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Critérios para a identificação dos direitos ou interesses coletivos em sentido amplo

2.1 O conceito e a identificação dos interesses ou direitos coletivos em sentido amplo

2.1.4 Critérios para a identificação dos direitos ou interesses coletivos em sentido amplo

É de ser lembrado que os interesses ou direitos difusos, coletivos em sentido estrito e individuais homogêneos, no plano sociológico, preexistem ao processo108, mas serão identificados conforme a pretensão deduzida em juízo. Um mesmo fato pode gerar direitos de diversas naturezas e somente com a apreciação da tutela jurisdicional pretendida (formada pela causa de pedir e pedido) é que se poderá saber se se está visando à proteção ou à reparação de um direito ou interesse difuso, coletivo ou individual homogêneo ou de todos eles, pois perfeitamente possível a cumulação de pedidos de natureza difusa, coletiva e individual homogênea.109

Processo e Constituição, Estudos em homenagem ao Professor José Carlos Barbosa Moreira. Coord. Luiz

Fux, Nelson Nery Jr. e Teresa Arruda Alvim Wambier. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2006. p. 94-95). 108

LENZA, Pedro. Teoria Geral da Ação Civil Pública. 2. ed. São Paulo: RT, 2005. p. 98. 109

Nesse diapasão, Kazuo Watanabe leciona ser “[...] suficiente uma só demanda coletiva para a proteção de todas as pessoas titulares desses interesses ou direitos, ‘indeterminadas e ligadas por circunstâncias de fato’, em se tratando dos ‘difusos’, e de todas as pessoas pertencentes a um mesmo grupo, categoria ou classe ‘ligadas entre si ou com a parte contrária por uma relação jurídica base’, em se cuidando dos ‘coletivos’. O mesmo se pode dizer em relação a ‘interesses ou direitos individuais homogêneos’, quanto ao processo de conhecimento da demanda coletiva (art. 95, CDC), tanto que a sentença de procedência fará coisa julgada erga omnes, como às expressas dispõe o art. 103, III, do CDC” (WATANABE, Kazuo. Código Brasileiro de

Defesa do Consumidor, comentado pelos autores do Anteprojeto. 7. ed. Rio de Janeiro: Forense

O conhecido e sempre invocado exemplo esculpido por Nelson Nery Junior, utilizando-se do trágico acidente com o Bateau Mouche IV, presta-se para bem esclarecer a questão:

Na verdade o que determina a classificação de um direito como difuso, coletivo, individual puro ou individual homogêneo é o tipo de tutela jurisdicional que se pretende quando se propõe a competente ação judicial. Ou seja, o tipo de pretensão que se deduz em juízo. O mesmo fato pode dar ensejo à pretensão difusa, coletiva ou individual. O acidente com o Bateau Mouche IV, que teve lugar no Rio de Janeiro no final de 1988, poderia abrir oportunidade para a propositura de ação individual por uma das vítimas do evento pelos prejuízos que sofreu (direito individual), ação de indenização em favor de todas as vítimas ajuizada por entidade associativa (direito individual homogêneo), ação de obrigação de fazer movida por associação das empresas de turismo que têm interesse na manutenção da boa imagem desse setor de economia (direito coletivo), bem como ação ajuizada pelo Ministério Público, em favor da vida e segurança das pessoas, para que seja interditada a embarcação a fim de se evitarem novos acidentes (direito difuso). Em suma, o tipo de pretensão é que classifica um direito ou interesse como difuso, coletivo ou individual.110

Mesmo assim, é possível e correto falar em direito material difuso e coletivo. Estes existem de per si, não sendo direitos de natureza processual, muito embora sua tutela seja feita somente em um processo coletivo. Já os direitos individuais homogêneos, em sua essência, são direitos materiais individuais, com possibilidade alternativa de tratamento processual coletivo (daí a expressão, acidentalmente coletivos), criada pelo Código de Defesa do Consumidor com o fito de propiciar, na sociedade de massa em que vivemos, um maior acesso à ordem jurídica justa, tempestiva e efetiva.111

110

NERY Jr., Nelson. Princípios do Processo Civil na Constituição Federal. Coleção Estudos de Direito de Processo Enrico Tullio Liebman. v. 21. 7 ed. São Paulo: RT, 2002. p. 125.

