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I. O futuro desinformado: aprendendo a lutar guerras inexistentes

I.2. b Systems Analysis: a guerra como um sistema

Foram os trabalhos inovadores de Wohlstetter que forneceram a base do que foi chamado de Systems Analysis (SA), definindo parte o âmago institucional da RAND. Kahn,

97 KAHN, H., 1969, p. 386.

afastado das outras temáticas a que tinha se dedicado e próximo ao grupo de Wohlstetter, também passou a se dedicar a SA. Desde fevereiro de 1955, palestras eram dadas, pela RAND à Força Aérea, sobre Systems Analysis com o título An appreciation of System Analysis. Conforme Bruce-Briggs, o que os homens da RAND apresentavam para a Força Aérea não eram exatamente palestras, mas briefings. Eles consistiam em apresentações diretas, feitas sem leitura, e com a utilização de algum recurso visual, como projeções com transparência, que fornecesse as linhas gerais e os tópicos relevantes do que era dito. Kahn era um dos palestrantes desse seminário e suas “palestras” rapidamente se tornaram populares por causa do uso de piadas, anedotas, causos e apartes para expor a técnica e seus efeitos. Por exemplo, uma vez, questionado por um oficial sobre suas credenciais para falar sobre uma guerra termonuclear, ele respondeu: “Coronel, quantas guerras termonucleares você lutou? Nossa pesquisa mostra que você precisa lutar uma dúzia ou mais para ter alguma ideia sobre ela”99. Com seu sucesso como briefer de SA, Kahn se aproximou de Albert Wohsltetter100, além de rapidamente ser alçado à condição de autoridade no tema.101

Uma tendência que aparece tanto nos relatórios de 1957, quanto no OTW – e que persiste ao longo das outras obras de Kahn – é a apresentação textual influenciada pela estrutura dos briefings. São duas as características principais que qualificam essa influência. Primeiramente, o uso de tabelas, gráficos e ilustrações, que nos briefings tinham um caráter didático e organizacional. Nos escritos de Kahn, as tabelas aparecem elencando pontos, os quais são desenvolvidos na parte textual. É praticamente um sumário de assuntos.102

Por outro lado, esse caráter de palestra colabora para certa desorganização dos livros. Ideias complementares aparecem em capítulos diferentes, conceitos e ideias usadas em uma parte são explicadas ou esclarecidas posteriormente, em outro momento. Isso, contudo, não era devido somente ao uso da estrutura dos briefings e das palestras, mas também pelos livros decorrerem de relatórios, principalmente nos livros posteriores ao OTW.

99 Essa é uma história que é recorrente sobre a figura de Kahn. Daquelas que ninguém sabe quando aconteceu.

BRUCE-BRIGGS, B., 2000, p. 51. “Colonel, how many termonuclear war have you fought? Our research shows that you need to fight a dozen or so to begin to get a feel for it” (Tradução nossa).

100 Um fato curioso levantado por Bruce-Biggs era que Kahn, até aquele momento, não tinha feito nenhum

trabalho utilizando SA, mas somente sobre o estado da arte e reflexões acerca da técnica.

101 BRUCE-BRIGGS, B., 2000, p. 33, 39-45, 49-51; SMITH, J.A., 1991, p. xx, 120; GHAMARI-TABRIZI, S.,

2005, p. 40, 46-47, 50-51, 68; KAHN, H. e MANN, I. Techniques of systems analysis, 1957, p. vii; FORTUN, M. and SCHWEBER, S. S., 1993, p. 603, 605-606; DICKSON, P., 1971, p. 64-65.

102 Um exemplo do uso de ilustrações com fins didáticos aparece no relatório Ten common pitfalls, quando Kahn

e Mann usavam figuras engraçadas e, em alguma medida, cartunescas para ilustrar tais armadilhas. Sharon Ghamari-Tabrizi demonstra o uso dessas mesmas ilustrações nos briefings de Kahn, cf. GHAMARI- TABRIZI, S., 2005, p. 13.

