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a.1 Vencendo as incertezas estatísticas: a roleta das possibilidades

I. O futuro desinformado: aprendendo a lutar guerras inexistentes

I.2. a.1 Vencendo as incertezas estatísticas: a roleta das possibilidades

Para lidar com as incertezas estatísticas, Kahn e Mann as relacionam, no TSA, com as considerações probabilísticas. Kahn conceitualiza probabilidade a partir de um exemplo: a possibilidade de 50% de uma moeda não viciada tirar cara quando jogada pra cima. Isso significa, conforme a definição de um matemático, que “probabilidade é a formalização do estudo da incerteza”70. Essa definição esclarece que as considerações probabilísticas pareciam adequadas para medir e dar dimensões às incertezas estatísticas, uma vez que essas incertezas pertenciam ao fenômeno de flutuação e de variáveis aleatórias. É a incerteza associada, por exemplo, aos elementos de jogos “honestos” e justos, que não tenham elementos “viciados” ou desbalanceados. Para os autores, não havia, portanto, grandes dificuldades conceituais ao abordá-la, sendo a maior dificuldade, algumas vezes, realizar os cálculos dos problemas.71

Uma primeira forma que os autores propõem para lidar com as incertezas estatísticas são os valores esperados. Kahn já trabalhara com o conceito de “valores esperados” em um relatório anterior, de 1954, chamado Applications of Monte Carlo (AMC). Todavia, nesse relatório, ele não apresentou uma definição precisa do termo. Em outro relatório, de 1955,

69 KAHN, H. e MANN, I. Techniques of systems analysis, 1957, p. 38.Essas três formas de incerteza

aparecem no TSA e cada uma é relacionada, pelos autores, a um capítulo daquele relatório. A incerteza estatística ao capítulo de considerações probabilísticas, a incerteza real, ao capítulo do planejamento da defesa e a incerteza de ação e reação do inimigo ao capítulo de guerra de dois lados. Contudo, aqui tomamos a liberdade de sobrepor as partes dos outros relatórios conforme essas incertezas, uma vez que os temas estão relacionados.

70 KAHN, H. e MANN, I. Techniques of systems analysis, 1957, p. 38, 158; HAIGH, John. Probability: a very

short introduction. Oxford: Oxford University Press, 2012, p. 1. “probability is the formalization of the study of the notion of uncertainty” (tradução nossa).

chamado Use of different Monte Carlo sampling techniques, Kahn ajuda a entender que os valores esperados são. É, por exemplo, em um jogo com dois dados em que se tenta obter a soma “3”, a ausência de necessidade de se rolar o segundo dado, uma vez que ao rolar o primeiro já se sabe a chance de obter 3 na soma dos dois. Um trabalho com as probabilidades desse tipo de jogo seriam uma estimativa de valores esperados.72

No TSA, Kahn e Mann definem “valores esperados” de uma forma mais relacionada aos assuntos em que o aplicam. Primeiramente, pensam-no dentro dos modelos, que eram as hipóteses de estudo sobre os sistemas de defesas analisados. Assim, um modelo de valores esperados era um conjunto de hipóteses que abordava uma série de orçamentos de acordo com o gasto dos recursos financeiros distribuídos entre os elementos do sistema, que poderiam ser, por exemplo, aviões e bombas, ou abrigos e materiais para a construção deles. Portanto, um estudo feito com base no valor esperado consistia em escolher uma alocação dos recursos que maximizasse a quantidade de dano que a força adquirida poderia causar ao inimigo com o mínimo de recursos. Conforme os autores, esse tipo de estudo, de forma geral, ignora a maioria dos efeitos da incerteza, assumindo que o que ocorre na média é o que ocorreria. Todavia, para os autores, aceitar a média não significava ignorar que eventos aleatórios existiriam e que seria praticamente impossível asseverar o que ocorreria em um conjunto particular de circunstâncias. Esse seria o ponto fraco dos valores esperados.73

Retomando o exemplo do jogo de dois dados. O valor esperado seria bastante simples de ser determinado em um jogo em que se tenta tirar 3 na soma dos dados, como já mencionamos. Contudo, se retirada essa regra, o jogo por valores esperado se tornaria problemático. Ao rolar os dois dados é possível obter algum resultando entre 2 e 12. A média dos resultados, em um grande número de jogos, é 7. Todavia, assumir que esse resultado médio ocorrerá todas às vezes seria, em um cassino, por exemplo, um suicídio financeiro. Para Kahn e Mann, a única maneira de analisar esse jogo seria calcular as probabilidades de cada tipo de evento separadamente e, a partir delas, avaliar o jogo. Uma das falhas do modelo de valores esperados no jogo de dados, para os autores, é que quando o lançamento dá perto de 7, no caso, 6 ou 8, os ganhos do jogador podem ser bastante diferentes do que se o resultado fosse 7. Quando trata de objetivos realistas, até mesmo se calculado com alguma precisão, os valores esperados poderiam enganar. Portanto, para conseguir contornar essa situação, a alternativa seria calcular detalhadamente as probabilidades de todos os resultados

