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Direitos ou interesses individuais homogêneos

2.1 O conceito e a identificação dos interesses ou direitos coletivos em sentido amplo

2.1.3 Direitos ou interesses individuais homogêneos

Por fim, o inciso III do mencionado parágrafo estabelece: “interesses ou direitos individuais homogêneos, assim entendidos os decorrentes de origem comum”.

Logo de plano, vale a pena salientarmos as principais características dos direitos individuais homogêneos, que se prestam a identificá-los e a diferenciá-los das categorias já estudadas (direitos difusos e coletivos em sentido estrito): a) titulares determinados ou determináveis; b) interesses ou direitos divisíveis; c) titulares ligados entre si por uma situação de fato ou de direito comum.

São direitos subjetivos individuais apenas tratados de forma coletiva, por serem homogêneos em razão da origem comum, não sendo, como as categorias anteriores,

essencialmente coletivos e sim acidentalmente coletivos101. Justamente por serem substancialmente direitos individuais, seus titulares são determinados e seu objeto divisível, mas por possuírem uma homogeneidade decorrente de sua comum origem é que surge, em princípio, a possibilidade de sua defesa de forma coletiva.102

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As expressões foram cunhadas por José Carlos Barbosa Moreira (Tutela Jurisdicional dos Interesses Coletivos ou Difusos. Revista de Processo, São Paulo, ano X, nº 39, p. 55-77. julho-setembro 1985). Conferir também do mesmo autor, Ações Coletivas na Constituição Federal de 1988. Revista de Processo, São Paulo, ano 16, n. 61, p. 187-200, janeiro-março 1991.

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Clarifica José Carlos Barbosa Moreira que são “[...] interesses referíveis individualmente aos vários membros da coletividade atingida, e não fica excluída a priori a eventualidade de funcionarem os meios de tutela em proveito de uma parte deles, ou até de um único interessado, nem a de desembocar o processo na vitória de um ou de alguns e, simultaneamente, na derrota de outro ou de outros. O fenômeno adquire, entretanto, dimensão social em razão do grande número de interessados e das graves repercussões na comunidade; numa palavra: do ‘impacto de massa’” (grifos do autor) (MOREIRA, José Carlos Barbosa. Tutela Jurisdicional dos Interesses Coletivos ou Difusos. Revista de Processo, São Paulo, ano X, nº 39, p. 55- 77. julho-setembro 1985).

A aglutinação dos titulares dos interesses individuais homogêneos decorre de uma situação fática, reveladora de uma origem comum, pois inexiste uma relação jurídica base a unir essas pessoas.

Essas características também são ressaltadas por Pedro Lenza:

Por seu turno, os interesses individuais homogêneos caracterizam-se por sua divisibilidade plena, na medida em que, além de serem os seus sujeitos determinados, não existe, por regra, qualquer vínculo jurídico ou relação jurídica-base ligando-os, sendo que, em realidade, a conexão entre eles decorre de uma origem comum, como, por exemplo, o dano causado à saúde individual de determinados indivíduos, em decorrência da emissão de poluentes no ar por uma indústria. Diante disso, é perfeitamente identificável o prejuízo individual de cada qual, podendo- se dividir (cindir) o interesse, efetivando-se a prestação jurisdicional de maneira correlacionada ao dano particular.103

A origem comum que leva à homogeneidade dos direitos individuais, permitindo a sua tutela de forma globalizada, nos passos dos ensinamentos de Ada Pellegrini Grinover, pode ser de fato ou de direito, bem como mais ou menos próxima ou remota, havendo menos homogeneidade dos direitos quanto mais remota for a origem (causa). Bastante esclarecedor o exemplo fornecido pela autora:

Mas é preciso observar que a origem comum (causa) pode ser próxima ou remota. Próxima, ou imediata, como no caso da queda de um avião, que vitimou diversas pessoas; remota, ou mediata, como no caso de um dano à saúde, imputado a um produto potencialmente nocivo, que pode ter tido como causa próxima as condições pessoais ou o uso inadequado do produto. Quanto mais remota for a causa, menos homogêneos serão os direitos.104

E ainda:

Sobre homogeneidade, pouco se tem dito. Talvez a própria redação do dispositivo legal induza a pensar que a “homogeneidade pela origem comum” seja um único requisito. Os direitos seriam homogêneos sempre que tivessem origem comum.

103

LENZA, Pedro. Teoria Geral da Ação Civil Pública. 2. ed. São Paulo: RT, 2005. p. 76. 104

GRINOVER, Ada Pellegrini. Da class action for damages à ação de classe brasileira. Ação Civil Pública –

Parece evidente, no entanto, que a origem comum – sobretudo se for remota – pode não ser suficiente para caracterizar a homogeneidade. [...] Não há homogeneidade entre situações de fato ou de direito sobre as quais as características pessoais de cada um atuam de modo completamente diferente.105

Ada Pellegrini Grinover aponta dois requisitos específicos para a admissibilidade da class action for damages no direito norte-americano que são, segundo seus ensinamentos, de certo modo, também adotados no direito pátrio.

