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agronegócio, trabalho e terra

No documento Fundação oswaldo Cruz Presidente (páginas 82-86)

O que hoje se denomina agronegócio relaciona-se, como já indicado, com a alta tecnologia agrícola. As tecnologias diferem bastante segundo o ramo que se toma como referência. Assim, se a soja e o algodão têm sua produção marcada, tanto no plantio quanto na colheita, pela presença de insumos quí- micos, biotecnologias e mecanização, o mesmo não se dá, por exemplo, com o café, que exige abundância de mão de obra na colheita. A própria cana-de- açúcar, que pode ser cortada mecani- camente em áreas planas, em áreas de relevo irregular exige corte manual. Mesmo culturas que são mecanizadas demandam mão de obra para recolher os restos deixados pelas máquinas (al- godão, cana), plantio de mudas (euca- lipto) ou combate a pragas (formiga no eucalipto). Assim, embora tenha ha- vido uma redução de mão de obra no setor agrícola, o emprego do trabalho assalariado em atividades braçais está longe de desaparecer. Consolidou-se um mercado de trabalho composto por trabalhadores permanentes e temporá- rios os quais correspondem, embora não exatamente, àqueles com direitos trabalhistas assegurados e outros que vivem à margem desses direitos. Boa parte deles mora nas periferias das ci- dades próximas aos polos do agrone- gócio. Ao mesmo tempo, verifica-se, no interior das unidades produtivas agrí- colas, a presença de uma mão de obra

últimos anos: por mais que suas terras possam ser “produtivas”, a necessida- de de manter outras como reserva para sua expansão faz de qualquer mudança nos índices de produtividade agrícola uma ameaça à lógica de reprodução do

agronegócio (Medeiros, 2010).

sentidos políticos

do agronegócio

Desde que seu uso se impôs, o ter- mo agronegócio tem um sentido amplo e também difuso, associado cada vez mais ao desempenho econômico e à simbologia política, e cada vez menos às relações sociais que lhe dão carne, uma vez que opera com processos não necessariamente modernos nas dife- rentes áreas e regiões por onde avança a produção monocultora.

Dessa perspectiva, a generalização do uso do termo agronegócio, mais do que uma necessidade conceitual, cor- responde a importantes processos so- ciais e políticos que resultaram de um esforço consciente para reposicionar o lugar da agropecuária e investir em novas formas de produção do reconhe- cimento de sua importância. Ela indica também uma nova leitura de um mes- mo processo de mudanças, acentuan- do determinados aspectos, em especial sua vinculação com o cotidiano das pessoas comuns.

Os anos 1990 viram nascer institui- ções como a Associação Brasileira do Agribusiness, hoje Associação Brasi- leira do Agronegócio (Abag), que teve importante papel na generalização do uso do termo agribusiness, inicialmente, e depois agronegócio. Insistindo na ne- cessidade de uma abordagem sistêmi- ca, agribusiness passou a ser relacionado pelas entidades do setor não só com qualificada, composta por operadores

de máquinas, mecânicos, agrônomos, técnicos agrícolas etc., indicando uma segmentação do mercado de trabalho ainda muito pouco estudada.

Finalmente, a expansão do agrone- gócio tem levado à reprodução de for- mas degradantes de trabalho, em es- pecial nas áreas em que as matas estão sendo derrubadas, denunciadas por en- tidades como a Organização Interna- cional do Trabalho (OIT) e a Comissão Pastoral da Terra (CPT) como sendo condições análogas à escravidão.

Outro aspecto a ser ressaltado é que a lógica da expansão do agronegó- cio no Brasil está intimamente ligada à disponibilidade de terras. Assim, para os empresários do setor, além das ter- ras em produção, é necessário ter um estoque disponível para a expansão. Isso tem provocado um constante au- mento dos preços das terras, tanto em áreas onde o agronegócio já se implan- tou quanto nas áreas que podem pos- sibilitar o crescimento da produção. A permanente necessidade de novas terras tem sido o motor de intensos debates, em especial na esfera legis- lativa, em torno da concretização de medidas que possam regular e colocar limites ao uso da terra. Isso se aplica tanto ao interior das unidades produ- tivas (matas ciliares, áreas de preserva- ção, por exemplo, e que foram o cen- tro dos debates em torno do Código Florestal) quanto fora delas (expansão de áreas indígenas, reconhecimento de terras tradicionalmente ocupadas, deli- mitação de reservas, controle das terras pelo capital estrangeiro etc.). É nesse quadro de demanda crescente de terras que também se situa o debate em tor- no da mudança nos índices de produ- tividade da agricultura que marcou os

a produção agropecuária, mas com outros assuntos correlatos, entre eles, a segurança alimentar e a produção de objetos de uso cotidiano (a roupa que se veste, por exemplo). Buscando firmar a nova categoria, procurou-se mostrar que ela não é o mesmo que

