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O Ministério Público e os direitos difusos, coletivos stricto sensu e individuais

3.3 Legitimidade

3.3.4 O Ministério Público e os direitos difusos, coletivos stricto sensu e individuais

Questão deveras controvertida entre os estudiosos e os operadores das normas referentes ao direito processual coletivo diz respeito à legitimidade do Ministério Público para pleitear a tutela de interesses coletivos e individuais homogêneos.

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DENARI, Zelmo. Código Brasileiro de Defesa do Consumidor, comentado pelos autores do Anteprojeto. 7. ed. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2001. p. 172.

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WATANABE, Kazuo. Código Brasileiro de Defesa do Consumidor, comentado pelos autores do

Anteprojeto. 7. ed. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2001. p. 783. Nesse sentido: “PROCESSUAL

CIVIL. RECURSO ESPECIAL. DANOS MORAIS. DIREITO DO CONSUMIDOR. DENUNCIAÇÃO À LIDE. IMPOSSIBILIDADE. ART. 88 DO CDC. 1. Em se tratando de relação de consumo, protegida pelo Código de Defesa do Consumidor, descabe a denunciação da lide (art. 88 do CDC). Precedente da Quarta Turma – RESP 660.113/RJ. 2. Recurso especial não conhecido” (BRASIL, Superior Tribunal de Justiça, REsp 782.919/SP, Rel. Ministro Fernando Gonçalves, 4ª T., julgado em 12.12.2005, DJ 01.02.2006 p. 571).

No caso de interesses difusos, não há dúvidas de que o Ministério Público tem ampla e irrestrita legitimidade, pois a tutela de interesses dessa natureza, pertencentes à coletividade indeterminada e indeterminável de pessoas e de objeto indivisível, está entre as suas importantes finalidades institucionais previstas na Constituição Federal de 1988.226

Com relação aos interesses coletivos e individuais homogêneos, há algumas divergências doutrinárias a respeito de ser o Ministério Público um legitimado universal ou não, ou seja, se tem legitimidade para atuar como autor ou não.

É justamente o que percebe na análise da bem elaborada síntese traçada por José Marcelo Menezes Vigliar, que apresenta quatro posicionamentos existentes sobre a matéria: (a) o Ministério Público está sempre legitimado para a defesa de quaisquer interesses difusos, coletivos ou individuais homogêneos, sem restrições; (b) o Ministério Público somente é legitimado para a defesa de interesses difusos e coletivos, posto que o art. 129, III, da CF não previu os interesses individuais homogêneos; (c) o Ministério

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Há posicionamento doutrinário de que o Ministério Público apenas poderia tutelar, via ação civil pública, um interesse difuso, em sentido amplo, se este estivesse previsto em norma legal (MEIRELLES, Hely Lopes.

Mandado de Segurança, Ação Popular, Ação Civil Pública, Mandado de Injunção, “Habeas Data”. 23 ed.,