O sucesso das palestras aumentou a demanda de trabalho de Kahn, o que o levou a contratar um auxiliar. Seu primeiro ajudante foi Irwin Mann, um jovem matemático da Califórnia. Mann fora contratado por Kahn para ajuda-lo na elaboração de um livro sobre o Monte Carlo. Todavia, o projeto não fora concluído, devido às idiossincrasias de Kahn. Ele não era organizado em seus estudos e não costumava finalizar o que havia começado. Mann também atuava em outras funções para Kahn: motorista, office-boy, colega, copista, editor, teste de audiência, etc. No fim de 1955, Kahn e Mann concluíram que já possuíam material para um livro sobre SA. A escrita do livro foi feita a partir da transcrição de fitas de briefings e falas de Kahn e a transformação delas em texto. Mann que basicamente escreveu os relatórios, tendo liberdade para reescrever e reorganizar as falas – sem, todavia, alterar as ideias. O livro inicialmente se chamaria “A layman guide to system analysis” (algo como, um guia de SA para leigos). Porém, os autores mudaram e optaram por Military Planning in an Uncertain World.103

No início do Techniques of Systems Analysis, Kahn e Mann remetem às palestras, briefings e cursos nos quais apresentaram a técnica, afirmando que objetivo principal delas era formar consumidores melhores e mais críticos. O relatório também seguia nesse sentido, ou seja, buscava mais ilustrar as técnicas do que aprofundar sobre os princípios fundamentais dela. Essa necessidade de formar um grupo que consumisse SA e, portanto, de um relatório menos hermético, era diagnosticada pelos autores a partir do público das palestras: leigos, físicos, cientistas sociais, militares e profissionais da área. Esse era também o público esperado para o livro. Para atingir esse público, os autores evocam novamente – como já fora feito com o Monte Carlo e os jogos – o aspecto didático da exposição, que não deveria cogitar só sobre os problemas, as políticas e o mundo reais, mas também sobre os erros reais. Portanto, seria uma ferramenta voltada à cogitação e à suposição, com fins educacionais, e não como uma busca incessante pelo real. Com isso, os autores acreditavam atingir melhor o delineamento e o desenvolvimento das estratégias da Força Aérea, assim como aumentar a influência sobre os responsáveis pelas decisões. Para atingir isso tudo, Kahn e Mann intencionavam definir o ataque e a defesa, mostrar como usar considerações probabilísticas e avaliar as reações e ações inimigas.104

103 BRUCE-BRIGGS, B., 2000, p. 51-53; GHAMARI-TABRIZI, S., 2005, p. 78-79; KAHN, H. e MANN, I.

Techniques of systems analysis, 1957, p. vii.

O ponto central da SA era abordar a defesa dos EUA como um sistema e, conforme Kahn e Mann, então, “sistemas exigem análises como sistemas”105. Há, portanto, dois elementos que nomeiam e compõem a técnica: sistema e análise.

A compreensão de sistema parte da noção de que um item de um equipamento não pode ser analisado isoladamente. Ao contrário, deve ser considerada sua interação com o ambiente todo, inclusive com outros equipamentos. No OTW, Kahn pontua que o pior erro feito no planejamento da defesa civil era a ênfase demasiada em uma só contingência ou suposição, ou em um conjunto delas. Por essa característica interacional, os sistemas também são usados para descrever, avaliar, melhorar e comparar outros sistemas.106

Já a parte de análise consistia em realizar a avaliação, o desenvolvimento e a comparação dos sistemas. Para Kahn, a abordagem analítica também era adequada para pensar uma situação internacional tensa, problemática e incerta. Focando-se principalmente nos problemas da defesa, para Kahn, a análise partiria da identificação de quais eram as questões corretas a serem resolvidas. Isso, para ele, seria mais importante do que as técnicas e a metodologia para se obter as respostas. As outras etapas da análise tratavam de como obter as respostas e se elas eram críveis. No âmbito dessas duas etapas, para Kahn, o enfoque analítico da guerra entre os últimos cinco a dez anos foram possivelmente mais confiáveis do que os feitos nas décadas anteriores. Kahn atribuía isso às novas técnicas e ferramentas disponíveis e ao fato de que os problemas que surgiam no campo da guerra nuclear eram de física ou engenharia.107

Uma porção inicial do ensinamento de como obter as respostas e dar credibilidade a elas veio com a II Guerra, quando se consolidou uma consciência de que os avanços técnicos e tecnológicos tinham superado a experiência dos militares. Essa era uma opinião compartilhada dentro da RAND. Para lidar com esse problema dos avanços tecnológicos constantes, que geravam incertezas, uma abordagem teórica e analítica – principalmente quantitativa, uma vez que a maioria dos problemas era de física aplicada – se impôs por meio da OR.108

A revolução definitiva, para Kahn, dessas novas técnicas veio com a SA. Segundo Kahn, por volta de 1953 e 1954 – ou seja, entre sete e oitos anos antes do OTW – ocorreu um

105 KAHN, H. e MANN, I. Techniques of systems analysis, 1957, p. 157. “systems demand analysis as

systems”, tradução nossa.

