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Direitos ou interesses coletivos em sentido estrito

2.1 O conceito e a identificação dos interesses ou direitos coletivos em sentido amplo

2.1.2 Direitos ou interesses coletivos em sentido estrito

Por sua vez, o inciso II do parágrafo único do art. 81 do Código de Defesa do Consumidor preceitua: “interesses ou direitos coletivos, assim entendidos, para efeitos

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DINAMARCO, Pedro da Silva. Ação Civil Pública. São Paulo: Saraiva, 2001. p. 53. 89

deste Código, os transindividuais de natureza indivisível de que seja titular grupo, categoria ou classe de pessoas ligadas entre si ou com a parte contrária por uma relação jurídica base”.

Logo, os caracteres do direito coletivo são: a) sujeitos determináveis; b) direitos ou interesses indivisíveis; c) titulares ligados entre si ou com a parte contrária por uma relação jurídica base.

Igualmente aos direitos difusos, os direitos coletivos em sentido estrito são substancial ou essencialmente coletivos.

Os titulares dos direitos coletivos são determináveis justamente porque podem ser identificados em razão da existência de uma relação jurídica base que os une ou que os vincula a uma parte contrária. Aliás, essa é a principal diferença entre os direitos em tela e os direitos difusos, estudados no tópico anterior, já que ambos são marcados pela indivisibilidade do bem jurídico.90

Oportuno afirmar que a relação jurídica base que une os integrantes do grupo, categoria ou classe de pessoas preexiste à lesão ou ameaça de lesão ao direito indivisível,

i.e., a relação jurídica base preexiste à relação jurídica que origina da lesão ou ameaça ao

direito91. Isso não significa que deva haver organização. É verdade, poderá haver quando as pessoas estiverem ligadas entre si por uma relação jurídica base, mas inexistirá (ou será

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Ada Pellegrini Grinover, com distinção, bem aprecia o tema: “O que distingue os interesses difusos dos coletivos, no sistema do Código, é o elemento subjetivo, porquanto nos primeiros inexiste qualquer vínculo jurídico que ligue os membros do grupo entre si ou com a parte contrária, de maneira que os titulares dos interesses difusos são indeterminados e indetermináveis, unidos apenas por circunstâncias de fato (como morar na mesma região, consumir os mesmos produtos, participar das mesmas atividades empresariais). Nos interesses coletivos, ao contrário, tem-se um grupo, categoria ou classe de pessoas ligadas por uma relação jurídica-base instituída entre elas (como acontece, por exemplo, quanto aos membros de uma associação) ou com a parte contrária (como nas relações tributárias, em que cada contribuinte é titular de uma relação jurídica com o fisco)” (GRINOVER, Ada Pellegrini. Significado social, político e jurídico da tutela dos interesses difusos. Revista de Processo, São Paulo, ano 25, n. 97, p. 09-15, janeiro-março 2000).

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WATANABE, Kazuo. Código Brasileiro de Defesa do Consumidor, comentado pelos autores do

prescindível) quando as pessoas estiverem ligadas à parte contrária por uma relação jurídica base.92

Tangentes ao tema “indivisibilidade” do direito, valem as considerações traçadas no item passado. Aqui também a lesão ou a satisfação do direito prejudicará ou atenderá, simultaneamente, o interesse de todos os titulares. Há, sem prejuízo, a ressalva de que se fala em indivisibilidade interna, ou seja, entre os membros ou integrantes do grupo, categoria ou classe de pessoas, já que estes, vistos como um corpo coletivo, no aspecto externo, poderão partir o bem em relação aos demais componentes da coletividade.93

De qualquer forma, Pedro da Silva Dinamarco tece crítica a um exemplo fornecido por Hugo Nigro Mazzilli, cuja transcrição se afigura bastante útil, principalmente para reflexão:

Hugo Nigro Mazzilli aponta a hipótese dos consorciados ligados a uma mesma administradora que sofrem o mesmo aumento ilegal das prestações. O pedido de reconhecimento da ilegalidade do aumento seria “compartilhado pelos integrantes do grupo de forma indivisível e não quantificável: a ilegalidade do aumento não será maior para quem tenha mais cotas: a ilegalidade será igual para todos”. Entretanto, onde está a indivisibilidade do objeto? Por que não seria possível conceder a tutela para um consorciado e não conceder proteção igual a outro? Um consorciado lesado não pode demandar individualmente, separado dos demais, para pleitear a redução? São perguntas sem respostas plausíveis. No exemplo citado, a indivisibilidade está apenas na causa de pedir (ilegalidade do aumento) e não na tutela propriamente dita (ou seja, no resultado externo do processo, ao produzir alterações práticas na vida das pessoas). Na verdade, essa situação parece, quando muito, enquadrar-se melhor como hipótese de interesses individuais homogêneos.94

Do mesmo modo, a ação visando à melhoria das condições de meio-ambiente de trabalho, como exemplo de direito coletivo, sofre nova crítica pelo autor, sob o argumento

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DINAMARCO, Pedro da Silva. Ação Civil Pública. São Paulo: Saraiva, 2001. p. 55; WATANABE, Kazuo. Código Brasileiro de Defesa do Consumidor, comentado pelos autores do Anteprojeto. 7. ed. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2001. p. 745.