São Paulo: Malheiros, 2001. p. 215-217). Essa ensinança é contestada, com acerto, com base na redação do art. 129, III, da CF, que não condicionou a tutela dos interesses difusos ou coletivos pelo Ministério Público a qualquer previsão legal (MANCUSO, Rodolfo de Camargo. Ação Civil Pública. 8. ed. São Paulo: RT, 2002. p. 116). Pedro da Silva Dinamarco defende posicionamento no sentido de que as normas que conferem legitimidade ao Ministério Público para o ajuizamento de ações civis públicas destinadas à defesa do patrimônio público (LIA, art. 17; Lei nº 8.625/93, art. 25, IV, b) são inconstitucionais, porque consistem na representação do Estado em Juízo, titular desse interesse, o que contraria o disposto no art. 129, IX, da Constituição Federal, que veda ao Ministério Público a representação judicial e a consultoria jurídica de entidades públicas. (DINAMARCO, Pedro da Silva. Ação Civil Pública. São Paulo: Saraiva, 2001. p. 218- 227). Em sentido oposto, conferindo legitimidade ao Ministério Público para a propositura de ação civil de reparação de dano causado ao erário público, por ser função que procede de norma constitucional (CF/88, art. 129, III), conferir SHIMURA, Sérgio. Tutela Coletiva e sua efetividade. São Paulo: Método, 2006. p. 67-75; PAZZAGLINI Filho. Marino. Lei de Improbidade Administrativa Comentada. 2. ed. São Paulo: Atlas, 2005. p. 201 e ss.; FIGUEIREDO, Marcelo. Probidade Administrativa. 5. ed. São Paulo: Malheiros, 2004. p. 165 e ss.; FAZZIO JUNIOR. Waldo. 3. ed. Improbidade Administrativa e Crimes de Prefeitos. São Paulo: Atlas, 2003. p. 284 e ss.; SANTOS, Carlos Frederico Brito dos. Improbidade Administrativa. Rio de Janeiro: Forense, 2002. p. 127. Sobre o tema, o Supremo Tribunal Federal assim já se manifestou: “Recurso extraordinário. – O Plenário desta Corte, no RE 208.790, em hipótese análoga à presente, entendeu que é o Ministério Público legitimado para propor ação civil pública em defesa do patrimônio público. – Desse entendimento divergiu o acórdão recorrido. Recurso extraordinário conhecido e provido” (BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Recurso Extraordinário nº 248202/MG. 1ª Turma. Relator: Ministro Moreira Alves. Brasília, 30 de abril de 2002. DJ 28.06.2002, p. 000126).

Público tem, além da legitimidade para a tutela de interesses difusos e coletivos, legitimidade para a proteção de interesses individuais homogêneos, porém com restrições; (d) além da ampla legitimidade ministerial para a defesa de interesses difusos, há legitimidade para a tutela de interesses coletivos e individuais homogêneos com restrições.227

O autor posiciona-se favoravelmente à quarta tese, sob o forte argumento de que deve haver “[...] harmonização entre o interesse coletivo ou individual homogêneo considerado e a destinação institucional do Ministério Público, sob pena do mencionado amesquinhamento, ou por tornar o Ministério Público um procurador de interesses menores”.228

Para Kazuo Watanabe, o ponto nodal da questão reside na relevância social do bem jurídico tutelado ou da forma de tutela coletiva para se permitir legitimidade ao Ministério Público.229

Adotou-se em nosso sistema o critério ope legis para se verificar se um ente é ou não parte legítima para a propositura de determinada ação judicial vocacionada à proteção de interesses coletivos em sentido amplo. Assim, parece-nos que o Ministério Público é parte legítima para a defesa de interesses ou direitos difusos e coletivos em sentido estrito, posto que totalmente compatível essa função com o seu perfil institucional desenhado pela Constituição Federal, que, aliás, é expressa em lhe atribuir essa tarefa (CF/1988, art. 129, III). É também parte legítima para a defesa de interesses e direitos individuais homogêneos, nos termos da previsão do art. 82 do CDC, desde que haja interesse social nessa tutela. Isso porque essa regra infraconstitucional deve ser interpretada conforme a

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VIGLIAR, José Marcelo Menezes. Ação Civil Pública. 5. ed. São Paulo: Atlas, 2001. p. 85. 228

VIGLIAR, José Marcelo Menezes. Ação Civil Pública. 5. ed. São Paulo: Atlas, 2001. p. 85. 229

WATANABE, Kazuo. Código Brasileiro de Defesa do Consumidor, comentado pelos autores do

Constituição Federal, ou seja, de modo compatível com a destinação e as funções institucionais do parquet.

O art. 127 da Constituição Federal de 1988 conceitua o Ministério Público como uma “instituição permanente, essencial à função jurisdicional do Estado, incumbindo-lhe a defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis”. Já o art. 129, III, da Magna Carta atribui ao Ministério Público a função institucional de “promover o inquérito civil e a ação civil pública, para a proteção do patrimônio público e social, do meio ambiente e de outros interesses difusos e coletivos”.