agroindústria, que representa apenas uma

parte do agribusiness. Segundo a Abag (Associação Brasileira do Agronegó- cio, 1993), fazem parte do agribusiness não só produtores, processadores e dis- tribuidores (elementos contidos na ca- tegoria agroindústria), mas também as empresas de suprimentos de insumos e fatores de produção, os agentes finan- ceiros, os centros de pesquisa e expe- rimentação e as entidades de fomento e assistência técnica. Ele é composto ainda por entidades de coordenação, como “governos, contratos comerciais, mercados futuros, sindicatos, asso- ciações e outros, que regulamentam a interação e a integração dos diferentes segmentos do sistema” (ibid., p. 61). Houve, assim, um debate conceitual que se relacionava tanto com a precisão da imagem quanto com a sua redefini- ção: tratava-se de produzir a percepção do setor como dinâmico, moderno, produtor de divisas para o país, susten- táculo do desenvolvimento. Com isso, esperava-se romper com a imagem do estritamente agrícola e da propriedade latifundiária, e com os estigmas a ela relacionados – atraso tecnológico, im- produtividade, exploração do trabalho. Cabe ressaltar que essa percepção já se faz presente no início da Nova República, quando é estruturada a Frente Ampla da Agricultura Brasileira (Faab), criada em 1986 e considerada pelo ex-ministro da Agricultura Ro- berto Rodrigues (2003-2006) como a semente da organização do agribusiness no Brasil. Hoje, o termo agronegócio não

pode ser dissociado das instituições que o disseminaram, como a Abag, ou que falam em nome dele, como é o caso das entidades patronais rurais – em especial, a Confederação Nacional da Agricultura (CNA) e a Sociedade Rural Brasileira (SRB), das associa- ções por produtos e multiprodutos, tais como a Associação Brasileira das Indústrias de Óleos Vegetais (Abiove), a Associação Brasileira dos Criado-

res de Zebu (ABCZ), a Organização das Cooperativas Brasileiras (OCB), a Associação Brasileira dos Produtores de Soja (Abrasoja), a Associação Brasileira dos Produtores de Algodão (Abrapa), a União Brasileira de Avicultura (UBA) etc. (Bruno, 2010; ver também organiZaçõEs da classE doMinantE no caMPo).

Essa busca pela construção de uma imagem perante a opinião pública, reveladora de posições no debate po- lítico, também se expressa na disputa pelo tamanho que o agronegócio tem na economia brasileira, o que geral- mente leva a infindáveis controvérsias metodológicas sobre como medir o peso desse segmento (Nunes e Contini, 2001). Por trás dessa guerra metodo- lógica e de números, esconde-se uma disputa pelo acesso aos recursos públi- cos, tão mais legitimado quanto maior for o peso que se atribui ao agronegócio. Assim, como aponta José Graziano da Silva (2010), a dimensão simbólica construída pelo setor faz que se acre- dite num tamanho e numa dimensão muito maiores do que o segmento efe- tivamente representa, quer em termos econômicos, na mensuração do produ- to, quer em termos políticos, quando tomada sua expressão no Congresso Nacional, por meio da chamada Ban- cada Ruralista (ver organiZaçõEs da

No entanto, essa construção de imagem como esforço político en- contra outras apropriações possíveis. Assim, à medida que o termo agro- negócio se impõe como símbolo da modernidade, passa a ser identificado, pelas forças sociais em disputa, como o novo inimigo a ser combatido. Já no início do ano 2000, verifica-se, por exemplo, entre os militantes do Movi- mento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) e da Via Campesina um deslocamento de seus opositores: cada vez menos o adversário aparece como sendo o latifúndio e cada vez mais é

o agronegócio. Esse deslocamento traz consigo novas vertentes: à críti- ca à concentração fundiária soma-se a denúncia do próprio cerne do agrone- gócio, sua matriz tecnológica. Assim, surgem críticas ao uso de sementes transgênicas, ao uso abusivo de agro- tóxicos, à monocultura. Ao modelo do agronegócio passa a ser contrapos- to o modelo agroecológico, pautado na valorização da agricultura campo- nesa e nos princípios da policultura, dos cuidados ambientais e do controle dos agricultores sobre a produção de suas sementes.

Para saber mais

associação BrasilEirado agronEgócio (aBag). Segurança alimentar: uma aborda-

gem do agribusiness. São Paulo: Abag, 1993.

Bruno, R. Um Brasil ambivalente. Rio de Janeiro: Mauad–Edur, 2010.

David, M. B. A. Les Transformations de l’agriculture brésilienne: une modernisation

perverse (1960-1995). Paris: EHESS/CRBC, 1997.

davis, J. h.; goldBErg, r. a. A Concept of Agribusiness. Boston: Division of

Research, Graduate School of Business Administration, Harvard University, 1957.

HErEdia, B.; PalMEira, M.; lEitE, s. Sociedade e economia do agronegócio no

Brasil. Revista Brasileira de Ciências Sociais, v. 25, n. 74, p. 159-176, out. 2010. LEitE, S. Estratégias agroindustriais, padrão agrário e dinâmica intersetorial. Araraquara:

FCL/UNESP, 1990. (Rascunho, 7).

MEdEiros, L. S. A polêmica sobre a atualização dos índices de produtividade da

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sionamento. Brasília: Abag, 2001.

SauEr, S. Agricultura familiar versus agronegócio: a dinâmica sociopolítica do campo

brasileiro. Brasília: Embrapa, 2008. (Texto para discussão, 30).

Silva, J. G. da. Os desafios das agriculturas brasileiras. In: gasquEs, J. G. et. al.

(org.). A agricultura brasileira: desempenho, desafios e perspectivas. Brasília: Ipea, 2010. p. 157-183.

wEsZ Junior, V. Características, dinâmicas e estratégias empresariais das indústrias esma-

A

No documento Fundação oswaldo Cruz Presidente (páginas 82-86)