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CooPEração aGríCola

No documento Fundação oswaldo Cruz Presidente (páginas 157-162)

Pedro Ivan Christoffoli

Cooperação é “a forma de trabalho em que muitos trabalham planejada- mente lado a lado, no mesmo processo de produção ou em processos de pro- dução diferentes, mas conexos (Marx,

1988, p. 246). A aplicação da coopera- ção ao processo de trabalho permite: a) um encurtamento do tempo ne- cessário à produção de determinado produto, isto é, confeccionam-se mais

produtos em menos tempo, pois é pos- sível distribuir as diversas operações entre diversos trabalhadores e, por con- seguinte, executá-las simultaneamente, reduzindo o tempo necessário para a produção do produto total; b) uma extensão do espaço em que se pode realizar o trabalho; c) um aumento da produção num menor tempo e espaço de ação (no caso da agricultura). Nesse caso, a brevidade do prazo em que se executa o trabalho é compensada pela magnitude da massa de trabalho lança- da, no momento decisivo, ao campo de produção – por exemplo, na colheita ou numa roçada (Marx, 1988).

A cooperação baseia-se no princípio elementar de que a junção dos esforços individuais cria uma força produtiva superior à simples soma das unidades que a integram. Cria-se a força coletiva do trabalho. Segundo Marx,

[...] a soma mecânica das forças de trabalhadores individuais di- fere da potência social de forças que se desenvolve quando mui- tas mãos agem simultaneamen- te na mesma operação indivisa. [...] O efeito do trabalho com- binado não poderia neste caso ser produzido ao todo pelo tra- balho individual ou apenas em períodos de tempo muito mais longos ou somente em ínfima escala. Não se trata aqui apenas do aumento da força produtiva individual por meio da coope- ração, mas da criação de uma for- ça produtiva que tem de ser, em si e para si, uma força de massas. (Marx, 1988 p. 246-247)

O ser humano, na cooperação, como resultado do contato social, su- pera seus limites pessoais, e o traba-

lho social gerado é sempre maior que a soma de todos os trabalhos indivi- duais. “Quando o trabalhador coopera sistematicamente com outros, livra-se dos grilhões de sua individualidade e desenvolve as possibilidades de sua espécie” (Marx apud Bottomore, 1993, p. 80).

O capitalismo, como modo de produção, desenvolve a cooperação em grau amplo e avançado por toda a sociedade. Para isso é necessário que o capitalista detenha grande concen- tração de meios de produção em suas mãos (capital fixo). Nesse contexto, é o capital que mantém e estimula a coo- peração, posto que os trabalhadores encontram-se numa posição passiva: são considerados mercadorias pelo fato de venderem sua força de trabalho ao capitalista.

Embora também tenha existido nos modos de produção anteriores ao capi- talismo, só nesse modo de produção a cooperação é sistematicamente explo- rada e transformada em necessidade objetiva para o capital. A busca por maximização da exploração do traba- lho cooperado é que vai dar origem à administração tipicamente capitalis- ta de empresas, que visa disciplinar e extrair conhecimento dos trabalhado- res em prol da valorização do capital (Bottomore, 1993).

A autogestão socialista é uma das formas mais avançadas de cooperação. Refere-se à condição de autogoverno dos trabalhadores em relação ao seu trabalho e às suas condições de vida. A autogestão pode se dar no nível da empresa, de empresas de um mesmo ramo, ou do conjunto das empresas e da vida (da comunidade, da região, do país, internacional). Os domínios de decisão numa organização autogestio-

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nária podem envolver: a) o domínio da organização do trabalho – delimita- ção das tarefas e das funções, ritmo de trabalho, chefias etc.; b) o domínio do pessoal – carreira profissional, promo- ções, demissões etc.; c) a gestão comer- cial e financeira; d) os meios tecnoló- gicos de produção; e e) a organização geral da empresa – estrutura, direção etc. (Chauvey, 1975).

Nos países do antigo Bloco Socialista (Cuba, Leste Europeu e parte da Ásia), as cooperativas coletivas de trabalhadores rurais receberam uma série de condições favoráveis e estímulos para seu estabele- cimento e desenvolvimento e responde- ram pela geração dos principais exceden- tes agrícolas destinados ao abastecimento do mercado interno. De maneira geral, essas cooperativas coletivas apresenta- vam as seguintes características:

O agricultor entrava com a terra e 1)

os meios de produção e a coopera- tiva o reembolsava gradualmente por esses bens, seja mediante a compra dos mesmos, seja pela des- tinação de uma proporção da renda distribuída para os cooperantes que ingressaram com a terra (essa proporção variou entre 40% e 20% da renda total distribuída entre os cooperantes). Gradualmente esse percentual tendeu a ser reduzido e eliminado.