O primeiro argumento para a restrição da legitimidade do Ministério Pública na defesa dos interesses individuais homogêneos reside justamente na redação do art. 129, III, da Constituição Federal, que nada diz a respeito da defesa desses direitos, limitando-se aos interesses difusos e coletivos.Essa idéia, contudo, é facilmente afastada quando se denota ser a Constituição Federal anterior ao Código de Defesa do Consumidor, diploma legal que criou a categoria dos interesses individuais homogêneos, de modo que não poderia mesmo dotar o Ministério Público de tal mister.230

Por outro lado, os interesses individuais homogêneos são verdadeiros direitos individuais, apenas tratados ou tutelados coletivamente e, via de regra, disponíveis, o que poderia levar à conclusão da não-legitimidade do parquet para o manejo de ações destinadas a essa proteção, por estar em dissonância com sua função institucional prevista no caput do art. 127 da CF/88. Tal conclusão também não pode ser aceita. A própria Constituição Federal prevê a possibilidade de o Ministério Público exercer outras funções, além daquelas previstas no art. 129 da magna Carta, desde que compatíveis com sua finalidade (CF, art. 129, IX).

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GRINOVER, Ada Pellegrini. Código Brasileiro de Defesa do Consumidor, comentado pelos autores do

E o art. 82 do CDC, no que se refere à defesa dos interesses e direitos individuais homogêneos, traz uma função ao Ministério Público compatível com suas finalidades institucionais traçadas pela Constituição Federal, mormente a de zelar pelos interesses sociais, não sendo possível negar-lhe legitimidade para a propositura de ações coletivas com esse objeto, tendo em vista que a defesa coletiva de interesses individuais homogêneos tem, em princípio, relevância social.

De todo modo, essa possibilidade encontra algumas restrições já que nem sempre a defesa de interesses individuais homogêneos pelo Ministério Público se apresentará coincidente com a sua destinação institucional.

É preciso que o genérico interesse social na defesa coletiva de interesses individuais seja confirmada e ratificada no caso concreto, ou seja, nas precisas palavras de Kazuo Watanabe, “[...] somente a relevância social do bem jurídico tutelando ou da própria tutela coletiva poderá justificar a legitimação do Ministério Público para a propositura de ação coletiva em defesa de interesses privados disponíveis”.231

Nessa esteira de pensamento, Rodolfo de Camargo Mancuso aponta como ponto de

equilíbrio a correta análise do art. 127, caput, da CF, de forma que mesmo individual o

direito, se qualificado pela nota da indisponibilidade, estará presente a legitimação e o interesse processual do Ministério Público, devendo a indisponibilidade ser verificada não apenas em razão da “prevalência do caráter de ordem pública em face do bem de vida direito e imediato perseguido pelo interessado”, mas também do “próprio interesse social

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WATANABE, Kazuo. Código Brasileiro de Defesa do Consumidor, comentado pelos autores do

Anteprojeto. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2001. p. 757. Nessa esteira, Ada Pellegrini Grinover

lembra que foi justamente a relevância social da tutela coletiva dos interesses ou direitos individuais homogêneos, ainda que disponíveis, que levou o legislador consumerista a conferir legitimação para agir ao Ministério Público, pois a dimensão comunitária das demandas coletivas insere-as na rubrica interesses

sociais prevista no art. 127 da CF/88. (GRINOVER, Ada Pellegrini. Código Brasileiro de Defesa do Consumidor, comentado pelos autores do Anteprojeto. 7. ed. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2001. p.

em que seja prevenida a atomização dos conflitos coletivos, os quais, tratados fora dos esquemas de jurisdição coletiva, acabam gerando múltiplas demandas individuais”, com todas as conseqüências negativas conhecidas (sobrecarga do Poder Judiciário, possibilidade de decisões contraditórias etc.).232

Em suma, o Ministério Público tem legitimidade para a propositura de ação coletiva voltada à defesa de interesses ou direitos difusos e coletivos (CF/1988, art. 129, III; Lei nº 7.47/85, art. 5º; Lei nº 8.078/90, art. 82), assim como para as destinadas à tutela de interesses ou direitos individuais homogêneos (CDC, art. 82, c.c. a CF/1988, arts. 127).

