direitos ou tem pretensões limitadas que não o impulsionam a agir em juízo ou mesmo receia as grandes despesas processuais que podem decorrer de uma demanda judicial.139

Aponta uma inadequação do Ministério Público para fazer-se paladino dos interesses massificados, mercê de sua histórica vinculação ao Poder Executivo (essa assertiva não se coaduna com o perfil institucional do Ministério Público desenhado na Constituição Federal de 1988, que trouxe princípios que lhe conferem autonomia e independência – art. 127 e ss.).140

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CAPPELLETTI, Mauro. Formações Sociais e Interesses Coletivos diante da Justiça Civil. Revista de

Processo, São Paulo, ano II, n. 5, p. 128-159, janeiro-março 1977.

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CAPPELLETTI, Mauro. Formações Sociais e Interesses Coletivos diante da Justiça Civil. Revista de

Apresenta, outrossim, algumas soluções encontradas no Direito Comparado, tais como a criação de organismos públicos altamente especializados (v.g., ombudsman dos consumidores, criado em 1970, na Suécia; Director-General of Fair Trading, criado em 1973, na Inglaterra, com função de atuar contra práticas monopolísticas lesivas ao interesse público, Race Relations Board, também criado na Inglaterra para instruir procedimentos civis contra discriminações raciais), que também se apresentaram insuficientes para a efetiva proteção dos direitos coletivos, em razão de uma psicologia burocrática e estrutura hierárquica inaptas a propiciar um efetivo enfrentamento com os complexos e sofisticados tipos de abusos e ofensas decorrentes muitas vezes de poderes políticos e econômicos intangíveis.141

Outra solução apresentada por Cappelletti, e aquela que lhe parece bastante adequada, deriva da junção de organismos governamentais com a iniciativa de indivíduos ou de grupos privados.142

Por fim, o autor identifica o reconhecimento aos corpos intermediários entre o Estado e os cidadãos (sindicatos, partidos políticos, corporações profissionais, associações etc.) para agir judicialmente em prol dos interesses coletivos de seu grupo ou categoria ideologicamente representados.143

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CAPPELLETTI, Mauro. Formações Sociais e Interesses Coletivos diante da Justiça Civil. Revista de

Processo, São Paulo, ano II, n. 5, p. 128-159, janeiro-março 1977.

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CAPPELLETTI, Mauro. Formações Sociais e Interesses Coletivos diante da Justiça Civil. Revista de

Processo, São Paulo, ano II, n. 5, p. 128-159, janeiro-março 1977.

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“Tem-se o caso do consumidor que deve proteger-se contra violações produzidas em série, em cadeia, de uma grande indústria. O dano a ele pessoalmente advindo será, normalmente, muito exíguo par encorajá-lo a agir contra um assim potente adversário; de qualquer forma, a eventual demanda, limitando-se ao dano advindo a apenas um entre milhares ou milhões de prejudicados, será privada de uma eficaz conseqüência, preventiva ou repressiva, nos cotejos do prejudicado e a vantagem da coletividade. O consumidor isolado, sozinho, não age; se o faz, é um herói; no entanto, se é legitimado a agir não meramente para si, mas pelo grupo inteiro do qual é membro, tal herói será subtraído ao ridículo destino de Dom Quixote, em vã e patética luta contra o moinho de vento. Os heróis de hoje não são mais, pois sim, os cavaleiros errantes da Idade Média, prontos a lutar sozinhos contra o prepotente em favor do fraco e inocente; mas são, mais ainda, os Ralph Nader, são os Martin Luther King, são aqueles, isto sim, que sabem organizar seus planos de luta em grupo em defesa dos interesses difusos, coletivos meta-individuais, tornando a submeter as tradicionais

