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Atento à imperiosa necessidade de se tutelarem devidamente os novos direitos fundamentais de terceira geração, o legislador pátrio editou a Lei nº 7.347, de 24 de julho de 1985, chamada Lei da Ação Civil Pública (LACP), e deu início a uma nova fase no processo civil brasileiro.

O primeiro anteprojeto para a defesa de interesses metaindividuais em juízo foi elaborado por Ada Pellegrini Grinover, Cândido Rangel Dinamarco, Kazuo Watanabe e Waldemar Mariz de Oliveira Júnior e apresentado pelos eminentes autores ao I Congresso Nacional de Direito Processual Civil, realizado em Porto Alegre, de 11 a 16 de julho de 1983. Posteriormente, por intermédio do Deputado Flávio Bierrenbach, foi apresentado à

Câmara dos Deputados como projeto de Lei, tornando-se o Projeto de Lei n.º 3.034, de 1984.54

Esse anteprojeto foi submetido a estudos pelo Ministério Público paulista e, após modificações realizadas pelos então promotores de justiça Antônio Augusto Mello de Camargo Ferraz, Édis Milaré e Nelson Nery Junior, resultou na tese A Ação Civil Pública, exposta ao XI Seminário Jurídico de Grupos de Estudos do Ministério Público de São Paulo, na cidade de São Lourenço, Minas Gerais, em dezembro de 1983. Em seguida, o resultado desses trabalhos foi apresentado ao Executivo federal, que o encaminhou ao Congresso Nacional (Projeto n. 4.984/85, na Câmara, e Projeto n. 20/85, no Senado Federal). Por ter, ao final, uma tramitação mais célere, acabou por receber a sanção presidencial e transformou-se na Lei nº 7.347, de 24 de julho de 1985 (Lei da Ação Civil Pública).55

A Lei da Ação Civil Pública trouxe algumas modificações em relação ao projeto Bierrenbach, entre as quais a previsão da extensão das ações por danos causados ao consumidor (art. 1º, II) e a qualquer outro interesse difuso (este seria o inciso IV do artigo 1º, mas acabou vetado pelo Presidente da República, o que foi superado apenas com a edição da Lei nº 8.078/90), além da possibilidade de o Ministério Público instaurar inquérito civil para instruir a ação a ser proposta.56

54

MAZZILLI, Hugo Nigro. A Defesa dos Interesses Difusos em Juízo. São Paulo: Saraiva, 1998. p. 38. 55

MAZZILLI, Hugo Nigro. A Defesa dos Interesses Difusos em Juízo. São Paulo: Saraiva, 1998. p. 38. 56

Sobre as comparações entre os dois projetos, conferir MAZZILLI, Hugo Nigro. A Defesa dos Interesses

Difusos em Juízo. 10 ed. São Paulo: Saraiva, 1998. p. 38 e ss.; MARINHO, José Domingos da Silva. As

Associações e o Ministério Público na Lei 7.347 de 24 de julho de 1985. Revista Justitia, v. 133, 1º trimestre de 1986; LENZA, Pedro. Teoria Geral da Ação Civil Pública. 2. ed. São Paulo: RT, 2005. p. 157. Os projetos podem ser encontrados em MILARÉ, Edis (Coord.), Ação Civil Pública – Lei 7.347/85 –

A importância dessa lei para a defesa dos interesses massificados salta aos olhos, apesar de trazer, na primitiva redação de seu art. 1º, um taxativo rol dos direitos passíveis dessa tutela.

Art. 1º. Regem-se pelas disposições desta Lei, sem prejuízo da ação popular, as ações de responsabilidade por danos causados: I – ao meio ambiente; II – ao consumidor; III – a bens e direitos de valor artístico, estético, histórico, turístico e paisagístico; IV – (vetado).