Adotando esses entendimentos, foi editada a Súmula n° 07 do Conselho Superior do Ministério Público do Estado de São Paulo, in verbis:

Súmula 7: “O Ministério Público está legitimado à defesa de interesses ou direitos individuais homogêneos que tenham expressão para a coletividade, tais como: a) os que digam respeito a direitos ou garantias constitucionais, bem como aqueles cujo bem jurídico a ser protegido seja relevante para a sociedade (v.g., dignidade da pessoa humana, saúde e segurança das pessoas, acesso das crianças e adolescentes à educação); b) nos casos de grande dispersão dos lesados (v.g., dano de massa); c) quando a sua defesa pelo Ministério Público convenha à coletividade, por assegurar a implementação efetiva e o pleno funcionamento da ordem jurídica, nas suas perspectivas econômica, social e tributária.”

Fundamento – legitimação que o Código do Consumidor confere ao Ministério Público para a defesa de interesses e direitos individuais homogêneos há de ser vista dentro da destinação institucional do

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MANCUSO, Rodolfo de Camargo. Ação Civil Pública. 8. ed. São Paulo: RT, 2002. p. 118-119. Com entendimento ampliativo sobre o assunto, Assagra de Almeida estatui: “Em relação aos interesses ou direitos individuais homogêneos, também não cabe qualquer restrição, pois o que se busca é a tutela jurisdicional coletiva desses direitos, para solucionar várias lides em um único processo e evitar decisões contraditórias. Isso deixa evidente o interesse social que justifica a legitimidade do Ministério Público, mesmo que a tutela jurisdicional verse somente sobre bens patrimoniais; basta que se trate de direitos ou interesses individuais ligados pelo vínculo da homogeneidade”. E ainda: “O perfil constitucional do Ministério Público, como instituição vocacionada para a defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis, revela que, na defesa dos interesses massificados, este atua legitimado por um princípio constitucional, que constitui o princípio da presunção constitucional de legitimidade pela

afirmação de direito. Basta que haja afirmação de direito difuso, coletivo ou individuais homogêneos, para

que esteja legitimado o Ministério Público para agir, seja no campo jurisdicional seja no extrajurisdicional. É o que se extrai dos arts. 127, caput, e 129, II, III e IX, da CF” (ALMEIDA, Gregório Assagra. Direito

Ministério Público, que sempre deve agir em defesa de interesses indisponíveis ou de interesses que, pela sua natureza ou abrangência, atinjam a sociedade como um todo (PT. N. 15.939/91). Em três modalidades principais de interesses e direitos individuais homogêneos mostra-se presente o pressuposto de relevância social, previsto no art. 127, da Constituição Federal. Primeiro, quando a conduta do infrator afetar direitos ou garantias constitucionais, hipótese em que a legitimação decorre da natureza e relevância jurídicas do bem jurídico afetado (dignidade da pessoa humana, saúde, segurança, educação, etc.). Neste caso, a relevância social está fundada em ratio substantiva. Segundo, quando o número de lesados impossibilitar, dificultar ou inviabilizar a tutela dos interesses e direitos afetados (v.g., danos massificados); aqui, estamos diante de relevância social decorrente de ratio quantitativa Terceiro, quando, pela via da defesa de interesses e direitos individuais homogêneos, o que pretende o Ministério Público é zelar pelo respeito à ordem jurídica em vigor, levando aos tribunais violações que, de outra parte, dificilmente a eles chegariam, o que poderia, em conseqüência, desacreditar o ordenamento econômico, social ou tributário. Temos, aí, relevância social alicerçada em ratio pragmática (PT 39.727/02) – (alterada a redação anterior).