A partir do reconhecimento dos “novos” interesses ou direitos coletivos em sentido, diversos estudos e reflexões foram realizados sobre o processo civil e seus institutos fundamentais, provocando uma nova forma de enxergar os seus conceitos, adaptando-os também à tutela coletiva. Essas modificações mostraram-se de extrema relevância, já que o processo há de ser um verdadeiro “instrumento eficaz para o acesso à ordem jurídica

justa”.144 A visão individualista do processo passou, então, a ceder espaço para uma concepção coletiva, de modo a propiciar a proteção e a realização dos direitos metaindividuais.145

Sem essa nova idéia ou configuração do processo civil, agora dotado de aparelhos ou instrumentos também para veicular pretensões coletivas, muitos direitos e interesses não seriam deduzidos em juízo, deixando apenas no campo formal a garantia do acesso à justiça.146

estruturas individualísticas de tutela – entre as quais aquelas judiciais – às necessidades novas, típicas da moderna sociedade de massa” (CAPPELLETTI, Mauro. Formações Sociais e Interesses Coletivos diante da Justiça Civil. Revista de Processo, São Paulo, ano II, n. 5, p. 128-159, janeiro-março 1977). Antônio Herman V. Benjamin, com pertinência, explica que os direitos difusos e coletivos stricto sensu são correlatos a dois princípios, ao da indivisibilidade dos benefícios e ao da não-exclusão dos beneficiários, de modo que essa qualidade de “ser de todos e não ser de ninguém” acarreta a tendência do indivíduo em deixar que outros busquem a necessária tutela (A insurreição da aldeia global contra o processo civil clássico – apontamentos sobre a opressão e a libertação judiciais do meio ambiente e do consumidor. Ação Civil Pública – Lei

7.347/85 – Reminiscências e Reflexões após dez anos de aplicação. Coord. Edis Milaré. São Paulo: RT,

1995. p. 85). Conferir também CAPPELLETTI, Mauro; GARTH, Bryant. Acesso à Justiça. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris Editor, 2002. p. 26; WATANABE, Kazuo. Código Brasileiro de Defesa do

Consumidor, comentado pelos autores do Anteprojeto. 7. ed. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2001. p.

740. 144

DINAMARCO, Cândido Rangel. A Instrumentalidade do Processo. 12. ed. São Paulo: Malheiros, 2005. p. 380.

145

CAPPELLETTI, Mauro; GARTH, Bryant. Acesso à Justiça. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris Editor, 2002. p. 51.

146

Gregório Assagra de Almeida, sustentando a existência de um direito processual coletivo, pontifica sobre o assunto que “tornou-se necessária uma verdadeira revolução do direito processual, de forma a revisitar radicalmente institutos como a legitimidade ad causam, a citação, o litisconsórcio, a coisa julgada, a liquidação da sentença, dentre outros, adequando-os às novas formas de tutelas jurisdicionais voltadas para os conflitos massificados. Portanto, pelas transformações imperadas, não há mais como negar a existência de um direito processual coletivo como novo ramo do direito processual” (Direito Processual Coletivo

Isso porque, por meio do processo civil coletivo, é possível que se apresentem ao Poder Judiciário diversos conflitos envolvendo interesses ou direitos difusos, coletivos em sentido estrito e individuais homogêneos. Nesses casos, em uma só ação, providencia-se a defesa de direitos pertencentes a um número grande ou indeterminado de pessoas, evitando a multiplicação e a proliferação de demandas individuais, trazendo economia e celeridade processual e evitando, conseqüentemente, o abarrotamento de ações no já moroso Poder Judiciário e a sempre nociva possibilidade de decisões contraditórias.

Kazuo Watanabe, com perspicácia, acentua que a composição das lides “na dimensão molecular”, ao contrário da forma tradicional de resolvê-las em “demandas- átomo”, melhor se amolda aos ideais de acesso à justiça, por ser uma forma mais rápida e barata, além de conferir o devido peso político às ações voltadas à solução das lides de massa.147

Há ainda outra forte característica no processo civil coletivo que demonstra também a sua face propiciadora do melhor acesso à justiça. É sabido que muitas pretensões, isoladamente consideradas, jamais ou dificilmente viriam a ser deduzidas em ações individuais justamente por não apresentarem repercussão econômica relevante. Porém, quando essas pretensões tiverem uma origem comum e puderem ser catalogadas como interesses individuais homogêneos, sua tutela poderá ser feita mediante o manejo de uma ação coletiva, mediante um dos legitimados legais.