Este inciso vetado era o que justamente permitia o manejo da ação civil pública na defesa de outros interesses difusos, o que, repita-se, apenas foi superado com a edição da Lei 8.078/90 (Código de Defesa do Consumidor), que, pelo seu art. 110, acrescentou o inciso IV ao art. 1º acima mencionado, com a seguinte redação: “a qualquer outro interesse difuso ou coletivo”, devolvendo à ação civil pública o seu objeto inicial de tutela de todo e qualquer interesse metaindividual.57

Mesmo assim, foi a Lei da Ação Civil Pública, nas palavras de Gregório Assagra de Almeida, que introduziu o Brasil no movimento mundial de tutela jurisdicional dos direitos ou interesses de massa, denominado por Cappelletti e Garth de segunda onda renovatória

de acesso à justiça.58

Nessa linha, Gregório Assagra de Almeida pontifica que esse diploma legal representou um marco divisor, uma revolução, pois inseriu o Brasil no movimento mundial

57

Observa-se na Mensagem n. 359 que as razões do veto sobre as expressões existentes na ementa e nos arts. 1º, IV, 4º e 5º, II, que permitiam a tutela a qualquer outro interesse difuso, fundou-se em interesse público relativo à possível insegurança jurídica que poderia ocorrer em face da amplíssima e imprecisa abrangência da expressão “qualquer outro interesse difuso” (cf. Mensagem n. 359, in: MILARÉ, Edis (Coord.). Ação

Civil Pública – Lei 7.347/85 – Reminiscências e Reflexões após dez anos de aplicação. São Paulo: RT, 1995.

p. 497). 58

Alcides A. Munhoz da Cunha trilha o mesmo entendimento quando salienta que o processo civil, estruturado como ciência a partir do século XIX nas premissas das relações jurídicas intersubjetivas, iniciou nova fase, em nosso país, com a edição da Lei 7.347/85, “[...] mais afinada com os anseios e a ideologia da época, em que há evidente preocupação com os crescentes conflitos de massa, com os postulados de acesso à justiça, de pacificação social dos conflitos e de afirmação do conceito de cidadania” (CUNHA, Alcides A. Munhoz. Evolução das Ações Coletivas no Brasil. Revista de Processo, São Paulo, ano 20, n. 77, p. 224-235, janeiro-março 1995).

para a tutela dos interesses e direitos de massa e foi o primeiro passo para a transformação do ordenamento jurídico pátrio de tutela jurisdicional de direito individual em ordenamento de tutela jurisdicional de direito individual e também de direitos coletivos em sentido amplo.59

De fato, antes da Lei nº 7.347/85, a grande dificuldade em se conceber uma tutela coletiva consistia na limitação decorrente da regra da legitimação ordinária (CPC, arts. 3º e 6º), que exigia que a defesa em juízo de um direito material fosse feita pelo seu (pretenso) titular (pertinência subjetiva da ação, nas palavras de Buzaid60), quando, em se cuidando de direitos coletivos em sentido amplo, inexiste essa situação, pois sua titularidade transcende o indivíduo e pertence a todos e a ninguém a um só tempo.61

Até então existiam apenas algumas leis que permitiam a tutela de direitos coletivos em sentido amplo e conferiam legitimidade a certas entidades, conforme aponta abalizada doutrina62. Eram elas:

59

ALMEIDA, Gregório Assagra de. Direito Processual Coletivo Brasileiro. Um novo ramo do direito

processual. São Paulo: Saraiva, 2003. p. 264-265. Rizzato Nunes igualmente salienta que o Código Civil

brasileiro de 1916 já não mais se compatibilizava com a realidade atual para atender as demandas de massa surgidas a partir do processo de industrialização do século XX, panorama que passou a ser modificado com o Código de Defesa do Consumidor que, como veremos, integrou-se com a Lei nº 7.347/85, formando um verdadeiro microssistema de tutela coletiva. (NUNES, Rizzato. As Ações Coletivas e as Definições de Direito Difuso, Coletivo e Individual Homogêneo. Processo Civil Coletivo. Coord. Rodrigo Mazzei e Rita Dias Nolasco. São Paulo: Quartier Latin, 2005. p. 84-85).