72 KAHN, Herman. Use of different Monte Carlo sampling techniques. Santa Monica: RAND Corporation,

1955, p. 5-6; KAHN, H., 1969, p. 635; KAHN, H. e MANN, I. Techniques of systems analysis, 1957, p. 27.

possíveis.Ao lidar com um número maior de variantes e possibilidades, os autores propõem, entre outros métodos – como computadores ou simplesmente jogar – usar teorias estatísticas. É no âmbito da realização desses cálculos que entra o método Monte Carlo.74

Os relatórios de 1954 (AMC) e o de 1957 (Monte Carlo) são muito próximos em suas propostas e definições dos conceitos. Em 1954, no AMC, Kahn defendia a utilização do Monte Carlo como uma forma de reduzir a quantidade de trabalho envolvida no planejamento, e complementou, em 1957, que também era uma boa técnica para lidar com problemas que pareciam insolúveis. Kahn afirmava que “o resultado esperado de um jogador em qualquer jogo honesto, no entanto, complicado, de chances, pode, a princípio, ser estimado pela média dos resultados de um grande número de jogadas do jogo”75. Pelo Monte Carlo se obteria as amostragens, que eram compostas de resultados esperados de um jogo, para se estimar respostas para os problemas. Kahn argumentava que o método poderia oferecer uma estimativa mais eficiente e com uma menor variação, já que erraria menos. Além disso, poderia ser mais barato e estava mais bem adaptado ao computador eletrônico.76

Para Kahn e Mann, o Monte Carlo abrangeria três tópicos: 1) escolher o processo de probabilidade ou, em outras palavras, qual seria o jogo de azar; 2) jogar o jogo, o que significa gerar as amostras ou resultados; e 3) modificar o jogo para ser mais eficiente ou desenhar e usar técnicas para reduzir a variação de amostras ou resultados.77

Pensando no modelo de valores esperados, o Monte Carlo era considerado por Kahn como bastante adequado, já que sua função essencial era obter cálculos de médias aritméticas normais. Nesse sentido, ele era usado para substituir a obtenção a partir de uma única amostra ou resultado por uma série infinita de amostras ou resultados. Cada amostra geraria um processo para calcular uma série infinita, termo por termo, e seria a soma dessas séries que daria a estimativa final, pela média. Para Kahn, um método possível para lidar com essas séries infinitas seria a Roleta Russa78, a qual poderia indicar um valor dentro da série que, se

74 KAHN, H. e MANN, I. Techniques of systems analysis, 1957, p. 27-28, 48-50.

75 Kahn, H. 1954. Applications of Monte Carlo. Santa Monica: RAND Corporation. p. iii. “the expected score

of a player in any reasonable game of chance, however complicated, can in principle be estimated by averaging the results of a large number of plays of the game, tradução nossa.

76 KAHN, H., 1954, p. iii-iv; KAHN, H. e MANN, I. Monte Carlo, 1957, p. 3-5. 77 KAHN, H. e MANN, I. Monte Carlo, 1957, p. 4-5.

78 Essa prática da roleta remetia às primeiras utilizações do método, na segunda metade da década de 40, frente

ao interesse em processos aleatórios, principalmente ao problema de determinar o comportamento dos nêutrons em contato com elementos radioativos. Com um número dado de possibilidades e com suas probabilidades definidas conforme as condições, a maneira encontrada para determinar o comportamento da partícula foi usar um método de definir aleatoriamente as possibilidades, como uma roleta, por exemplo. Daí, também, o seu nome Monte Carlo, que remetia aos cassinos da cidade. Cf. BRUCE-BRIGGS, B., 2000, p. 17- 27; GHAMARI-TABRIZI, S., 2005, p. 133; KAHN, H. e MANN, I. Monte Carlo, 1957, p. 3;

não fosse relevante para alteração da média, autorizaria o trabalho probabilístico, caso contrário, tentar-se-iam outros valores, até que se chegasse a não alteração da média. Isso daria a finitude necessária para se seguir com o trabalho. A roleta para indicar valores aleatórios também servia para simular valores e resultados para testar os problemas e suas respostas. Por exemplo, em um problema que trabalharia com o número de aviões abatidos em relação às defesas inimigas, a roleta poderia ser usada para indicar um número aleatório para simular algum fator envolvido, como por exemplo, o número de mísseis lançados pelo inimigo – que era um elemento incerto. Dessa forma, era possível realizar a simulação diversas vezes, conforme as diferentes condições.79

