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3.3 Legitimidade

3.3.9 Legitimidade passiva

A Lei da Ação Civil Pública e o Código de Defesa do Consumidor não introduziram modificações com relação à legitimidade passiva das ações coletivas.263

Como bem ressaltou José Marcelo Menezes Vigliar:

Não há nenhuma condição especial para que alguém (seja pessoa física, seja pessoa jurídica, ou ente dotado de personalidade jurídica) se encontre na posição de legitimado passivo ad causam para as ações civis públicas. Basta que essa pessoa realize ou ameace realizar uma conduta que cause lesão a quaisquer dos interesses transindividuais: meio ambiente, consumidor, patrimônio público, patrimônio cultural etc.264

Esse parece ser o entendimento predominante entre os doutrinadores.

Assim, Patrícia Miranda Pizzol: “Todas as pessoas que concorrerem para a realização do ato lesivo devem ser responsabilizadas, de forma objetiva e solidária, em consonância com o disposto nos arts. 1.518 do CC; 14, § 1º, da Lei 6.938/81; 17, parágrafo único e 25, § 1º, do CDC.”265

E Gregório Assagra de Almeida:

Não há, em regra, limitação quanto a quem deva figurar no pólo passivo da ação civil pública. Neste poderão constar aqueles que concorrerem direta ou indiretamente para a lesão ou ameaça de lesão a direito coletivo tutelável. Quando a ação civil pública tiver como objeto atos de improbidade administrativa e a reparação ao erário, a pessoa jurídica interessada deverá ser necessariamente citada como interessada para os fins previstos no § 3º do art. 17 da Lei n.º 8.429/1992 c/c o § 3º do art. 6º da Lei n.º 4.717/65.266

263

PIZZOL, Patrícia Miranda. Liquidação nas ações coletivas. São Paulo: Lejus, 1998. p. 140. 264

VIGLIAR, José Marcelo Menezes. Ação Civil Pública. 5. ed. São Paulo: Atlas, 2001. p. 87. 265

PIZZOL, Patrícia Miranda. Liquidação nas ações coletivas. São Paulo: Lejus, 1998. p. 141. 266

ALMEIDA, Gregório Assagra. Direito Processual Coletivo Brasileiro. Um novo ramo do direito

Todavia, questão mais complexa diz respeito à possibilidade de os legitimados previstos na LACP e no CDC também figurarem no pólo passivo da ação civil pública, substituindo a coletividade, tal como se permite no sistema norte-americano, em que a regra 23 das Federal Rules of Civil Procedure autoriza que um ou mais representantes da classe demandem ou sejam demandados em juízo, representando-a.

O sistema norte-americano permite a defendant class action porque há um rígido controle judicial na investigação e apreciação da representatividade adequada, bem assim porque a coisa julgada na ação coletiva produz os seus efeitos aos integrantes da coletividade independentemente do seu resultado.

No Brasil, outro foi o sistema adotado. Aqui o controle de representatividade adequada é ope legis e a coisa julgada produz os seus efeitos secundum eventum litis, circunstâncias que impedem a existência da chamada ação coletiva passiva.267

Além disso, na precisão lição de Pedro da Silva Dinamarco, a impossibilidade de ação coletiva passiva verifica-se também pelos seguintes motivos:

Isso é decorrência lógica, no plano infraconstitucional, do art. 472 do Código de Processo Civil: “a sentença faz coisa julgada às partes entre as quais é dada, não beneficiando, nem prejudicando terceiros”. No plano constitucional, a admissibilidade da presença de uma associação no pólo passivo, como substituto de terceiros, violaria a garantia individual do contraditório e da ampla defesa (art. 5º, inc. LV), bem como a do devido processo legal (art. 5º, inc. LIV). Assim, é inimaginável que os efeitos de uma sentença, em qualquer processo, possam prejudicar o indivíduo sem que lhe seja dada a ampla oportunidade de se defender e de lançar mão dos recursos inerentes àqueles princípios constitucionais.268

Rodolfo de Camargo Mancuso preleciona que, a priori, até mesmo os legitimados do pólo ativo previstos no art. 5º da Lei nº 7.347/85 e no art. 82 da Lei nº 8.078/90 podem

267

Esse é o ensinamento de Pedro da Silva Dinamarco e Hugo Nigro Mazzilli (DINAMARCO, Pedro da Silva. Ação Civil Pública. São Paulo: Saraiva, 2001. p. 269. Esse também é o posicionamento de MAZZILLI, Hugo Nigro. A Defesa dos Interesses Difusos em Juízo. 10 ed. São Paulo: Saraiva, 1988. p. 91). 268

figurar no pólo passivo da ação civil pública, com exceção do Ministério Público, por ser órgão estatal desprovido de personalidade jurídica, caso em que figurará no pólo passivo da demanda a União ou o respectivo Estado, conforme o caso.269

Afirma, ainda, ser situação extremamente rara a alocação de uma associação no pólo passivo da ação, havendo exceção quando ela estiver litigando interesse próprio, ainda que o resultando da demanda atinja indiretamente seus associados, como, utilizando-se de exemplo lembrado por Pedro da Silva Dinamarco, no caso das ações civis públicas ajuizadas pelo Ministério Público visando à extinção de algumas torcidas organizadas (Mancha Verde e Torcida Independente).270

Discordamos do autor. Não há dúvidas de que os entes políticos, se causadores diretos ou indiretos de lesões a interesses metaindividuais, podem, e devem, figurar no pólo passivo de eventual ação coletiva proposta por qualquer outro legitimado.271 Nessa hipótese, essas pessoas não estão substituindo a coletividade, posto que, ao atuarem contra um interesse desta, agem tendo em vista, conforme a distinção conhecida e aceita de Renato Alessi, não o interesse público primário (bem estar geral), mas sim o interesse público secundário (modo pelo qual a Administração vê o interesse público) ou ainda, por que não dizer, algum interesse escuso.

