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N a terminologia mais correcta das minhas Questões Essenciais: o conteúdo da ideia universal da obra literária.

No documento Roman Ingarden - A Obra de Arte Literária (páginas 93-96)

Segunda Parte ESTRUTURAÇÃO

1 N a terminologia mais correcta das minhas Questões Essenciais: o conteúdo da ideia universal da obra literária.

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estratificaría por assim dizer «transversalmente» aos estratos acima mencionados e que teria por fundamento da sua consti­ tuição todos os restantes estratos: a das qualidades de valor estético e da polifonia que nestas se constitui. Contudo só com base na análise dos estratos singulares se pode decidir esta questão. Por conseguinte, também a pergunta pelo que na estru­ turação global da obra literária constitui o objecto próprio da atitude estética só mais tarde poderá ser tratada.

A multistratificação estrutural ainda não esgota a essência específica da obra literária. Será ainda preciso descobrir nela aquele momento estrutural que faz que toda a obra literária tenha «princípio» e «fim » e lhe permite «desenvolver-se» durante

a leitura, desde o princípio até ao fim, na sua amplitude

específica.

A afirmação de estruturação multistratificada e polifónica da obra literária é, no fundo, uma trivialidade. Por maior que ela seja nenhum dos autores meus conhecidos viu claramente que nela reside a estrutura fundamental específica da obra literária K É certo que na prática, i. é, na análise das obras

1 Julius Kleiner procede duas vezes à distinção entre os diferentes «estratos» .ou «esferas» da obra literária: 1.*, no tratado Conteúdo e

Forma na Poesia; 2.a, no artigo Carácter e Objecto das Investigações Literárias. N o primeiro caso, porém, não se trata dos estratos da obra

literária concluída, mas propriamente de fases singulares da sua gênese que depois ficarão visíveis na própria obra. Estes «estratos» singulares são os seguintes: a) o estado de uma forte emoção psíquica que impele para a «expressão», b ) qualquer figura, situação, reflexão que satisfaça o impulso para a expressão e dê a este conteúdo psíquico uma determi­ nação que o fixe, c) uma divisão do já contido em b) que lhe confira um plano pormenorizado e determine exactamente o género literário da res­ pectiva obra, e finalmente, d) um sistema muito especial de imagens e o sistema equivalente de palavras. Infelizmente, Kleiner não nos diz como estes «estratos» singulares se apresentam na obra concluída. Por mais interessantes que sejam estas observações elas não coincidem com o que temos em mente ao falar de «estratos» da obra literária, o que já se deduz do facto de distinguirmos estes estratos primàriamente na obra literária concluída. Também é mais do que duvidoso corresponderem os nossos estratos às fases singulares que Kleiner distingue na gênese da obra literária. N o segundo dos tratados citados Kleiner já se ocupa da obra concluída e julga possível ver no «conteúdo do texto» uma «esfera própria da realidade humana». Nesta distingue ainda quatro «esferas»: «Esta realidade própria abrange quatro regiões, quatro esferas: 1.*, todo o material verbal (individualização e organização do material), 2.a, a apreen­ são cognitiva e recomposição do conteúdo, 3.a, o sistema de imagens que são análogas à «realidade da vida» mas isoladas dela e impostas de deter­ minado modo à consciência, 4.a, a força espiritual e habilidade que se

individuais, na determinação dos seus vários tipos, no confronto de várias correntes e escolas literárias, etc., se compararam os elementos singulares da obra literária e se procurou dar relevo às suas qualidades no caso individual. Nunca, porém, se viu que se trata de estratos heterogéneos que reciprocamente se condi­ cionam e relacionam sob múltiplos aspectos; nunca se distingui-

