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Desistência da ação civil pública pelo Ministério Público

3.3 Legitimidade

3.3.6 Desistência da ação civil pública pelo Ministério Público

A regra de que os legitimados para a propositura de ações coletivas têm disponibilidade do conteúdo processual da lide, inclusive para desistir da ação, aplica-se também, como já afirmado, ao Ministério Público.

Para Nelson Nery Junior e Rosa Maria de Andrade Nery, qualquer legitimado pode desistir da ação civil pública ou do recurso interposto, inclusive o Ministério Público. Sobre a desistência do Ministério Público em prosseguir na ação civil pública, segundo esses autores, incide um controle judicial, pois o juiz pode homologá-la, com ou sem a anuência da parte contrária, conforme o momento da desistência, levando o processo à extinção sem julgamento de mérito (CPC, art. 267, VII, § 4º) ou, não concordando com a desistência, aplicar o disposto no art. 28 do Código de Processo Penal, por analogia, e

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remeter os autos ao Procurador Geral de Justiça, que poderá insistir na desistência ou designar outro órgão do Ministério Público para prosseguir na ação.242

Hugo Nigro Mazzilli sustenta que não há no processo civil norma que vede expressamente a desistência da ação pelo Ministério Público, como ocorre no processo penal (CPP, art. 42 e 576). No processo civil, todos os legitimados têm disponibilidade sobre o conteúdo processual do litígio. Com relação ao Ministério Público, também há essa disponibilidade, mas não se deve deixar de ter em mente o seu dever de agir243. Esses dois valores devem ser sopesados. Diante de uma hipótese que “identifique a existência de interesse que legitime sua atuação”, incide o princípio da obrigatoriedade e o Ministério Público deve agir. Em caso contrário, convencendo-se o órgão do parquet, de forma fundamentada, de que não se trata de lesão que legitime a sua atuação, pode desistir tanto

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NERY JR., Nelson; NERY, Rosa Maria Andrade. Código de Processo Civil Comentado. São Paulo: RT, 1999. p. 1.517.

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Qualquer pessoa, física ou jurídica, nacional ou estrangeira, tem o direito de comunicar a existência de um fato ou uma situação ilegal ou danosa aos direitos metaindividuais aos órgãos públicos encarregados e dotados de atribuição para a tomada das providências necessárias, dentre os quais o Ministério Público.É o chamado direito de petição, de origem no direito Inglês, durante a Idade Média, através do right of petition e consolidado no Bill of Rights de 1689, o qual foi previsto e consagrado em nossa Constituição Federal de 1988, em seu art. 5º, XXXIV, letra a. Chegando ao conhecimento do Ministério Público a existência de um fato ou uma situação, potencial ou efetivamente, lesiva aos chamados interesses coletivos em sentido amplo, deve seu representante atuar, em obediência ao mandamento constitucional preconizado no art. 129, III, da Constituição Federal de 1988, e instaurar inquérito civil ou, desde logo, promover a ação civil pública. Esse dever de atuação deriva do chamado princípio da obrigatoriedade, pelo qual identificada uma hipótese em que a lei assim determine (como as de ofensa, efetiva ou potencial, a interesse ou bem metaindividual), o representante do Ministério Público tem a obrigatoriedade de tomar as medidas legais e pertinentes. Em suma, estando diante de uma hipótese de atuação, deve o promotor de justiça simplesmente atuar. Contudo, o princípio em análise deve ser sopesado com o da independência funcional do Ministério Público (CF/88, art. 127, § 1º). Por este, entende-se, a priori, que nada, interna ou externamente ao Parquet pode ditar a forma de atuação funcional do promotor de justiça que apenas se encontra vinculado à Constituição Federal, à legislação infraconstitucional e à sua consciência. O promotor de justiça terá liberdade, sem olvidar desses parâmetros vinculatórios, para, diante de um fato ou uma situação, definir se se trata ou não de hipótese em que a lei determine atuar (MAZZILLI, Hugo Nigro. 2. ed. O Inquérito Civil. São Paulo: Saraiva, 2000. p. 69- 75 e 279-283).

da ação quanto do recurso, mas se trata de hipótese excepcional em que o atendimento ao interesse público coincide com a desistência da ação.244

Com efeito, casos haverá em que, depois de esgotadas as diligências e reflexões pertinentes, concluirá o órgão do Ministério Público pela, v.g., inexistência de ameaça ou de lesão a bem ou interesse transindividual ou mesmo de não identificação do responsável pela prática da conduta lesiva ou ainda de não identificação de hipótese ensejadora de sua atuação. Outra alternativa não lhe restará que não a promoção do arquivamento do procedimento investigatório (inquérito civil) ou, se em curso a ação, dela desistir. Não há nesses casos de se falar em ofensa ao princípio da obrigatoriedade. Este impele a atuação do Parquet quando identificada uma hipótese de atuação. Ao contrário, se de forma fundamentada demonstrar o membro do Ministério Público a impossibilidade de prosseguir nas investigações do inquérito civil, ou de celebrar compromisso de ajustamento, ou de propor ação civil pública, ou mesmo de prosseguir na ação civil pública ou no recurso já proposto, ofensa nenhuma estará havendo ao mencionado princípio.

Essa liberdade para a verificação da existência ou não de situação que legitime a sua atuação está sujeita a controle pelo Conselho Superior de Justiça, antes de proposta a ação (LACP, art. 9º), ou pelo juiz, quando pendente a ação civil pública (CPC, art. 28, por analogia).

Essa orientação não fere o princípio constitucional de acesso à justiça (CF, art. 5º, XXXV) nem representa prejuízo à defesa dos interesses ou direitos coletivos em sentido amplo, pois qualquer co-legitimado poderá ajuizar ação para a defesa dos interesses metaindividuais e o indivíduo poderá ingressar ação para a tutela de seu direito individual.

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MAZZILLI, Hugo Nigro. A Defesa dos Interesses Difusos em Juízo. 10 ed. São Paulo: Saraiva, 1988. p. 105. Sobre o tema, conferir também MANCUSO, Rodolfo de Camargo. Ação Civil Pública. 8. ed. São Paulo: RT, 2002. p. 127-132.