O Supremo Tribunal Federal já reconheceu a legitimidade do Ministério Público para a propositura de ação civil pública destinada à tutela de interesses difusos, coletivos e individuais homogêneos:

EMENTA: RECURSO EXTRAORDINÁRIO. CONSTITUCIONAL. LEGITIMIDADE DO MINISTÉRIO PÚBLICO PARA PROMOVER AÇÃO CIVIL PÚBLICA EM DEFESA DOS INTERESSES DIFUSOS, COLETIVOS E HOMOGÊNEOS. MENSALIDADES ESCOLARES: CAPACIDADE POSTULATÓRIA DO PARQUET PARA DISCUTI- LAS EM JUÍZO. 1. A Constituição Federal confere relevo ao Ministério Público como instituição permanente, essencial à função jurisdicional do Estado, incumbindo-lhe a defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis (CF, art. 127). 2. Por isso mesmo detém o Ministério Público capacidade postulatória, não só para a abertura do inquérito civil, da ação penal pública e da ação civil pública para a proteção do patrimônio público e social, do meio ambiente, mas também de outros interesses difusos e coletivos (CF, art. 129, I e III). 3. Interesses difusos são aqueles que abrangem número indeterminado de pessoas unidas pelas mesmas circunstâncias de fato e coletivos aqueles pertencentes a grupos, categorias ou classes de pessoas determináveis, ligadas entre si ou com a parte contrária por uma relação jurídica base. 3.1. A indeterminidade é a característica fundamental dos interesses difusos e a determinidade a daqueles interesses que envolvem os coletivos. 4. Direitos ou interesses homogêneos são os que têm a mesma origem comum (art. 81, III, da Lei n 8.078, de 11 de setembro de 1990), constituindo-se em subespécie de direitos coletivos. 4.1. Quer se afirme interesses coletivos ou particularmente interesses homogêneos, stricto sensu, ambos estão

que conquanto digam respeito às pessoas isoladamente, não se classificam como direitos individuais para o fim de ser vedada a sua defesa em ação civil pública, porque sua concepção finalística destina-se à proteção desses grupos, categorias ou classe de pessoas. 5. As chamadas mensalidades escolares, quando abusivas ou ilegais, podem ser impugnadas por via de ação civil pública, a requerimento do Órgão do Ministério Público, pois ainda que sejam interesses homogêneos de origem comum, são subespécies de interesses coletivos, tutelados pelo Estado por esse meio processual como dispõe o artigo 129, inciso III, da Constituição Federal. 5.1. Cuidando-se de tema ligado à educação, amparada constitucionalmente como dever do Estado e obrigação de todos (CF, art. 205), está o Ministério Público investido da capacidade postulatória, patente a legitimidade ad causam, quando o bem que se busca resguardar se insere na órbita dos interesses coletivos, em segmento de extrema delicadeza e de conteúdo social tal que, acima de tudo, recomenda-se o abrigo estatal. Recurso extraordinário conhecido e provido para, afastada a alegada ilegitimidade do Ministério Público, com vistas à defesa dos interesses de uma coletividade, determinar a remessa dos autos ao Tribunal de origem, para prosseguir no julgamento da ação.233

Assim, não há como negar legitimidade ao Ministério Público na defesa dos contribuintes, valendo a pena colacionar mais uma súmula do Conselho Superior do Ministério Público a respeito:

Súmula nº 44: Na defesa de interesses individuais homogêneos que tenham expressão para a coletividade, o Ministério Público é parte legítima para ajuizar ação civil pública em matéria tributária.

Justificativa – Este Conselho Superior tem, reiteradamente, entendido que o Ministério Público tem legitimidade para ajuizar ação civil pública em matéria tributária (Pt. n 19.362/03, 81.211/04, 85.785/04, 6.414/05, 49.441/05 53.015/05 e 53.024/05). Isto porque cabe à Instituição a defesa de interesses individuais homogêneos, assim entendidos aqueles decorrentes de origem comum, que tenham expressão para a coletividade. A Medida Provisória n. 2.180-35/2001, que introduziu na Lei 7.347/85 o parágrafo único do artigo 1º, é evidentemente inconstitucional, já que editada sem que estivessem presentes os requisitos da relevância e urgência (art. 62 da Carta Magna). Poucos têm acesso a informação suficiente para concluir estar sendo vítima de tributação inconstitucional e destes, dificilmente o contribuinte se disporá a, individualmente, questionar a exigência perante o Poder Judiciário, em razão do custo da