manifestam na criação e plasmação.» Pelos pormenores acrescentados não se vê claramente se estas quatro esferas são elementos do próprio texto ou ressonâncias psíquicas que sob a influência da leitura nascem na alma do leitor. Causa confusão também a afirmação anteriormente citada de que «todos os elementos psíquicos» se encontram no conteúdo do texto. Por fim, Kleiner julga que a distinção das «esferas» singulares é assunto completamente secundário (cf. I. c., p. 280). Só o decurso ulterior da investigação mostrará qual a relação entre a nossa concepção e a de Kleiner. De passagem, observe-se apenas que Kleiner só na primeira e na terceira «esferas» pode ter em vista algo que, pu ra m en te isolado e libertado de concepções psicologistas, provàvelmente corresponda a um ou outro dos estratos que nós distinguimos. Contudo, a justaposição destas «esferas» e das «esferas» segunda e quarta mostra que Kleiner entende por «esfera» coisa diferente do que nós entendemos por «estrato da obra». Quanto a outros autores, a minha concepção está mais próxima da que W. Conrad desenvolveu no seu tratado D e r aesthetische Gegenstand (Zeitschrift für Aesthetik, vols. I I I e IV ). Conrad também distingue quatro «lados» — como ele d iz— da obra literária: sinais fónicos, significação, objecto intencionado, expressão (ou objecto expresso). Noutro lugar do citado tratado refere-se apenas a três «momentos» essenciais da obra literária: o símbolo, a sigoificação e o objecto (cf. I. c., p. 489). Em qual­ quer caso elimina da obra o estrato dos aspectos (a que ele chama «im a­ gens de representação»). Apesar destas afinidades a minha concepção da obra literária distingue-se em muitos pontos da de Conrad, nomeadamente no que diz respeito aos resultados das análises singulares. É-me impossível referir aqui todos os pontos em particular ou travar uma discussão. Queria apenas chamar a atenção para o seguinte: 1.°, Conrad não vê que a poli­ fonia dos estratos heterogéneos é essencial à obra literária. Nem sequer tomou consciência da existência desta polifonia. A sua distinção dos «lados» distintos da obra — embora recta em princípio— não atinge a profundidade suficiente para trazer a plena luz a estrutura fundamental da obra literária na sua arquitectónica própria e unidade. 2.°, A sua con­ cepção do «objecto estético» como objectividade ideal é insustentável — como o demonstram os resultados finais do presente livro. Neste aspecto Conrad é demasiado influenciado pelo ponto de vista de Husserl nas Logischen Untersuchungen para poder apreender o modo de ser específico da obra literária. Ele mesmo senté que nesta matéria existe uma diferença entre a obra literária e, v. gr., as objectividades matemáticas, embora as suas afirmações sobre este assunto sejam ainda muito primárias. E não é de admirar. Sem investigações ontológico-existenciais, naquela época quase impossíveis, o problema do modo de ser da obra literária não pode ser enfrentado. Apesar de tudo, considero o estudo de Conrad como um início importante.

ram esses estratos com nitidez na sua estrutura universal nem se demonstrou a correlação resultante desta estrutura. Mas só a análise penetrante tanto dos estratos singulares como, final­ mente, da espécie do conjunto relacionai que deles resulta pode revelar a especificidade estrutural da obra literária. Só ela pode criar a base firme para a solução dos problemas especiais lite­ rários e estético-literários em que até agora nos empenhámos em vão. Precisamente a não consideração da multistratificação da obra literária tem por conseqüência a impossibilidade de clareza no tratamento de vários problemas. Assim, p. ex., o pro­ blema muito discutido da distinção entre «form a» e «conteúdo» 1 da obra literária não pode de modo algum ser posto correcta­ mente sem atendermos à estruturação multistratificada da obra porque todos os termos necessários são polivalentes e variáveis. Qualquer tentativa para resolver o problema da forma da obra de arte literária deve de modo especial falhar quando se atende apenas a um dos muitos estratos, esquecendo os outros, porque assim passa despercebido que a forma da obra resulta simples­ mente dos momentos formais dos estratos individuais e da sua acção conjunta. Nesta ordem de ideias, também não é possível resolver sem se tomar em consideração os nossos resultados o problema do constitutivo da «m atéria» na obra de arte literária. Também o problema já mencionado dos «géneros literários» pressupõe o conhecimento da estruturação multistratificada da obra literária. Antes de mais, devemos aclarar esta matéria.

1 Cf. O. Walzel, Gehalt und. Gestalt im Kunstwerk des Dichters, p. 192.

No documento Roman Ingarden - A Obra de Arte Literária (páginas 93-96)

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