60

Agravo de Petição no sistema do Código de Processo Civil. 2 ed. São Paulo: Saraiva, 1956. p. 89. 61

José Marcelo Menezes Vigliar, referindo-se à Lei 7.347/85, estatui “[...] que esse diploma legal constituiu o marco para grandes avanços que se sucederam e para um efetivo acesso à justiça, proporcionando agora a possibilidade de se postular em juízo a tutela dos interesses transindividuais, pois veiculou novidades que obrigaram uma releitura do tradicional art. 3º do Código de Processo Civil, concebido, repita-se, sob o influxo da visão do processualista que ainda necessitava vencer a segunda fase metodológica da ciência processual referida” (VIGLIAR, José Marcelo Menezes. Ação Civil Pública. 5. ed. São Paulo: Atlas, 2001. p. 21).

62

LENZA, Pedro. Teoria Geral da Ação Civil Pública. 2. ed. São Paulo: RT, 2005. p. 152; ALMEIDA, Gregório Assagra. Direito Processual Coletivo Brasileiro. Um novo ramo do direito processual. São Paulo: Saraiva, 2003. p. 263-264; CASTRO MENDES, Aluisio Gonçalves de. Ações Coletivas no Direito

a) a Lei nº 1.134/50, que permitia às associações de classe que congregassem funcionários ou empregados de empresas industriais da União, dos Estados, dos Municípios e de entidades autárquicas, a representação coletiva ou individual de seus associados, perante as autoridades administrativas e a justiça ordinária;

b) a CLT, que em seu art. 513 legitimava os sindicatos a representarem perante autoridades judiciárias e administrativas os interesses gerais de determinada categoria ou profissão liberal e em seu art. 856 previa o dissídio coletivo como forma de tutela coletiva; c) a Lei n° 4.717/65 (Lei da Ação Popular), que legitimava o cidadão para impugnar ato ilegal e lesivo ao patrimônio público;63

d) a Lei n° 4.215/63 (Estatuto da OAB, hoje revogada pela Lei n° 8.906/94), que atribuía à Ordem dos Advogados do Brasil a representação, em juízo ou fora dele, dos interesses gerais da classe;

e) a Lei n° 6.938/81, que conferia legitimidade ao Ministério Público na tutela de direitos relacionados ao meio ambiente (ação de reparação de danos causados ao meio ambiente);

f) a Lei nº 6.708/79, que em seu art. 3º, § 2º, facultava “aos sindicatos, independente da outorga de poderes dos integrantes da respectiva categoria profissional, apresentar reclamação na qualidade de substituto processual de seus associados, com o objetivo de assegurar a percepção dos valores salariais corrigidos na forma do artigo anterior”.

Pois bem, se foi a Lei da Ação Civil Pública que iniciou de fato e ampliou a possibilidade de tutela dos interesses e direitos metaindividuais, a Constituição Federal de

63

A ação popular foi prevista pela primeira vez, em sede constitucional, na Constituição Federal de 1934 (art. 113). Em seguida, foi suprimida pela Carta de 1937 e reintroduzida na de 1946, mantendo-se a previsão até os dias atuais.

5 de outubro de 1988 trouxe a plenitude ao abrir ilimitadamente o rol dos direitos que poderiam ser defendidos via ação coletiva.64

A uma, porque o art. 5º, que trata dos direitos e deveres individuais e coletivos (Capítulo I do Título II da Constituição Federal de 1988), em seu inciso XXXV, previu a garantia da inafastabilidade do Poder Judiciário na apreciação de qualquer direito individual ou coletivo quando suprimiu o qualitativo individual existente na redação do art. 153, § 4º, da Constituição de 1969 e em Constituições anteriores.65

A duas, porque o art. 129 trouxe, como função institucional do Ministério Público, a promoção do inquérito civil e da ação civil pública para a defesa de qualquer interesse difuso ou coletivo.66

E, ainda, porque a Constituição Federal previu a legitimidade coletiva para a impetração de mandado de segurança (art. 5º, LXX), o mandado de injunção (art. 5º, LXXI), a ampliação do campo de atuação da ação popular (art. 5º, LXXIII) e a possibilidade de os sindicatos defenderem os direitos e interesses coletivos ou individuais da categoria, inclusive em questões administrativas e judiciais (art, 8º, III). Não é só. A Constituição Federal também previu direitos materiais de âmbito coletivo, a exemplificar, arts. 1º, 5º, 170, 7º, XXII, 205, 215, 216, 218, 219, 196 a 200, 225, 226 a 230, 220 a 224, 182, 196, 227.67

64

Cf. MOREIRA, José Carlos Barbosa. Ações Coletivas na Constituição Federal de 1988. Revista de

Processo, São Paulo, ano 16, n. 61, p. 187-200, janeiro-março 1991.