111

De forma precisa, sintetiza Patrícia Miranda Pizzol: “É praticamente unânime na doutrina o entendimento de que essa categoria de direito não difere intrinsicamente dos direitos individuais puros, a não ser pelo seu tratamento processual, ou seja, pela possibilidade de serem tutelados em juízo coletivamente. [...] Parece-nos, assim, que o “direito individual homogêneo” é uma criação do direito processual, não existindo um direito material individual homogêneo e sim direitos individuais puros que podem ser tutelados coletivamente, em razão da sua origem comum, tendo em vista a necessidade de a prestação jurisdicional ser o mais efetiva possível” (PIZZOL, Patrícia Miranda. Liquidação nas Ações Coletivas. São Paulo: Lejus, 1998. p. 100-101). A expressão acesso à ordem jurídica justa foi cunhada por Kazuo Watanabe (Acesso à Justiça e Sociedade

De outro vértice, existe um direito material difuso e coletivo que preexiste à própria ameaça ou lesão sofrida e à própria lide definida no processo, embora seja com a análise da causa de pedir e do pedido que se poderá concluir a respeito de qual natureza de direito que se está pretendendo tutelar.112

Muitos desses direitos materiais estão previstos na própria Constituição Federal de 1988, consoante alhures exemplificamos.

É justamente por meio da análise dos elementos processuais causa de pedir e pedido que se poderá chegar à conclusão a respeito de qual direito se está pretendendo tutelar.

Vale a pena mais uma vez socorrermo-nos, sobre a forma de identificação e distinção desses direitos, das lições proferidas por Nelson Nery Junior: “O que qualifica o direito como difuso, coletivo ou individual homogêneo é o conjunto formado pela causa de pedir e pelo pedido deduzido em juízo. O tipo de pretensão material, juntamente com o seu fundamento é que caracterizam a natureza do direito”.113

Adotando o mesmo entendimento, entre outros, Celso Antônio Pacheco Fiorillo114 e Kazuo Watanabe.115

Pedro da Silva Dinamarco, de seu lado, estabelece como primeiro passo para se distinguir os interesses em estudo a análise de seu objeto: se for divisível, cuida-se de

Moderna. Participação e Processo. Coord. Ada Pellegrini Grinover, Cândido Rangel Dinamarco e Kazuo Watanabe. São Paulo: RT, 1988. p. 129-135).

112

PIZZOL, Patrícia Miranda. Liquidação nas Ações Coletivas. São Paulo: Lejus, 1998. p. 94. 113

NERY JR., Nelson; NERY, Rosa Maria Andrade. Código de Processo Civil Comentado. 4. ed. São Paulo: RT, 1999. p. 1.864.

114

FIORILLO, Celso Antônio Pacheco. Curso de Direito Ambiental Brasileiro. São Paulo: Saraiva, 2001. p. 09.

115

WATANABE, Kazuo. Código Brasileiro de Defesa do Consumidor, comentado pelos autores do

direito individual homogêneo; se for indivisível, trata-se de interesse difuso ou coletivo em sentido estrito, conforme os titulares sejam indeterminados ou determináveis. Como segundo passo e critério complementar, deve ser apreciado o tipo de tutela que se pretende. Isso porque o mesmo fato, às vezes, dá origem às três modalidades de interesses e somente em função do pedido é que será possível a distinção. Entende referido autor que a causa de pedir não tem grande influência na identificação porque o pedido deve a ela vir adaptado.116

Em suma, a pretensão material (pedido) e o seu fundamento (causa de pedir), aliados às regras estabelecidas no art. 81 do Código de Defesa do Consumidor, são os melhores critérios para a identificação dos interesses ou direitos difusos, coletivos ou individuais homogêneos que se pretende tutelar em juízo.