3.3 Legitimidade
3.3.3 Litisconsórcio, assistência e intervenção de terceiros em processo coletivo
As próprias características concorrente e disjuntiva da legitimidade para a propositura de ação civil pública possibilitam a existência de litisconsórcio ou assistência entre os co- legitimados.
Ademais, a regra preconizada no art. 5º, § 2º, da Lei da Ação Civil Pública, segundo a qual “fica facultado ao Poder Público e a outras associações legitimadas nos termos deste artigo habilitar-se como litisconsortes de qualquer das partes”, deve ser interpretada de forma extensiva, no sentido da possibilidade de litisconsórcio entre todos os co-legitimados.
Mesmo entre os Ministérios Públicos da União, do Distrito Federal e dos Estados é possível o litisconsórcio na defesa dos interesses e direitos massificados (LACP, art. 5º, § 5º).213
Esse litisconsórcio, em regra, é facultativo, originário ou ulterior, e unitário (com relação à pretensão invocada, ou seja, no âmbito do direito material).214
Sobre o tema, José Marcelo Menezes Vigliar, citando Hugo Nigro Mazzilli e Cândido Rangel Dinamarco, sustenta:
[...] se houver habilitação de um dos co-legitimados em demanda já em curso, poderá ocorrer hipótese de litisconsórcio ulterior (quando aquele que intervém adita a inicial, modificando o seu objeto), ou então de mera assistência litisconsorcial, quando houver o ingresso sem a alteração da demanda já proposta.215
213
Adiante retomaremos o tema (item 3.3.5). 214
A respeito, conferir NERY JR., Nelson; NERY, Rosa Maria Andrade. Código de Processo Civil
Comentado. São Paulo: RT, 1999. p. 1.517.
215
VIGLIAR, José Marcelo Menezes. Ação Civil Pública. 5. ed. São Paulo: Atlas, 2001. p. 88. Cf. MAZZILLI, Hugo Nigro. 10. ed. A Defesa dos Interesses Difusos em Juízo. São Paulo: Saraiva, 1988. p. 81- 90.
Não nos parece correta essa diferenciação. A bem da verdade, ingressando um dos legitimados em demanda já em curso, ele assumirá, a partir de seu ingresso, posição idêntica a de um litisconsorte.
Lecionam Arruda Alvim e Teresa Arruda Alvim Pinto que a figura da assistência litisconsorcial muito se assemelha à do litisconsórcio unitário. Quanto ao ponto que pode servir de critério diferenciador, discorrem:
[...] o assistente litisconsorcial é alguém que, em quase tudo e por tudo, equipara-se ao litisconsorte unitário, exceção feita ao problema de que outrem – que é o assistido – tem legitimidade para agir, em relação à sua própria situação, e, cujo agir, afeta também a situação jurídica daquele, que, ingressando no processo, será assistente litisconsorcial.
[...]
Se assim é, esse outro, cuja esfera jurídica é afetada pelo agir do que instaura o processo [...], poderá vir a ser assistente litisconsorcial, se ingressar no processo; não ingressando, será igualmente afetado.216
Normalmente, quando a pretensão, no plano do direito material, tiver de ser julgada de forma idêntica para os ocupantes de um dos pólos da ação, o litisconsorte, além de unitário, é necessário. Por vezes, a lei admite que algum ou alguns dos titulares da relação de direito substancial instaure o processo e os demais, também titulares dessa relação jurídica, poderão ingressar ou não nesse processo já instaurado (em suma, admite a lei um litisconsórcio unitário facultativo). Ingressando, este assistente litisconsorcial assumirá posição idêntica à de um litisconsorte, pouco importando ter ou não aditado o pedido.
É exatamente isso que ocorre entre os co-legitimados à tutela coletiva. Entre eles, há litisconsórcio unitário, mas não necessário (facultativo, portanto), pois a legitimidade desses entes é concorrente e disjuntiva, de modo que o direito de ação pode ser exercido por um dos legitimados, independentemente da presença ou concordância dos demais.