65

Art. 5º, XXXV, CF/88: “A lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito”. Art. 153, § 4º, CF/69: “A lei não poderá excluir da apreciação do Poder Judiciário qualquer lesão de direito individual”.

66

“Art. 129. São funções institucionais do Ministério Público: [...] III – promover o inquérito civil e a ação civil pública, para a proteção do patrimônio público e social, do meio ambiente e de outros interesses difusos e coletivos”.

67

Alguns desses exemplos foram retirados de PIZZOL, Patrícia Miranda. Liquidação nas Ações Coletivas. São Paulo: Lejus, 1998. p. 98-99.

Após, atendendo ao chamado constitucional68, o legislador ordinário elaborou a Lei n° 8.078, de 11 de setembro de 1990, o Código de Defesa do Consumidor (CDC), encerrando de vez a jurisdição civil coletiva.

O Código de Defesa do Consumidor (Lei n° 8.078/90) conceituou os direitos de massa, instituiu os direitos individuais homogêneos, disciplinou a legitimidade e a coisa julgada coletiva, ampliou o objeto do processo coletivo de modo a favorecer as pretensões individuais, devolveu à Lei n° 7.437/85 seu inciso IV, permitindo o uso da ação civil pública para a defesa de qualquer outro interesse difuso e coletivo, e tratou de vários outros aspectos do processo coletivo.69

Assim, conjugando esses três diplomas (LACP, CF/88 e CDC), já é possível falar em um microssistema de tutela coletiva.70

O avanço legislativo para a tutela de massa não parou por aí. Diversas outras leis infraconstitucionais foram editadas.

Assim, podem ser citadas: 68

Art. 5º, XXXII, CF/1988: “o Estado promoverá, na forma da lei, a defesa do consumidor”. Art. 170: “A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social, observados os seguintes princípios: [...] V – defesa do consumidor.” A Constituição Federal, além de fazer menção aos consumidores também nos arts. 150, § 5º, e 175, no Ato das Disposições Constitucionais Transitórias determinou que o Congresso Nacional elaborasse o “Código de Defesa do Consumidor” (art. 48).

69

José Marcelo Menezes Vigliar critica a falta de boa técnica legislativa, pois o inciso IV traz uma norma de encerramento após a enumeração de algumas espécies de interesses transidividuais. Todavia, não encerra o artigo, já que a Lei 8.884/94 inseriu um inciso V no art. 1º da LACP, ou seja, um dispositivo após a norma de encerramento. Não é só, pois o legislador consumerista, que definiu a categoria interesses individuais

homogêneos, usou a expressão, no referido inciso IV, interesse difuso e coletivo, quando deveria ter se

utilizado de fórmula mais genérica, que abrangesse também aquela terceira categoria de interesse metaindividual (VIGLIAR, José Marcelo Menezes. Ação Civil Pública. 5. ed. São Paulo: Atlas, 2001. p. 26- 27). De toda forma, em razão da integração plena entre a LACP e o CDC, o que será adiante demonstrado, ambos os diplomas legais poderão ser utilizados na tutela de qualquer interesse de massa, seja ele de categoria difusa, coletiva stricto sensu ou individual homogêneo. É de se salientar, outrossim, que o Código de Defesa do Consumidor não se destina apenas à proteção coletiva dos interesses do consumidor, vez que se preocupa também com a atuação individual do consumidor na tutela judiciária de seus direitos e interesses (dentre outros, vide CDC, arts. 5º, I e IV, 6º, VIII, 43, § 4º, 83, 84, 88 e 101, I e II). Sobre o tema, conferir GRINOVER, Ada Pellegrini. Código Brasileiro de Defesa do Consumidor, comentado pelos autores do

Anteprojeto. 7. ed. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2001, p. 720.