Uma das utilizações possíveis do Monte Carlo defendida por Kahn e Mann era o método de correlação, que consistia em resolver dois ou mais problemas, que estão relacionados, simultaneamente. Um ou mais deles teria a resposta conhecida e os outros, desconhecidas. Partia-se do problema que tinha a resposta conhecida e, a partir de estimativas das diferenças das respostas conhecidas, calculava as respostas desconhecidas. A resposta conhecida funcionava, assim, como uma solução idealizada do problema não resolvido. Com isso, Kahn defendia que, com a obtenção de amostragem por correlação, era possível estimar as diferenças com mais precisão do que se as amostragens fossem obtidas independentemente. Essa prática também era defendida por tomar menos tempo e ser mais barata. Ainda nessa linha de sobrepor problemas, Kahn sugeria também as paráfrases de problemas, como, primeiramente, uma forma de clarificar as ideias e ajudar a criar uma intuição matemática, por isso, ele apresenta, no AMC, um grande número de casos e técnicas. Há, na defesa da correlação e da paráfrase, a seguinte relação: para resolver um problema cuja resposta é desconhecida, parte-se de outro, relacionado com o primeiro, cuja resposta já é conhecida e, a partir dela, estima-se uma resposta para o primeiro. Estabelece-se, com isso, uma correlação e uma paráfrase entre problemas.80

Kahn, tanto sozinho, quanto com Mann, pensava o Monte Carlo aplicado a uma finalidade muito precisa, que era o planejamento militar. Trabalhando, por exemplo, sobre uma estratégia de bombardeio, os autores defendem que alguns elementos aleatórios deveriam ser considerados, como o número de aviões, número de aviões derrubados pela área de defesa, número de aviões à deriva por erros de navegação, número de aviões abatidos pela defesa local, condições do clima sobre o alvo, locais onde as bombas atingiriam, dano causado, etc.

126-127; e KAHN, H., 1954.

79 KAHN, H. e MANN, I. Techniques of systems analysis, 1957, p. 6-8, 50 171.

Ao tratar desses tipos de questões, os autores apontam que não era indicado trabalhar com valores absolutos, uma vez que eles seriam idealizações. O recomendado era que se obtivesse o cálculo de diferentes performances, que indicariam também diferenças qualitativas, que pudessem ser usadas em comparações das diferentes estratégias de bombardeio para que os responsáveis pelas decisões militares pudessem optar por uma ou pesar suas decisões81.

Assim, o Monte Carlo agia em duas frentes. Ele auxiliava e sobrepunha os modelos de valores esperados. Portanto, os métodos probabilísticos, como o Monte Carlo, apesar de serem mais trabalhosos, davam uma medida, uma mensuração probabilística das possibilidades, diferente do modelo de valores esperados, que fornecia um valor geral e menos detalhado. Por outro lado, os dois se complementavam, pois, enquanto os modelos de valores esperados determinavam a melhor forma de uso do orçamento, ou para que tipo de operação dado orçamento era mais indicado, os métodos probabilísticos, além de serem mais precisos e detalhados, davam a reação do sistema tanto ao azar, quanto à boa sorte, além de dar uma medida probabilística dos objetivos.82

O trabalho com probabilidades visava vencer a incerteza estatística, a incerteza referente aos números de bomba que acertariam os alvos, ao número de aviões que seriam necessários para cumprir determinado objetivo, etc. Com uma ponderação probabilística sobre as possibilidades, a incerteza estatística poderia ser contornada, alcançando um conjunto de opções válidas, ou seja, planejamentos que dariam as diretrizes operacionais aos responsáveis militares para escolher como alocar o orçamento e os recursos. Além disso, visaria eliminar erros e armadilhas que poderiam aparecer a partir de uma sensação de muita ou de pouca confiança que poderia resultar desses mesmos trabalhos probabilísticos.83

Foi possível perceber que esse trabalho com probabilidades também está repleto de analogias com jogos. Isso ocorre, primeiramente, porque o pensamento sobre probabilidades aparece, com frequência, associado a jogos. Porém, havia outros motivos para pensar e teorizar sobre os jogos e que já nos aproxima de outra forma de incerteza que precisava ser vencida, a da ação e reação do inimigo.84

81 KAHN, H. e MANN, I. Techniques of systems analysis, 1957, p. 20-21; KAHN, H., 1954, p. 227-230. 82 KAHN, H. e MANN, I. Techniques of systems analysis, 1957, p. 60-61, 72-73.

83 KAHN, H. e MANN, I. Techniques of systems analysis, 1957, p. 72; KAHN, H. e MANN, I. Ten commom

pitfalls, 1957, p. 115-117.