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Nestes casos ressalta melhor a diferença entre a form a significativa

No documento Roman Ingarden - A Obra de Arte Literária (páginas 105-109)

Segunda Parte ESTRUTURAÇÃO

2 Nestes casos ressalta melhor a diferença entre a form a significativa

medida em que a captação dessa forma pelo ouvinte dirige a compreensão para a significação correspondente e leva à reali­ zação da intenção significativa do sujeito da compreensão. Assim, a luz da atenção do sujeito — no caso vulgar da compreensão — incide, por assim dizer com a significação compreendida, sobre o objecto por esta determinado. Em contrapartida, as particula­ ridades variáveis do material fónico concreto não contribuem em nada de essencial para esta função da palavra. A entoação, quer grave, quer aguda, de uma palavra não afecta a significação, o sentido racional da palavra, a não ser que a tonalidade faça parte, de antemão, da respectiva forma significativa da palavra. Por outro lado, estas particularidades são importantes para a função de notificação 1 que a palavra falada tem na comunicação viva; além disso, podem exercer influência importante sobre a constituição do conteúdo psíquico concreto total que se produz no ouvinte ao captar a palavra, como ainda sobre a atitude dos interlocutores. Uma e a mesma palavra pronunciada ora em tom áspero e desagradável, ora de uma maneira suave e eufónica, exprime, p. ex., num caso a indelicadeza, no outro a amabilidade da pessoa que fala. Por outro lado, provoca na pessoa a quem a palavra é dirigida estados emocionais nos dois casos inteira­ mente diferentes e origina diferentes atitudes (compare-se, p. ex., o tom «áspero» de uma ordem com o cortês de um convite, etc.). Naturalmente, nos dois casos o puro fonema significativo tam­ bém não deixa de ter o seu papel e por esta razão distinguiremos tipos diversos de palavras. Contudo, continua a ser a função primária e essencial da própria forma significativa determinar a significação da respectiva palavra.

§ 10. Diversos tipos de fonemas significativos e as suas funções

Se considerarmos as palavras abstraídas do uso vário e da função que têm na comunicação viva dos indivíduos psíquicos e atendermos apenas à ordenação unívoca de formas significa­ tivas e significações num sistema terminológico é válida a afir­

1 Sobre a «função da notificação», cf. E. Husserl, Logisch en Unter- suchungen, vol. II, l.a Investigação. Anteriormente a Husserl, K. Tw ar­ dowski distinguiu as funções diversas da palavra (especialmente dos nomes), cf. Z u r L eh re v o m In h a lt und Gegenstand d er V orstellu n gen , Viena, 1894. N a sua S p ra ch th eorie, K. Bühler empregou para esta função o termo de «função expressiva», que aliás também se encontra já em Twardowski.

mação de que a vinculação de determinado fonema a determinada significação é inteiramente casual e arbitrária. Qualquer fonema pode em princípio ligar-se a qualquer significação. Depõe a favor disto, v. gr., o facto de uma e a mesma significação em línguas diferentes se vincular a fonemas significativos mais ou menos diferentes. Entretanto, dentro de uma e a mesma língua viva e do seu múltiplo uso em diversas situações da vida muitos fonemas parecem, por assim dizer, especialmente apropriados para serem portadores de significações determinadas e, nesta ordem de ideias, exercerem funções lingüísticas especiais. Natu­ ralmente, esta predisposição não tem o seu fundamento nas qualidades meramente fónicas divorciadas da vida concreta do fonema significativo ou no conteúdo meramente racional da significação da palavra. As palavras e particularmente as suas formas significativas sofrem — como é do conhecimento geral — uma evolução histórica intimamente relacionada com a história da vida inteira de uma colectividade humana. É precisamente nela que residem as razões de muitas palavras nos parecerem particularmente apropriadas para — dentro de uma e a mesma comunidade lingüística e de v id a — terem determinada carga de significação e serem não apenas, por assim dizer, de antemão «mais compreensíveis», mas conterem em si ainda diversas pos­ sibilidades particulares de emprego \

1 Sobre estas considerações, cf. M. Dessoir, Aesthetik, p. 356: «A pos­ sibilidade de encontrar objectos, propriedades ou estados em toda a sua condição sensível é actualmente explicada pelo facto de o fonema primitivo ser um gesto fónico e portanto, análogamente a outros gestos, a exterio­ rização da impressão causada pelo objecto.» Cf. ainda W. Wundt, Volker-

psychologie, vol. I, 2, p. 607. Alguns anos depois de o meu livro aparecer,

Julius Stenzel escreveu na sua Filosofia da Linguagem (1935): «Ainda que se possa pressupor a relação necessária entre o sentido e o sinal, o conteúdo do sentido intencionado pode ser tanto quanto possível dissociado de toda a «casualidade» dos sinais. Isto sucede com a maior facilidade onde o sistema de sinais for livremente fixado, na linguagem matemática, na medida em que relações matemáticas podem ser «construídas», i. é, definidas na sua essência e libertadas de tudo o que é casual. Seja-nos lícito abstrair aqui das dificuldades que mesmo neste caso a «intuição», os traços intuitivos, oferecem porque pelo contraste pretende-se apenas designar a situação geral inteiramente diversa em que, não havendo simbolização livre, a expressão forma-se no e com o sentido intencionado independentemente de toda a arbitrariedade, caso este que, por sua vez, é mais evidente na linguagem natural. Esta relação mais estreita entre o sentido e a expressão torna-se tipo paradigmático de todas as possi­ bilidades superiores da expressão que se realizam na linguagem poética e nas outras regiões da expressão estética dentro da estruturação da cultura.» (L. c., p. 11.)