70

a) a Lei nº 7.853/89, que “dispõe sobre o apoio às pessoas portadoras de deficiências físicas e sua integração social, e institui a tutela jurisdicional dos seus interesses coletivos ou difusos”;

b) a Lei nº 7.913/89, que dispõe sobre a “ação civil pública de responsabilidade por danos causados aos investidores no mercado de valores imobiliários”;

c) a Lei nº 8.069/90, que dispõe sobre o “Estatuto da Criança e do Adolescente e dá outras providências”;

d) a Lei nº 8.429/92, que “dispõe sobre as sanções aplicáveis aos agentes públicos nos casos de enriquecimento ilícito no exercício de mandato, cargo, emprego ou função na administração direta, indireta ou fundacional e dá outras providências”;

e) a Lei nº 8.884/94, que trata da “prevenção e a repressão às infrações contra a ordem econômica e dá outras providências”;

f) a Lei nº 10.257/01, que “regulamenta os arts. 182 e 183 da Constituição Federal e estabelece diretrizes gerais da política urbana e dá outras providências”;

g) a Lei nº 10.741/03, que “dispõe sobre o estatuto do idoso e dá outras providências”.

Diante desse quadro, trilhando a ensinança de Barbosa Moreira, pode-se afirmar com segurança que o Direito brasileiro está dotado de um arsenal não encontrável no direito comparado em matéria de ações coletivas71, cuja utilização pode representar uma forma de transformação positiva da realidade social, efetivando via jurisdição os ideais de um Estado Democrático de Direito, por ser um modo potencializado de solução de litígios de forma a alcançar enorme número de pessoas.72

71

MOREIRA, José Carlos Barbosa. Ações Coletivas na Constituição Federal de 1988. Revista de Processo, São Paulo, ano 16, n. 61, p. 187-200, janeiro-março 1991.

72

Conferir ALMEIDA, Gregório Assagra. Direito Processual Coletivo Brasileiro. Um novo ramo do direito

Talvez essa força de transformação positiva da realidade social conferida ao processo coletivo, somada a escusos interesses econômicos, tenha acarretado as conhecidas investidas do Poder Público contra esse sistema, principalmente até a edição da Emenda Constitucional n° 32/2001.73

Abelha Rodrigues salienta que em um país como o nosso, em que as desigualdades sociais, econômicas e culturais são enormes e em que há instabilidade política, o Poder Judiciário exerce papel fundamental para tutelar e efetivar os ideais de uma sociedade mais justa e igualitária. E as ações coletivas representam uma forma potencializada para a consecução e realização desses ideais e, muitas vezes, quando manipuladas por entes engajados na modificação do quadro social (Ministério Público, associações, sindicatos etc.), são direcionadas contra os detentores dos poderes político e econômico. Em contra-ataque, o Poder Executivo passou a legislar em causa própria, por meio do uso abusivo e desenfreado de medidas provisórias, para enfraquecer os instrumentos existentes no ordenamento e voltados à tutela coletiva dos direitos e interesses.74

São exemplos dessas investidas:

a) Medida Provisória n° 1.570-5, de 26 de março de 1997, que se transformou na Lei nº 9.494/97, que alterou o art. 16 da Lei da Ação Civil Pública para retirar da coisa

73

Gregório Assagra de Almeida assevera que o ataque do governo federal brasileiro à tutela dos interesses metaindividuais deriva de uma ideologia neoliberal, caracterizada pelo desprezo aos direitos de cunho social (Direito Processual Coletivo Brasileiro. Um novo ramo do direito processual. São Paulo: Saraiva, 2003. p. 90 e ss.)