São eles a prevalência das questões comuns sobre as individuais e a superioridade da tutela coletiva sobre a individual. No ordenamento jurídico, o primeiro requisito mostra- se presente quando os direitos individuais são homogêneos, permitindo a sua tutela coletiva, pois, prevalecendo as questões individuais sobre as comuns, os direitos serão heterogêneos e o pedido de tutela coletiva será juridicamente impossível. O segundo requisito está relacionado ao interesse para agir e à efetividade do processo, pois, se o provimento jurisdicional resultante da ação direcionada à defesa coletiva dos direitos individuais homogêneos não se mostrar tão eficaz quanto aquele que derivaria de ações individuais, a ação coletiva não se demonstrará útil e adequada à proteção desses direitos.106

Esses requisitos, no direito norte-americano, decorrem do disposto nas letras A a D do inciso (b3). Não há previsão semelhante em nosso sistema de tutela coletiva, o que, para nós, impede a sua importação. Talvez a introdução desses requisitos nas ações coletivas brasileiras implique uma dificuldade na sua utilização e restrição ao acesso à justiça, já que o inciso III do parágrafo único do art. 81 apenas conceitua direitos ou interesses individuais homogêneos como aqueles decorrentes de origem comum. Em princípio,

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GRINOVER, Ada Pellegrini. Da class action for damages à ação de classe brasileira. Ação Civil Pública –

Lei 7.347/1985 – 15 anos. 2. ed. São Paulo: RT, 2002. p. 31.

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GRINOVER, Ada Pellegrini. Da class action for damages à ação de classe brasileira. Ação Civil Pública –

presente esse traço caracterizador, possível se mostra a tutela desses direitos ou interesses individuais de forma coletiva. Questões particulares normalmente surgirão, mais ou menos distintas conforme mais ou menos próxima ou remota a origem comum, mas não terão o condão de impedir a tutela via ação coletiva e deverão ser apresentadas e debatidas na fase de liquidação da sentença, em regra, genérica (CDC, art. 95). Justamente por isso, na liquidação individual da sentença que reconhece a responsabilidade do agente pelos danos causados aos titulares dos direitos ou interesses, estes deverão demonstrar a existência e o montante de seus respectivos danos (prejuízos sofridos) e a relação de causalidade (nexo etiológico) entre esses danos e o dano geral reconhecido na sentença genérica.

De todo modo, a adoção dessas condições para se permitir o manejo de ações coletivas voltadas à defesa dos interesses individuais homogêneos parece ser a tendência de opção legislativa. O Anteprojeto de Código Brasileiro de Processos Coletivos, no art. 28, preconiza que a ação civil pública poderá ser proposta para a tutela conjunta de direitos subjetivos individuais, de origem comum, de que sejam titulares os membros de grupo, categoria ou classe, desde que presentes, além dos requisitos do art. 20, a predominância das questões comuns sobre as individuais e a utilidade da tutela coletiva no caso concreto. No mesmo sentido, o art. 2º, § 1º, do Código Modelo de Processos Coletivos para Ibero- América.107

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Vale lembrar que a elaboração desses modelos para reformas legislativas contou com a participação de Ada Pellegrini Grinover, entre outros. De todo modo, discordamos do entendimento adotado pela autora. Sobre o tema, Patrícia Miranda Pizzol salienta que à luz do ordenamento jurídico vigente basta a homogeneidade decorrente da origem comum dos direitos para que se possa realizar a tutela desses direitos individuais homogêneos de forma coletiva, não sendo necessário que as questões comuns predominem sobre as individuais, porque “[...] a ação coletiva é importante (útil) para a coletividade, pois nela restam reconhecidas a responsabilidade do fornecedor e a necessidade de reparação dos danos causados aos consumidores, bastando a estes, nas respectivas liquidações (por artigos) demonstrar o dano individualmente sofrido, bem como o nexo de causalidade e o montante, o que, sem dúvida alguma, é muito mais simples do que propor uma ação individual condenatória e fazer prova da responsabilidade do fornecedor e do dever de indenizar”. A autora não concorda com as propostas reformistas e diz que a “[...] alteração legislativa proposta implicará um retrocesso, prejudicando a tutela jurisdicional do direito individual homogêneo” (PIZZOL, Patrícia Miranda. A tutela antecipada nas ações coletivas como instrumento de acesso à justiça.

Diversos são os exemplos a respeito dos direitos individuais homogêneos, podendo ser citada a situação dos compradores de um determinado modelo de veículo que tenham um mesmo defeito de série. São pessoas determinadas ou determináveis que estão em uma mesma situação de fato (aquisição de um produto com defeito em série) e titulares de um interesse divisível (reparação do dano a cada um dos compradores).