106 Ibid., p. 141-142, 157; KAHN, H., On thermonuclear war. 1969, p. 635.

107 KAHN, H. e MANN, I. Techniques of systems analysis, 1957, p. 141-142, 157; KAHN, H., On

thermonuclear war. 1969, p. 326-327, 330-331.

108 KAHN, H. e MANN, I. Techniques of systems analysis, 1957, p. 4; GHAMARI-TABRIZI, S., 2005, p. 127-

“avanço tecnológico” no campo do planejamento, dentro da RAND Corporation. Anteriormente, o trabalho de análise, ainda fortemente influenciado pela OR, comparava milhares de sistemas diferentes, todos delineados em condições idealizadas. Essa prática, para Kahn, era uma busca pelo ótimo, conforme uma comparação estreita, já que feita dentro de um contexto definido. Era, portanto, uma análise ainda influenciada pelo trabalho de OR, já que no planejamento durante a guerra, conforme Kahn, haveria uma concordância acerca dos objetivos e das circunstâncias, resultado da própria situação imediata da guerra, conforme um futuro curto. Todavia, para o autor, isso não ocorria em tempos de paz e, principalmente no mundo na época do OTW, com o futuro aberto e incerto. É uma ampliação do horizonte ao lidar com os problemas imediatos e constituir algum controle da direção a se tomar. Kahn entendia, nesse sentido, que mais difícil do que definir o objetivo, era encontrar o caminho para ele, e era essa segunda tarefa que ele tentava executar: encontrar um caminho.109

Eram, portanto, questões novas, que surgiam e tratavam de equipamentos e tecnologias novas, as quais não bastavam somente ser delineadas como sistemas, era preciso também decidir sob quais condições os sistemas seriam usados e o que se queria com eles. Como Fortun e Schweber percebem, essa ampliação era resultado de um campo maior de incerteza e de liberdade, já que lidava com um futuro mais distante e, portanto, aberto a diferentes possibilidades de sistemas para serem escolhidos. Houve, com isso, uma mudança de foco, valorizando mais em decidir “o que deve ser feito” ao invés do “como deve ser feito”. Isso também ocasionou revisões e críticas às práticas anteriores. Por exemplo, Kahn e Mann, no trabalho com SA, são muito mais avessos, primeiramente, ao uso excessivo de matemática e de computadores de alta velocidade, já que essa prática poderia dar a aparência de que o planejamento se reduzia ao tipo correto de cálculo, uso de computador e uso exagerado de modelos matemáticos. Além disso, também refutam o uso dos valores esperados, pois eles, combinados ao excesso de computação, produziriam médias aritméticas, idealizações, otimizações e simplificações que, para Kahn e Mann, ignoravam o papel central das incertezas. Portanto, as recomendações passaram a se assentar principalmente em pesquisa e desenvolvimento e, raramente, em operações.110

Essa recusa às técnicas da OR que aparecem tanto no TSA quanto no OTW visavam fugir, primeiramente, de uma armadilha que Kahn e Mann chamaram de “modelismo”. Ela ocorreria quando o modelo, ou seja, as hipóteses e suposições do estudo, fosse considerado ao

109 KAHN, H., 1969, p. 7, 119, 122.

110 FORTUN, M. and SCHWEBER, S. S., 1993, p. 606-607; KAHN, H. e MANN, I. Techniques of systems

extremo, tornando-se mais importante que o mundo real. Os efeitos do “modelismo” seriam ou a supervalorização do problema ou de partes dele, ou tornar o estudo incompleto e inteligível. É, de forma geral, uma crítica aos modelos de valores esperados que se desdobra, também, em uma crítica a toda forma de trabalho com as incertezas estatísticas. Nesse sentido, Kahn contraria uma crença geral de que SA estava atrelada a cálculos e uso de computadores, uma vez que a simples otimização do cálculo ignora o papel central da incerteza. Essa rejeição de Kahn por um trabalho rigoroso no concernente aos cálculos já aparecia na análise sobre os valores esperados e, de forma mais geral, é um dos indicativos de como a SA, dentro da construção de Kahn, ao trabalhar com a ideia de sistemas, afasta-se parcialmente das técnicas constituintes da OR. Isso é reflexo de um trabalho com objetivos diferentes.111