Mas não há como admitir a presença de um dos legitimados (órgãos públicos ou associações) no pólo passivo da ação coletiva, representando interesses ou direitos da

269

MANCUSO, Rodolfo de Camargo. Ação Civil Pública. São Paulo: RT, 2002. p. 175. Esse o ensinamento de José Marcelo Menezes Vigliar: “[...] o Ministério Público, enquanto órgão estatal desprovido de personalidade jurídica, jamais será parte passiva nas demandas coletivas. Assim, o Estado-membro respectivo, ou a União, quando se estiver diante do Ministério Público Federal (ou outro Ministério Público da estrutura do Ministério Público da União), é que responderá pelos eventuais atos praticados, e o órgão de execução do Ministério Público será responsável pelos casos em que venha a agir com dolo ou fraude” (VIGLIAR, José Marcelo Menezes. Ação Civil Pública. 5. ed. São Paulo: Atlas, 2001. p. 87).

270

MANCUSO, Rodolfo de Camargo. Ação Civil Pública. São Paulo: RT, 2002. p. 175. 271

MANCUSO, Rodolfo de Camargo. Ação Civil Pública. São Paulo: RT, 2002. p. 176. MAZZILLI, Hugo Nigro. A Defesa dos Interesses Difusos em Juízo. 10 ed. São Paulo: Saraiva, 1988. p. 9.

coletividade, grupo, categoria, classe ou indivíduos titulares de direitos, porque não há como conceber os efeitos dessa sentença atingindo os integrantes dessa coletividade, grupo, classe... O sistema de tutela coletiva concebido e adotado em nosso país apenas permite que os efeitos de uma sentença judicial se espraie sobre a coletividade de pessoas (erga omnes ou ultra partes) se o resultado for favorável a tais pessoas, jamais se for contrário aos interesses destas.

O Código Modelo de Processos Coletivos para Ibero-América (arts. 35-38) e o Anteprojeto de Código Brasileiro de Processos Coletivos (arts. 36-38) disciplinam a chamada “ação coletiva passiva”.

Segundo proposta do Código Modelo de Processos Coletivos para Ibero-América, qualquer ação pode ser proposta contra uma coletividade organizada ou que tenha representante adequado, desde que o bem jurídico a ser tutelado seja de natureza transindividual e se revista de interesse social (art. 35).

A coisa julgada, na ação coletiva passiva, foi tratada de forma diferenciada, conforme se trate o bem indivisível (coisa julgada erga omnes, vinculando os membros do grupo, categoria ou classe ao resultado da demanda, seja ele de procedência ou não) ou divisível (coisa julgada erga omnes, com a possibilidade de os membros do grupo, categoria ou classe afastarem a eficácia da decisão de procedência na sua esfera jurídica individual, por meio de ações próprias). No entanto, se a ação coletiva for proposta contra sindicato, a coisa julgada abrangerá e vinculará os membros da categoria, mesmo em caso de procedência do pedido. Ada Pellegrini Grinover explica o tratamento diferenciado da coisa julgada na ação coletiva contra sindicato, porque este, em regra, tem representatividade adequada mais sólida dos que as associações.272

272

Código Modelo de Processos Coletivos para Ibero-América – Exposição de Motivos, texto elaborado por

Ada Pellegrini Grinover disponível em http://www.uj.com.br/publicacoes/doutrinas/default.asp?action=doutrina&iddoutrina=2077

A bem da verdade, no caso de direitos individuais homogêneos, parece que o tratamento dispensado pelo Código Modelo é desprovido de eficácia ou utilidade práticas. De que adianta uma sentença contra todos os titulares de direitos divisíveis, em processo em que estes foram substituídos no pólo passivo por um dos legitimados, se é possível por meio de ações próprias (individuais) afastarem a eficácia dessa decisão. É o mesmo que dizer: há a possibilidade de ação coletiva passiva contra os indivíduos, mas a questão somente será de fato resolvida nas ações individuais. Parece que se trata de um instrumento em que se confia, para ter utilidade prática, na desídia ou na dificuldade de acesso à justiça dos particulares para a defesa de seus direitos, princípio totalmente incongruente com o espírito da tutela coletiva, que é justamente o de ampliar o acesso à justiça, levando aos titulares de direitos individuais, de forma célere e efetiva, a satisfação desses direitos.

E mais, os efeitos da sentença proferida em ação coletiva passiva (relativa a direitos difusos, coletivos em sentido estrito e individuais homogêneos) atingem indivíduos que não participaram do processo, causando-lhes prejuízo em sua esfera jurídica particular, em clara afronta aos princípios do devido processo legal, ampla defesa e contraditório (CF/88, art. 5º, LIV e LV), além de lhes obstar o acesso à justiça, contrariando o princípio constitucional insculpido no art. 5º, XXXV, CF/88 (em se tratando de direitos individuais homogêneos, no caso de ação coletiva proposta contra sindicato).

Ao menos não foi prevista, no Anteprojeto de Código Brasileiro de Processos Coletivos, a possibilidade de ação coletiva passiva referente a direitos individuais homogêneos.

De todo modo, qualquer que seja a espécie de ação coletiva passiva, parece-nos que se deve ter bastante cautela e reflexão na intromissão dessa modalidade de ação em nosso sistema, pois em nosso país a sociedade civil não alcançou um satisfatório estágio de organização e idoneidade na representação dos interesses metaindividuais.

A sua previsão em nosso ordenamento jurídico não trará qualquer vantagem ou benefício aos direitos coletivos em sentido amplo.