De forma geral, os agricultores 2)

supostamente tinham livre escolha, tanto para a entrada nas cooperativas quanto para a saída. Em alguns paí- ses, esse preceito foi de fato exercido livremente, enquanto foi cerceado em outros.

A distribuição dos resultados era 3)

feita basicamente em função do trabalho aportado pelo sócio. Havia algumas diferenças na forma de

aplicar esse princípio. Em alguns países, levava-se em consideração, além do tempo de trabalho, a quali- ficação do trabalhador e da função e a dificuldade do trabalho. A organização do trabalho s

4) e dava

por meio de equipes semiautôno- mas de trabalho (nas cooperativas maiores) ou por setores especializa- dos de trabalho (nas cooperativas menores).

As instâncias diretivas da cooperativa 5)

em geral eram compostas por uma assembleia geral, que era a instância máxima de decisão, e por diretorias eleitas pelos associados, com prazo de mandato variável e podendo ou não se reeleger – a reeleição era vetada na Iugoslávia (Flavien e Lajoinie, 1977). Lenin, ao liderar a experiência de construção socialista na Rússia, iden- tificou alguns elementos-chave que constituiriam os princípios para o es- tímulo à cooperação na agricultura:

respeito absoluto à voluntariedade •

do camponês – não permitir ne- nhum tipo de coação;

necessidade de um paciente e pro- •

longado trabalho de persuasão e convencimento;

desenvolvimento gradual do mo- •

vimento cooperativo: das formas simples às formas superiores e das pequenas às grandes cooperativas; elevação constante do nível cul- •

tural do campesinato sem a qual é impossível o domínio das técnicas modernas;

absoluto cumprimento da demo- •

cracia cooperativista: elegibilidade dos órgãos de direção, direito dos cooperativistas à crítica etc.; necessidade de ajuda material, técni- •

subordinação dos interesses da •

produção cooperativa aos interes- ses gerais da economia nacional sem que isso implique administra- ção pelo Estado;

necessidade de manter o vínculo •

estreito entre a cooperativa e o campesinato que a rodeia (Barrios, 1987 p. 5-6).

No Brasil há poucos registros his- tóricos com relatos e análises de expe- riências coletivas/comunitárias de pro- dução. Os povos indígenas brasileiros tradicionalmente desenvolveram uma economia organizada com base no modo de produção comunal primitivo, pautado principalmente na caça, na co- leta de frutos e na agricultura rudimen- tar de subsistência. Posteriormente, sem mencionar as experiências desen- volvidas pelos índios guaranis (nas re- duções jesuíticas) e, possivelmente, as experiências comunitárias nos quilom- bos (Palmares e outros, sendo muitos remanescentes até os dias atuais), há poucos registros desse tipo de expe- riências produtivas.

Nos séculos XVIII e XIX surgiram algumas experiências localizadas de colônias coletivistas influenciadas pelo socialismo utópico europeu (Owen, Fourier, Gide...). Pode-se destacar, no Paraná, a Colônia Tereza Cristina, de base cooperativa (1847) e, no municí- pio de Palmeira, a organização, no ano de 1889, da Colônia Cecília, que sub- sistiu até 1894 (Chacon, 1959).

Também é digna de nota a existên- cia de terras comunitárias denominadas de “faxinais”, especialmente na região Sul do Brasil. Os faxinais compõem-se em geral de áreas de mata e pastagens utilizadas de forma comunitária, forne- cendo pastagem e madeira para uso dos moradores. No entanto, as explorações

agropecuárias são realizadas de forma individual pelas famílias ali residentes. Em outras regiões do país, os “fundos de pasto” ou “terras de santo” são áreas de usufruto coletivo, porém sem que a exploração do trabalho se efetue de forma coletiva.