A crítica ao “modelismo” também tem outro viés: querer construir um modelo geral de algo que é específico. Conforme os autores, a SA não tinha a característica científica de um acúmulo de conhecimento. Se os resultados da SA não fossem aplicáveis diretamente e imediatamente, dificilmente teriam um interesse posterior. Ou seja, a SA tinha uma finalidade política e prática imediata e, portanto, a ênfase em ferramentas técnicas não seria muito profícua. Essa noção é sustentada pela distinção que os autores fazem entre research (pesquisa), development (desenvolvimento), operation (operação) e procurement.112

Pesquisa seria o trabalho básico com técnicas ou modelos. Ela não é dirigida, dando ao profissional a liberdade para fazer o que está interessado e o que pensa ser importante. Desenvolvimento seria transformar as técnicas ou modelos obtidos pela pesquisa em elementos aplicáveis. Ele era mais caro que a pesquisa. Operação seria, basicamente, a OR, ou seja, estaria mais interessada em detalhes e restrita ao que está disponível. Logo, para os autores, ele não conseguia abarcar um número suficiente de alternativas. Por fim, procurement seria o trabalho que visa influenciar diretamente a política, não havendo destaque para as técnicas e modelos ou pela busca para avançar o estado da arte da SA. Seria,

111 KAHN, H., On thermonuclear war. 1969, p. 635; KAHN, H. e MANN, I. Ten commom pitfalls, 1957, p.

1-2.

112 KAHN, H. e MANN, I. Ten commom pitfalls, 1957, p. 3-5; KAHN, H. e MANN, I. Techniques of systems analysis, 1957, p. 134. Ao defenderem essa visão de SA, os autores apontam que a nomenclatura mais

propícia à técnica seria System Design. Com isso, eles seguem a proposta de nome já sugerida por Wohlstetter

anteriormente. A essência da mudança é que era mais importante delinear sistemas, tornando-os

autoexplicativos – o que facilitaria a análise – do que analisar sistemas. Nesse sentido, os autores pontuam da seguinte maneira: alguém analisando um sistema de bombardeamento contra civis, deveria se preocupar onde abrigar os civis. Por outro lado, alguém desenhando um bom sistema de programas de abrigos tornaria implícito que seria nos abrigos que os civis se protegeriam. Dessa forma, caberia ao SA não somente analisar um sistema, mas desenhar um que atinja satisfatoriamente certos objetivos. KAHN, H. e MANN, I. Ten

essencialmente, as suposições e as ideias em pontos importantes e cruciais para o policy maker, operando normalmente sobre contextos já definidos e presentes. Ao reconhecer isso, Kahn e Mann reconhecem, então, o campo de ação real da SA. Ela planejava um sistema para o futuro visando uma ação presente. Nesse sentido, a análise entraria para embasar e evitar que houvesse ou descaso por causa da doutrina sobre a qual se baseia a política, que poderia acabar desconsiderando algumas escolhas ou propostas, ou pela incompatibilidade das recomendações com o processo político.113

Conforme Kahn e Mann, a relação entre passado, presente e futuro estabelecida pela SA poderia ser fonte de erros quando pensada a construção da relação dos conhecimentos e dos materiais do passado e os planos para o futuro, que os autores definem como phasing. O cerne do problema era que “há áreas grandes e importantes onde ninguém tem „exepriência‟”114. Em outras palavras: ninguém tinha lutado uma guerra termonuclear. Os cuidados defendidos por Kahn e Mann nessa relação eram, primeiramente, considerar certos equipamentos, bens e organizações herdadas do passado ao pensar um sistema de defesa ao invés de querer sempre adquirir coisas novas. Em paralelo, deveria existir uma preocupação com o futuro e com o desempenho dos sistemas nele. Essa análise acerca do futuro deveria contar as mudanças na tecnologia e suas implicações nas operações, táticas e estratégias, o que deveria ser acompanhado de uma revisão constante das crenças. Logo, os sistemas não deviam ser totalmente baseados no que já existia, na medida em que havia grande chance de aquilo já estar superado. Nesse sentido, entraria o analista, diferenciando a atualidade e a novidade dos fatos. Contudo, para os autores, o analista deveria ter noção da continuidade dos sistemas no tempo, da ligação que eles possuíam. Logo, a função essencial da SA seria reduzir os atrasos das soluções para as fraquezas que emergiam a cada mudança ocorrida.115