216
ALVIM, Arruda; ALVIM PINTO, Teresa Arruda. Assistência – Litisconsórcio, Repertório de
Estes, contudo, podem ingressar no feito e, isso ocorrendo, assumirão a posição de verdadeiros litisconsortes, com poderes processuais amplos e independentes em relação à parte originária.217 Se não ingressarem, serão igualmente atingidos pelos efeitos da sentença (p.ex., se a ação for julgada improcedente por qualquer motivo que não a falta de prova, verificando-se a coisa julgada, ela não poderá ser reproposta pelo legitimado-autor nem por qualquer outro legitimado, tenha este ingressado ou não no processo).
No que tange à possibilidade de assistência entre os legitimados, Rodolfo de Camargo Mancuso pontifica: “Apesar de o art. 5º, § 2º, não se referir expressamente a essa figura, estamos em que no âmbito da ação civil pública ela comporta, em princípio, as modalidades ‘simples/adesiva’ ou, ainda, ‘litisconsorcial/ qualificada’”.218
E quanto ao indivíduo, poderá intervir como assistente ou litisconsorte?
Debruçando-se sobre o tema, Hugo Nigro Mazzilli defende que o indivíduo não pode ser autor em ação coletiva na defesa de interesses difusos e coletivos em sentido estrito, quer isoladamente, quer em litisconsórcio, porque o rol de legitimados é numerus
clausus. Por outro lado, prossegue o autor, a exceção verifica-se nas hipóteses de
cabimento também da ação popular, quando não seria possível recusar ao indivíduo o litisconsórcio ou a assistência litisconsorcial.
Lembra, por fim, que, na defesa de interesses individuais homogêneos, a pessoa poderá intervir como assistente litisconsorcial (CDC, art. 94). Ao final, resume: “Pode o indivíduo ser litisconsorte ou habilitar-se como assistente litisconsorcial, se tinha
217
ALVIM, Arruda; ALVIM PINTO, Teresa Arruda. Assistência – Litisconsórcio, Repertório de
Jurisprudência e doutrina. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1986. p. 14.
218
legitimidade ordinária ou extraordinária para fazer o mesmo ou conexo pedido ao que é feito na ação coletiva. Está aí o critério”.219
Em suma, o indivíduo não pode ingressar como litisconsorte ou assistente litisconsorcial em ação civil pública voltada à tutela de interesses ou direitos difusos e coletivos em sentido estrito, salvo se o objeto também puder ser veiculado via ação popular.Tratando-se de ação civil pública para a tutela de interesses individuais homogêneos, é permitida a intervenção do indivíduo como assistente litisconsorcial ou litisconsorte (CDC, art. 94), mas não poderá o indivíduo (pois não tem legitimidade para a tutela coletiva dos direitos individuais) aditar o pedido e promover alterações no objeto do processo. É uma forma diferente de se interpretar o litisconsórcio em relação à sua concepção tradicional concebida para o processo civil voltado à composição de lides intersubjetivas.220
Questão mais complexa diz respeito à possibilidade de o indivíduo atuar em ação civil pública destinada à defesa de interesses difusos ou coletivos em sentido estrito como assistente simples.
Sobre o assunto, discorre Hugo Nigro Mazzilli:
Admitida a intervenção do lesado na ação civil pública ou coletiva, devem-se-lhe reconhecer poderes para ampla atuação, como arrolar testemunhas e requerer perícia (ainda que o assistido as dispense) ou recorrer (ainda que o assistido renuncie ao direito de recorrer ou desista do recurso interposto). Não se poderá, entretanto, admitir assuma
219
MAZZILLI, Hugo Nigro. 10. ed. A Defesa dos Interesses Difusos em Juízo. São Paulo: Saraiva, 1988. p. 85. Esse também o entendimento esposado por Gregório Assagra de Almeida (ALMEIDA, Gregório Assagra. Direito Processual Coletivo Brasileiro. Um novo ramo do direito processual. São Paulo: Saraiva, 2003. p. 352-353) e por Nelson Nery Junior e Rosa Maria Andrade Nery (NERY JR., Nelson; NERY, Rosa Maria Andrade. Código de Processo Civil Comentado. São Paulo: RT, 1999. p. 1.517).