A respeito das barreiras que impedem ou dificultam a dedução da pretensão individual em Juízo, ofendendo o princípio constitucional de acesso à justiça, e a força do processo coletivo para a superação desses óbices, discorre Sérgio Shimura:

O primeiro deles diz com o óbice do “custo benefício”. Para o mais poderoso economicamente, o desestímulo pode se dar pela

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WATANABE, Kazuo. Código Brasileiro de Defesa do Consumidor, comentado pelos autores do

incompensabilidade de tempo e energia a serem despendidos na busca da tutela jurisdicional. Para o desprovido de recursos, pode significar efetivo prejuízo diante da falta ao serviço, pagamento das custas, e sempre na mera expectativa de ganhar a demanda. Imagine-se o caso do consumidor que se veja lesado pela venda de produto maquiado, que não contenha a quantidade indicada no rótulo; nesta hipótese, é bem provável que um único consumidor não se anime a promover a sua demanda, puramente individual, na busca da reparação devida, seja por não compensar a perda de tempo, seja porque eventual reparação seria diminuta. Se, porém, o caso de se repetir por dezenas ou centenas de vezes, a demanda coletiva se mostra como meio adequado e econômico para dar vazão a tais questões diluídas na sociedade.

O segundo decorre muitas vezes do desequilíbrio de forças. Por vezes, o lesado não dispõe da mesma capacidade técnica ou nem fôlego financeiro para enfrentar o causador da lesão ou suportar o tempo gasto do processo, vale dizer, o poder de fogo de cada demandante contribui para o desestímulo de se aventurar numa lide.148

Sobre a força da tutela coletiva dos direitos individuais homogêneos em ampliar o acesso à justiça, Joaquín Silguero preleciona:

[...] la tutela de intereses individuales homogéneos, de gran utilidad para obtener la protección judicial en casos en que se hayan producido daños de escasa cuantía pero ocasionados a una pluralidad de afectados. La no previsión de esta legitimación colectiva dejaría fuera de la tutela judicial este tipo de asuntos en que los costes del proceso fácilmente excederían del hipotético beneficio que pudiera derivarse de la estimación de la demanda.149

O ordenamento jurídico brasileiro encontra-se apto a permitir proteção aos interesses ou direitos coletivos lato sensu em juízo.

O princípio do acesso à justiça (ou da inafastabilidade da jurisdição, ou do livre acesso ao Judiciário, ou direito de ação) está previsto na Constituição Federal de 1988, em

148

SHIMURA, Sérgio. O papel da associação na ação civil pública. Processo Civil Coletivo. Coord. Rodrigo Mazzei e Rita Dias Nolasco. São Paulo: Quartier Latin, 2005. p. 145. SHIMURA, Sérgio. Tutela Coletiva e

sua efetividade. São Paulo: Método, 2006. p. 35-36.

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SILGUERO, Joaquín. Las Acciones Colectivas de Grupo em Espana. Procesos Colectivos – La Tutela de

los Derechos Difusos, Colectivos e Individuales en una perspectiva comparada. Coord. Antonio Gidi e

seu art. 5º, XXXV: “a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito”.

Essa previsão representou grande avanço em relação às anteriores Constituições, já que não atribuiu o qualificativo individual ao termo direito (como faziam os arts. 141, § 4º, da CF/1946; 150, § 4º, da CF/1967; 153, § 4º, da EC 1/69; e 153, § 4º, com redação dada pela EC 7/77), sedimentando o entendimento de que todos os direitos (privados, públicos