A necessidade de planejar o futuro, que era, na SA, mais amplo e sem um objetivo definido, gerou uma categoria de incerteza chamada por Kahn e Mann de incertezas reais. Elas não eram somente incertezas em relação a algo desconhecido e novo, mas também se referiam a circunstâncias que mudam, às diferentes preferências, gostos, suposições, valores, importâncias. Por sua natureza, dificilmente essas incertezas seriam inteiramente resolvidas

113 KAHN, H., 1969, On thermonuclear war. p. 332-336; KAHN, H. e MANN, I. Ten commom pitfalls, 1957,

p. 4-5; KAHN, H. e MANN, I. Techniques of systems analysis, 1957, p. 134-137.

114 KAHN, H. e MANN, I. Ten commom pitfalls, 1957, p. 2, “there are large and important areas where nobody

has „experience‟”, tradução nossa.

115 KAHN, H. e MANN, I. Ten commom pitfalls, 1957, p. 29-32; KAHN, H. e MANN, I. Techniques of

por meio estatístico ou probabilístico. Sua solução se daria muitas vezes por consenso. Ela cobre, portanto, os diferentes objetivos, assim como as diferentes suposições.116

Uma primeira manifestação dessas incertezas seria em relação aos objetivos. Essa incerteza seria mais problemática em uma guerra limitada do que em uma guerra em larga escala, pois trataria do uso ou não de arma atômica, por exemplo. O uso de tal dispositivo poderia também estar ligado à questão da decisão racional dentro uma guerra limitada, que envolveria ações pequenas, pontuais e, provavelmente, fora de um contexto de guerra ampla e total. Ou seja, essas ações pontuais, mas incisivas, como onde soltar uma bomba atômica, teriam implicações políticas e sobre a defesa do país que não seriam alcançáveis logicamente, logo, dificultando a definição do objetivo.117

Outra fonte de incertezas seriam os custos. Os custos, conforme Kahn e Mann, estão relacionados com os objetivos. Cabia aos analistas delinear sistemas que atingissem os objetivos com o menor custo ou, em outras palavras, maximizar as capacidades conforme um custo determinado. O problema das incertezas que cercam essa questão é que a construção de um sistema militar é gradual e se dá ao longo do tempo, com a intenção de continuidade. Porém, as próprias incertezas sobre o objetivo e outras que veremos a seguir afetavam o desenvolvimento de sistemas, já que eles eram sempre acompanhados de uma falta de conhecimento e de experiência dos custos. As políticas de gastos do governo americano também criavam incertezas sobre os orçamentos disponíveis.118

Outra incerteza é sobre o contexto. Esse, para os autores, era o tipo crucial de incerteza, já que consistia em predizer o meio no qual o sistema estaria inserido. O problema crucial, aqui, conforme os autores, é que “há várias maneiras pelas quais eventos improváveis podem ocorrer que alguns com certeza acontecerão. Nada é mais improvável que a ausência de eventos improváveis”119. Esse é o elemento mais significativo de incerteza referente ao futuro que aparece, pela primeira vez, nos trabalhos de Kahn. Para vencê-lo, Kahn e Mann defendem que os sistemas sejam delineados para funcionar bem sob uma grande variedade circunstâncias. A isso dão o nome de Contingency Planning.120

116 KAHN, H. e MANN, I. Techniques of systems analysis, 1957, p. 75, 85, 158-159; KAHN, H., On

thermonuclear war, 1969, p. 635-636.

117 KAHN, H. e MANN, I. Techniques of systems analysis, 1957, p. 85. 118 Ibid., p. 85-86.

119 KAHN, H. e MANN, I. Techniques of systems analysis, 1957, p. 87. “there are so many ways in which

improbable events can occur that some are sure to happen. Nothing is more improbable than the absence of improbable events” (tradução nossa).

No caso do planejamento da defesa, os autores cogitam seis tipos diferentes de contingências. As quatro primeiras parecem relacionadas aos problemas da OR e poderiam ser contornáveis pelos modos já vistos: 1) a magnitude e o tipo de ataque que o inimigo possuiria; 2) a deterioração da performance, que poderia advir tanto da realidade do sistema em comparação ao modelos de valores esperados em cima do qual ele foi baseado, quanto de falhas que surgissem nos sistemas já existentes de defesa; 3) a variação da performance do inimigo; 4) fatores de chance, ou seja, a oportunidade do inimigo em explorar um ponto