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LENZA, Pedro. Teoria Geral da Ação Civil Pública. 2. ed. São Paulo: RT, 2005. p. 76. 94

de que outras pessoas, além dos trabalhadores, freqüentariam o local (carteiro, fornecedores etc.) e também seriam beneficiadas com o resultado da demanda. Assim, o direito seria, na verdade, difuso.95

Por isso, Dinamarco afirma que estudiosos como José Roberto Bedaque e Marcelo Abelha Rodrigues começam a suspeitar da própria existência dos direitos coletivos em sentido estrito.96

Todavia, parece-nos sem razão essa crítica, pois importam para fins de tutela jurisdicional o que o autor da ação coletiva apresenta ao processo, qual a causa de pedir deduzida e qual o pedido formulado, ou seja, qual o desenho da lide apresentada.97 A mesma lesão pode propiciar uma demanda para a tutela de direitos difusos, coletivos em sentido estrito ou individuais homogêneos. Kazuo Watanabe exemplifica que uma ação destinada a atacar o reajuste de mensalidades escolares em desacordo com as normas fixadas pelo Conselho Estadual de Educação apresenta uma tutela a um direito coletivo, pois dirigida a todos os alunos indistintamente. Porém, se o que se busca é a devolução das importâncias indevidamente cobradas, a ação versa sobre direitos individuais homogêneos.98

De seu lado, Alcides A. Munhoz da Cunha pontifica que a indivisibilidade característica dos direitos difusos e coletivos pode se dar no plano fático (v.g., a proteção ao meio ambiente lesado por uma conduta degradante, por meio de um provimento judicial que determine o plantio de algumas espécies na área atingida, é, por natureza, indivisível, incindível, pois a satisfação interessa e beneficia a um só tempo todos os integrantes da

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DINAMARCO, Pedro da Silva. Ação Civil Pública. São Paulo: Saraiva, 2001. p. 56. 96

DINAMARCO, Pedro da Silva. Ação Civil Pública. São Paulo: Saraiva, 2001. p. 58. 97

WATANABE, Kazuo. Código Brasileiro de Defesa do Consumidor, comentado pelos autores do

Anteprojeto. 7. ed. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2001. p. 750.

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WATANABE, Kazuo. Código Brasileiro de Defesa do Consumidor, comentado pelos autores do

coletividade) ou jurídico, dependendo, neste último caso, da causa de pedir e do pedido trazido a juízo. Exemplifica da seguinte forma:

De outro lado, a utilidade é juridicamente indivisível, por exemplo, no caso em que se pretende a nulidade de suposta portaria ministerial que proíbe as compras a prazo (isto porque, faticamente, cada consumidor poderia pleitear individualmente a tutela de suposto direito individual de efetuar compras a prazo; todavia, diante da causa de pedir e do objeto da pretensão metaindividual, o bem se torna juridicamente indivisível, porque a nulidade daquela suposta portaria beneficiaria a todos os consumidores, indistintamente).99

Rizzato Nunes, com precisão, bem diferencia os direitos coletivos dos individuais homogêneos, tomando por ponto de partida a indivisibilidade ou não do objeto ou bem jurídico protegido:

Como se viu, o objeto do Direito Coletivo é indivisível. O que vai acontecer é que o efeito da violação a um direito coletivo gere também um direito individual ou individual homogêneo. Assim, por exemplo, o mau tratamento da água fornecida aos usuários é típico caso de Direito Coletivo com objeto indivisível, mas simultaneamente seu fornecimento e consumo podem gerar dano à saúde de um consumidor individualmente considerado.100

A questão voltará a ser objeto de apreciação no tópico destinado à análise dos critérios para a identificação dos direitos difusos, coletivos em sentido estrito e individuais homogêneos (item 2.1.4).

São exemplos clássicos de direitos coletivos, sempre lembrados e invocados pela doutrina, o direito dos alunos de determinada escola à qualidade do ensino, o direito dos consorciados contra um aumento ilegal ou dos alunos contra o aumento ilegal das

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CUNHA, Alcides A. Munhoz. Evolução das Ações Coletivas no Brasil. Revista de Processo, São Paulo, ano 20, n. 77, p. 224-235, janeiro-março 1995.

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NUNES, Rizzato. As Ações Coletivas e as Definições de Direito Difuso, Coletivo e Individual Homogêneo. Processo Civil Coletivo. Coord. Rodrigo Mazzei e Rita Dias Nolasco. São Paulo: Quartier Latin, 2005. p. 90.

mensalidades, o direito dos contribuintes de um mesmo tributo, o direito à qualidade do fornecimento dos serviços públicos essenciais, tais como, água, energia elétrica, gás etc.