220
GRINOVER, Ada Pellegrini Grinover. Código Brasileiro de Defesa do Consumidor, comentado pelos
autores do Anteprojeto. 7. ed. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2001. p. 812. Gregório Assagra de
Almeida sustenta que a figura processual prevista no art. 94 do CDC mais do que do litisconsórcio aproxima- se da assistência litisconsorcial, porque os interessados, vítimas e sucessores, não têm legitimidade para a propositura de ação coletiva (ALMEIDA, Gregório Assagra. Direito Processual Coletivo Brasileiro. Um
diretamente a promoção da ação, em caso de desistência ou abandono do assistido, porque lhe falta legitimação autônoma para propor a ação, exceto se couber ação popular. Neste último caso, mais que assistente, o cidadão poderá ser litisconsorte em ação civil pública. Entretanto, para evitar eventual tumulto no processo – situação que, aliás, não é nova, caberá ao juiz recusar eventual intervenção, se abusiva.221
Em sentido contrário, e com razão, Nelson Nery Junior e Rosa Maria de Andrade Nery preconizam que não é possível o particular ingressar como assistente simples na ação civil pública, porque sua esfera jurídica individual não será atingida pela sentença.222
No pólo passivo das ações civis públicas, também é possível a formação de litisconsórcio. O próprio § 2º do art. 5º permite que tal ocorra com relação a qualquer das partes.
Nesse ponto, afigura-se muito mais clara a possibilidade de o indivíduo comparecer como réu, co-réu, litisconsorte ou assistente.
Em tese, até mesmo a nomeação à autoria, o chamamento ao processo, a oposição e a denunciação da lide são possíveis, salvo nos casos em que a própria lei proíbe (v.g., CDC, art. 88) ou quando o próprio sistema processual não permitir (v.g., denunciação da lide que acarrete intromissão de novo fundamento jurídico223). É preciso ter em conta que não se deve permitir a denunciação da lide quando essa figura provocar a intromissão de discussões relacionadas a interesses individuais que possam acarretar demora na entrega da prestação jurisdicional almejada para a tutela dos interesses coletivos em sentido amplo.
221
MAZZILLI, Hugo Nigro. A Defesa dos Interesses Difusos em Juízo. São Paulo: Saraiva, 1998. p. 90. 222
NERY JR., Nelson; NERY, Rosa Maria Andrade. Código de Processo Civil Comentado. São Paulo: RT, 1999. p. 1.517. Antonio Gidi sustenta o mesmo entendimento. Salienta que a influência que o indivíduo receberá da sentença coletiva apenas ocorrerá em caso de procedência (daí, dizer-se “influência relativa”). Aduz, também, que a admissão da assistência poderá inviabilizar a regular condução do processo, que se o indivíduo não tem legitimidade ad causam para propor a ação coletiva e, portanto, nela não poderá intervir, mesmo porque não teria legitimidade processual e porque não há relação do particular com a entidade a quem pretende assistir (GIDI, Antonio. Coisa julgada e litispendência em ações coletivas. São Paulo: Saraiva, 1995. p. 53 e ss.).
223
GRECO Filho, Vicente. Direito Processual Civil Brasileiro. 11. ed. São Paulo: Saraiva, 1999, v. 1. p. 138-148.
O art. 88 do CDC preconiza que, na hipótese do art. 13, parágrafo único, do mesmo Código, “a ação de regresso poderá ser ajuizada em processo autônomo, facultada a possibilidade de prosseguir-se nos mesmos autos, vedada a denunciação da lide”.
O art. 13, parágrafo único, do CDC disciplina o exercício do direito de regresso daquele que efetivou o pagamento da indenização pelo fato do produto contra os demais participantes do evento danoso.224
Esse direito de regresso não pode ser exercido mediante denunciação da lide, porque poderia causar complicações e demora na entrega da tutela jurídica ao consumidor, já que introduziria uma causa de pedir distinta na relação de responsabilidade. Para não se prejudicar aquele que efetuou o pagamento do dano, a lei permite o exercício do direito de regresso com propositura de ação autônoma nos mesmos autos da ação originária.225
3.3.4 O Ministério Público e os direitos difusos, coletivos stricto sensu e individuais