Ainda no meio rural, é tradicional o desenvolvimento de formas mais em- brionárias de cooperação, tais como os mutirões, as trocas de dias de serviço, as roças comunitárias. Essas formas de cooperação remontam aos tempos da colonização e se perpetuam até os dias atuais. Elas têm origem nas práti- cas tradicionais dos primeiros colonos portugueses e também dos povos afri- canos, que conformaram parte signifi- cativa do campesinato brasileiro. A par- tir dos anos 1950-1960, essas formas associativas primárias, como as trocas de serviço, mutirões e roças comuni- tárias, passaram a ser estimuladas tan- to pelo Partido Comunista Brasileiro (PCB), como pelos setores progressistas da Igreja Católica (Martins, 1984). Mais recentemente, o Movimento dos Tra- balhadores Rurais Sem Terra (MST) e outros movimentos sociais e sindicais – como o Movimento dos Pequenos Agricultores (MPA), a Federação Na- cional dos Trabalhadores e Trabalha- doras na Agricultura Familiar (Fetraf) e a Confederação dos Trabalhadores na Agricultura (Contag) – procuraram organizar distintas formas de coopera- ção no meio rural, criando milhares de formas organizativas associativas dos mais variados tipos: associações, coo- perativas coletivas, cooperativas mistas regionais e grupos de trabalho coletivo e semicoletivo.

A luta pela terra e pela Reforma Agrária no Brasil resultou em acúmu- los importantes em termos das formas de organização e princípios de funcio-

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namento das experiências de coope- ração, sintetizados pela Confederação das Cooperativas de Reforma Agrária do Brasil (Concrab) (1997):

É fundamental desenvolver a coope- •

ração em suas mais diversas formas, pois o importante não é a forma, mas o ato de cooperar. A cooperativa é apenas uma dessas formas, e não deve ser a única a ser impulsionada. É preciso respeitar a voluntariedade •

das pessoas, mas lembrar que “a ne- cessidade comanda a vontade”. Ou seja, nem sempre os agricultores participam porque estão conscientes da necessidade de cooperação ou de seu papel estratégico, mas sim porque estão necessitados. A ideia é partir das necessidades objetivas para ir construindo uma forma de cooperação que dê conta dos pro- blemas e necessidades dos sócios e avance em sua conscientização. A cooperação deve ser um espaço •

de gestão democrática no qual os sócios possam exercer sua sobera- nia. Cada experiência de cooperação deve definir espaços (instâncias) e formas que permitam, organiza- damente, a participação de todos. A direção da cooperação deve ser exercida por um coletivo de mili- tantes, rompendo com a prática do personalismo do poder.

É fundamental desenvolver a

inter-

cooperação entre as diversas formas

associativas existentes nos assenta- mentos, ou seja, as formas de coope- ração também devem cooperar entre si para terem mais força e maior ca- pacidade de enfrentamento da con- corrência capitalista e de criação de riqueza sob a forma associativa. O econômico deve estar ligado aos •

objetivos estratégicos das orga-

nizações. Não está acima deles. A cooperativa deve alinhar sua atua- ção do dia a dia com os princípios e objetivos estratégicos da luta pela Reforma Agrária.

O que determina o avanço da coope- •

ração são as condições objetivas e não apenas a vontade dos asso- ciados. A forma de cooperação a ser adotada, bem como o grau de desenvolvimento que a mesma pode alcançar dependem tanto de condições objetivas (mercado, meios de produção, capacitação e qualificação da força de trabalho etc.) quanto de condições subje- tivas (vontade das pessoas, seus sonhos e projetos). A coopera- ção deve estimular o aumento da produtividade do trabalho de seus associados, resguardados os as- pectos de sustentabilidade e equi- dade social.

A cooperativa deve ser vista •

como um instrumento de estabi- lização econômica, mas também contribuir como instrumento de transformação social.

As atividades da cooperativa de- •

vem contribuir com a sustentabili- dade ambiental e fomentar a pro- teção da agrobiodiversidade e das sementes, como patrimônio dos povos a serviço da humanidade, com a agroecologia como estraté- gia produtiva básica.

A cooperação deve promover a •

organicidade de base, mediante a constituição de núcleos de associa- dos, viabilizando e estimulando a participação política das pessoas, a conscientização e a superação das desigualdades sociais e econômicas. No meio rural brasileiro, e em par- ticular nos assentamentos, desenvol-

veram-se diversas formas de coope- ração a partir da experiência concreta dos trabalhadores e suas organizações. Vamos elencar as principais delas e suas características.

No documento Fundação oswaldo Cruz Presidente (páginas 157-162)