74

ABELHA, Marcelo. Ação Civil Pública e Meio Ambiente. 2. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2004. p. 244 e ss. Ver, também, GRINOVER, Ada Pellegrini. Código Brasileiro de Defesa do Consumidor, comentado pelos

autores do Anteprojeto. 7. ed. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2001. p. 847; WAMBIER, Teresa

Arruda Alvim. Litispendência em ações coletivas. Processo Civil Coletivo. Coord. Rodrigo Mazzei e Rita Dias Nolasco. São Paulo: Quartier Latin, 2005. p. 284. ALMEIDA, João Batista de. Aspectos Controvertidos

julgada a abrangência nacional e limitá-la ao âmbito da competência territorial do órgão julgador75;

b) Medida Provisória n° 1.978-1, diversas vezes reeditada, recebendo diversas numerações (1.906, 1.985, 2.102) até, por força da EC nº 32, a de nº 2.180-35, de 24 de agosto de 2001, que acrescentou disposições à Lei n° 9.494/97, para que a sentença civil proferida em ação coletiva proposta por associação, na defesa de seus associados, passasse a abranger os substituídos que tenham na data da propositura da ação domicílio no âmbito da competência territorial do órgão prolator, bem como para que, nas ações coletivas propostas contra a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios e suas autarquias e fundações, a petição inicial estivesse obrigatoriamente instruída com a ata da assembléia associativa que a autorizou e da relação nominal de seus associados e respectivos endereços (art. 2º e parágrafo único)76, além de promover diversas modificações na Lei n° 7.437/8577;

d) Lei n° 10.628, de 24 de dezembro de 2002, que alterou a redação do art. 84 do CPP para estender a competência por prerrogativa de função aos atos de improbidade administrativa tratados pela Lei n° 8.429/92 e ainda estabelecer que o foro privilegiado

75

Art. 16, LACP, alterado pela Lei nº 9.494/97: “A sentença civil fará coisa julgada erga omnes, nos limites da competência territorial do órgão prolator, exceto se o pedido for julgado improcedente por insuficiência de provas, hipóteses em que qualquer legitimado poderá intentar outra ação com idêntico fundamento, valendo- se de nova prova”.

76

Art. 2º-A, Lei nº 9.494/97: “A sentença civil prolatada em ação de caráter coletivo proposta por entidade associativa, na defesa dos interesses e direitos dos seus associados, abrangerá apenas os substituídos que tenham, na data da propositura da ação, domicílio no âmbito da competência territorial do órgão prolator”. Parágrafo único: “Nas ações coletivas propostas contra a União, os Estados, o Distrito Federal, os Municípios e suas autarquias e fundações, a petição inicial deverá obrigatoriamente estar instruída com a ata da assembléia da entidade associativa que a autorizou, acompanhada da relação nominal dos seus associados e indicação dos respectivos endereços”.

77

“Art. 6º Os arts. 1º e 2º da Lei nº 7.347, de 24 de julho de 1985, passam a vigorar com as seguintes alterações: ‘Art. 1º [...] V – por infração da ordem econômica e da economia popular; VI – à ordem urbanística. Parágrafo único. Não será cabível ação civil pública para veicular pretensões que envolvam tributos, contribuições previdenciárias, o Fundo de Garantia do Tempo de Serviço – FGTS ou outros fundos de natureza institucional cujos beneficiários podem ser individualmente determinados.’ (NR) ‘Art. 2º. [...] Parágrafo único. A propositura da ação prevenirá a jurisdição do juízo para todas as ações posteriormente intentadas que possuam a mesma causa de pedir ou o mesmo objeto.’ (NR)”.

prevalecerá ainda que o inquérito ou a ação judicial sejam iniciados após a cassação do exercício da função pública;

e) Medida Provisória n° 2.088/35, de 27 de dezembro de 2000, atual Medida Provisória nº 2.225-45, de 04 de setembro de 2001, que procurou dificultar o combate aos atos de improbidade administrativa.78

Essas modificações e seus efeitos serão apreciados no curso deste trabalho. De todo modo, basicamente é este o panorama da tutela coletiva no ordenamento jurídico brasileiro.

78

ALMEIDA, Gregório Assagra. Direito Processual Coletivo Brasileiro. Um novo ramo do direito

processual. São Paulo: Saraiva, 2003. p. 97 e ss.; ABELHA, Marcelo. Ação Civil Pública e Meio Ambiente.

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