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(BRASIL, Supremo Tribunal Federal, Recurso Extraordinário 163231/SP. Tribunal Pleno. Relator: Ministro MAURÍCIO CORRÊA. Brasília, 26 de fevereiro de 1997. Publicação: DJ 29-06-2001 PP-00055. Parte(s): RECTE.: MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE SÃO PAULO. RECDO.: ASSOCIAÇÃO NOTRE DAME DE EDUCAÇÃO E CULTURA).

demanda e de outros inconvenientes dela característicos. A propositura de ação civil pública pelo Ministério Público garante o acesso à Justiça de todos os cidadãos além de garantir o princípio da igualdade na tributação, evitando que apenas alguns, que tiveram acesso, individualmente, ao Poder Judiciário se vejam liberados do pagamento indevido. Além disto, mesmo considerando que reduzida parcela da sociedade ajuíze ação individual, a soma de tais feitos pode chegar a milhares. O ajuizamento da ação coletiva contribui para diminuir a sobrecarga do Poder Judiciário, que se vê às voltas com inúmeros feitos que têm por objeto a mesma questão jurídica, e constitui instrumento para a efetividade das ações do Poder Judiciário e, como conseqüência, para o cumprimento de norma constitucional introduzida pela Emenda Constitucional 45/ 2004, que incluiu dentre os direitos individuais, de forma expressa, o direito à celeridade (art. 5º, LXXVIII, da Carta Magna).

Nem mesmo o parágrafo único do art. 1º da Lei 7.347/85, acrescentado pela Medida Provisória 2.102-31, de 24 de maio de 2001, hoje Medida Provisória 2.180-35, de 24 de agosto de 2001, pode ser utilizado para impedir a veiculação de pretensões de contribuintes em ações coletivas. Sua redação: “Não será cabível a ação civil pública para veicular pretensões que envolvam tributos, contribuições previdenciárias, o Fundo de Garantia do Tempo de Serviço – FGTS ou outros fundos de natureza institucional cujos beneficiários podem ser individualmente determinados”.

Esse é mais um exemplo do já mencionado autoritarismo do governo federal brasileiro no tratamento da tutela coletiva, legislando, via medida provisória, em causa própria, com receio do poder potencializado das ações coletivas enquanto instrumento para a proteção dos direitos de massa e sua conseqüente força de modificação do contexto social pátrio.

Porém, sem perda de tempo, abalizada doutrina logo se insurgiu contra essa limitação, taxando-a de inconstitucional por ferir os princípios constitucionais da inafastabilidade das decisões judiciais (art. 5º, XXXV) e da não-taxatividade da ação civil pública, já que a Constituição Federal, em seu art. 129, III, estabelece que a ação civil pública pode ser utilizada pelo Ministério Público (e pelos outros legitimados – art. 129, § 1º, da CF) para a “proteção do patrimônio público e social, do meio ambiente e de outros

interesses difusos e coletivos”, não podendo, então, haver limitação desse âmbito de tutela pela ação coletiva por meio de regra infraconstitucional.234

De todo modo, equivocadamente, o Supremo Tribunal Federal já decidiu, mesmo antes de ser acrescentado à Lei nº 7.347/85 o parágrafo único do art. 1º, pela Medida Provisória 2.102-31, de 24 de maio de 2001, hoje Medida Provisória 2.180-35, de 24 de agosto de 2001, não reconhecendo a legitimidade do Ministério Público na defesa dos direitos dos contribuintes:

EMENTA: CONSTITUCIONAL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. IMPOSTOS: IPTU. MINISTÉRIO PÚBLICO: LEGITIMIDADE. Lei 7.374, de 1985, art. 1º, II, e art. 21, com a redação do art. 117 da Lei 8.078, de 1990 (Código do Consumidor); Lei 8.625, de 1993, art. 25. C.F., artigos 127 e 129, III. I – A ação civil pública presta-se a defesa de