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Sob este aspecto podem distinguir-se diversos tipos de pala­ vras — e especialmente de formas significativas — , alguns dos quais particularmente importantes para a estruturação da obra literária. Para começarmos pelo tipo que menos diz respeito ao uso em obras de arte literária mencionemos antes de mais as palavras «sem vida», «mortas», cujo expoente mais relevante são os «term os» científicos de uma terminologia científica artificial­ mente criada. Toda a sua função limita-se a ter significados claros inequivocamente determinados e a transmiti-los no enten­ dimento recíproco. O seu fonema significativo é irrelevante para a sua função porque em princípio pode ser substituído por

qualquer outro. Precisamente por esta razão é necessário fixá-lo

através de uma convenção conscientemente estabelecida. É carac­ terístico neste caso que se não fixem sem regra alguma formas significativas verbais, mas que se constitua sempre um sistema inteiro de «term os» baseado num princípio de unidade. Neste caso o ideal é formar tais lavras ou «sinais» que a sua forma exterior reflicta as relações entre os «conceitos» correspondentes (cf. a ideia de uma «ars com binatoria» de Leibniz, a «linguagem conceptual» da logística moderna, etc.). O fim a atingir traduz-se na tendência para se libertar o mais possível da apreensão intui­ tiva dos objectos correspondentes substituindo-a pela combinação dos termos. Para quem desconhecer o princípio da formação dos termos e as correspondentes definições nominais esses termos não são de modo algum compreensíveis ou pelo menos não o são no sentido em que se empregam na respectiva ciência. Mas também na linguagem corrente quotidiana há numerosas pala­ vras que, por assim dizer, desceram até ao nível dos termos científicos: os lugares-comuns sem vida, repetidos irreflectida- mente, privados da função de estabelecer a relação intuitiva entre quem fala e os objectos correspondentes.

A todas estas palavras é preciso opor as «vivas», e em espe­ cial as de «vida plena», «as vigorosas», que de preferência se empregam na comunicação directa da vida quotidiana. Entre estas sobressaem as palavras cuja forma significativa é suscep­ tível de exercer a função de «expressão» imediatamente com­ preensível, tanto no sentido de «notificação» como no de «expres­ são do sentido intencionado». O problema aqui não é o de a pessoa a quem tais palavras se dirigem saber de qualquer modo

e por meio de uma «intenção vazia»— no dizer de Husserl— que

o locutor tem precisamente estas vivências porque este efeito pode também ser produzido pelas palavras inteiramente mortas, mas o de as características especiais dos fonemas significativos — como aliás também o «tom » em que são pronunciados —

revelarem as vivências concretas que o locutor está a experi­

mentar precisamente naquele momento de maneira que estas sejam dadas em si mesmas ao ouvinte de modo intuitivo, sem auxílio de quaisquer conclusões. As vivências ou os estados psí­ quicos do locutor são neste caso, por assim dizer, «postos à vista». Aos tipos expostos juntam-se outros de palavras «vivas» que se distinguem pelo facto de as características assentes na qua­ lidade puramente fonética da forma e que do significado recaem sobre o fonema se agravarem mais nitidamente neste e o colo­ rirem, por assim dizer, com o «quale» específico do objecto (p. ex., todas as palavras «obscenas», «grosseiras», etc.). Assim, o primeiro plano aqui não é ocupado pela função expressiva (notificação) mas pela actualização da relação entre aquele que apreende semelhante palavra e o objecto determinado pela sig­ nificação da palavra. Tais palavras produzem no ouvinte vivas representações intuitivas dos respectivos objectos, podendo faci­ litar sensivelmente a sua apreensão intuitiva. Com o seu emprego variados «aspectos» dos respectivos objectos são reactualizados nos modos de representação, aspectos estes que quase nos per­ mitem «v e r» os objectos \ Poder-se-ia dizer que uma das suas funções mais importantes reside em ter à disposição imediata os aspectos correspondentes aos objectos visados e em dar aos objectos uma plenitude intuitiva.

Que a este respeito são as características especiais do fonema significativo que desempenham função essencial e não a signi­ ficação correspondente mostra-o da melhor forma o facto de ser possível evitar o efeito especial, p. ex., das palavras obscenas empregando outras com a mesma significação mas com um fonema neste aspecto neutro quando se trata de dizer algo de delicado de modo o menos «perigoso» possível.

Estas distinções das palavras fundadas no tipo da sua forma significativa têm função importante — como se pode mostrar e como também é de esperar— na estruturação da obra literária. Do tipo das palavras nela empregadas não só depende o carácter especial do estrato fónico da respectiva obra — o que natural­ mente se espelha no carácter total da ob ra— mas também o modo de o estrato lingüístico exercer a sua função em relação aos outros estratos. Teremos ainda de voltar a tratar deste assunto.

Finalmente, é preciso ainda observar o seguinte: o próprio conteúdo meramente fonético do fonema, ou melhor, o fonema

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