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Ciranda inFantil

No documento Fundação oswaldo Cruz Presidente (páginas 125-128)

Edna Rodrigues Araújo Rossetto Flávia Tereza da Silva

Ciranda Infantil é um espaço edu- cativo da infância Sem Terra, organiza- do pelo Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) e mantidos por cooperativas, centros de formação e pelo próprio MST, em seus assentamen- tos e acampamentos. O nome foi esco- lhido pelo fato de ciranda remeter à cul- tura popular e estar presente nas danças, brincadeiras e cantigas de roda vivencia- das pelas crianças no coletivo infantil.

Em março de 1997, o nome Ciran- da Infantil foi o mais votado numa reu- nião do coletivo nacional do MST, e, em julho de 1997, o setor de educação já organizava a primeira Ciranda Infantil Itinerante Nacional, sendo o nome das creches dos assentamentos e seus pro- jetos político-pedagógicos substituídos por Ciranda Infantil. Na ocasião, foram definidos também dois tipos de Ciran- da: permanente e itinerante.

As primeiras experiências das Ci- randas Infantis Permanentes do MST, entre 1989 e 1995, contaram com a organização o Setor de Produção,

Cooperação e Meio Ambiente do MST, e todos os integrantes dos assentamen- tos foram convidados a participar do processo. No início do trabalho, for- maram-se os laboratórios de produção. Para permitir a participação das mu- lheres, foram criados setores como o refeitório coletivo e a creche.

Inicialmente, a Ciranda Infantil es- tava dirigida apenas a crianças de 0 a 6 anos. Com o passar do tempo e com o desenvolvimento do trabalho das coo- perativas e das ações do movimento, colocou-se um novo desafio para aque- les que vinham desenvolvendo o tra- balho pedagógico com as crianças na Ciranda Infantil: contemplar a inserção de todas as crianças do assentamento, independentemente de sua idade ou do fato de seus pais serem ou não sócios das cooperativas – até então, a Ciranda Infantil atendia apenas filhos dos sócios das cooperativas. Por isso, atualmente, a idade das crianças que frequentam a Ciranda Infantil alcança crianças com até 12 anos de idade, ampliando-se o

número de meninos e meninas que participam desse processo pedagógico no qual as crianças Sem Terra emergem como sujeitos que constroem a sua par- ticipação histórica na luta pela terra, su- jeitos que, na condição de “crianças Sem Terrinha”, desenvolvem e assumem o sentido de pertença a essa luta.

A organização da Ciranda Infantil Permanente se dá pela composição do núcleo de base, de acordo com o nú- mero de crianças que estejam partici- pando da Ciranda Infantil. Os núcleos de base geralmente são compostos ob- servando-se alguns critérios – idade e gênero, por exemplo. O núcleo de base também é a forma como as famílias se organizam nos acampamentos e assen- tamentos para participar da coletivida- de. Na Ciranda, essa forma organizati- va tem como um de seus objetivos o de trabalhar a dimensão da auto-organiza- ção das crianças

O trabalho pedagógico se funda nas necessidades das crianças ou está basea- do no trabalho das mulheres envolvidas na cooperativa. Nessa perspectiva, os educadores organizam e planejam os es- paços pedagógicos de forma a garantir o equilíbrio entre as diferentes atividades – dirigidas, livres, individuais ou coleti- vas – e considerando os sujeitos envol- vidos, a fim de que as atividades sejam adequadas e prazerosas para as crianças. O ambiente educativo das Cirandas Infantis é organizado de maneira a que as experiências pedagógicas apareçam nesse ambiente. Por ambiente educati- vo, entendemos tudo o que acontece na vida da Ciranda, dentro e fora dela.

Em relação ao tempo de funcio- namento da Ciranda Infantil ou de permanência da criança no espaço, ele varia segundo a necessidade das mães ou a necessidade da criança. Quando

as atividades na cooperativa exigem mais tempo dos adultos no trabalho, as crianças menores, que não frequentam a escola, ficam o dia inteiro na Ciranda; do contrário, permanecem na Ciranda Infantil somente o tempo necessário para que os educadores e educadoras possam desenvolver as atividades pe- dagógicas previstas.

Como as crianças frequentadoras da Ciranda Permanente são de várias ida- des, em diversos momentos as crianças maiores, com 7 a 12 anos, brincam com as mais novas, ajudando-as também em suas atividades pedagógicas. Todas as crianças em idade de escolarização fre- quentam a escola do assentamento em outro período, e a Ciranda passa a ser um espaço de encontro das crianças, ou seja, um espaço educativo onde as crianças constroem relações entre si, com os adultos e com a comunidade; um espaço de referência para o de- senvolvimento de um trabalho com a infância e com as famílias do assenta- mento; um espaço em que elas apren- dem a viver coletivamente, a respeitar o seu companheiro, a fazer amizade com as outras crianças, a compartilhar o lápis, o brinquedo, o lanche... É o es- paço no qual constroem sua identidade de crianças Sem Terrinha e inventam, criam e recriam as coisas. Nas Ciran- das Infantis, as crianças exercitam sua capacidade de inventar, sentir, decidir, arquitetar, reinventar, se aventurar, agir para superar os desafios das brin- cadeiras, apropriando-se da realidade e demonstrando, de forma simbólica, os seus desejos, medos, sentimentos, agressividade, suas impressões e opi- niões sobre o mundo que as cerca.

É assim que a Ciranda vai tor- nando-se um lugar de referência para as crianças, um espaço de direito da

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criança Sem Terra e de referência para as famílias, não apenas por permitir que mães, pais e responsáveis possam empreender suas tarefas, mas princi- palmente por implicar a construção de um coletivo infantil por meio do qual as crianças sentem-se parte do MST.

As Cirandas Infantis Itinerantes são organizadas sempre que a partici- pação das mulheres em instâncias, di- reções, cursos, reuniões, congressos e marchas – enfim, no processo de luta pela terra – o exige. Como são orga- nizadas especialmente para as crianças que acompanham seus pais e mães em ações e atividades do processo de luta pela terra, elas têm data para começar e para terminar. O MST do Ceará foi um dos primeiros a introduzir a experiência. No âmbito nacional, a primeira Ciranda Infantil Itinerante ocorreu em 1997, no Encontro Nacional dos Educadores/ as da Reforma Agrária (Enera), em Brasília, e contou com a participação de 80 crianças de todo o país.

Na Ciranda Itinerante do V Con- gresso do MST, que ocorreu de 11 a 15 de junho de 2007 em Brasília, e do qual participaram 18 mil delegados de todos os assentamentos e acampamentos do Brasil, a organização das crianças foi feita por núcleos de base, da seguinte forma:

primeiro núcleo: bebês de até 1 •

ano de idade; para cada dois bebês, havia um/a educador/a;

segundo núcleo: bebês de 2 a 3 •

anos idade; para cada três bebês, havia um/uma educador/a; terceiro núcleo: crianças de 4 a 6 •

anos de idade; para cada dez crian- ças, havia um/a educador/a; quarto núcleo de base: crianças de 7 •

a 8 anos; para cada dez crianças, há um/a educador/a;

quinto e último núcleo: crianças de •

9 a 12 anos; para cada doze crian- ças, havia um/a educador/a. As crianças que participaram do processo de luta pela terra possuem ca- racterísticas coletivas que contribuem para o seu processo de formação e que se manifestam nas atitudes cotidianas, na família, na Ciranda Infantil, na escola e no grupo social no qual convivem, ou seja, no meio em que estão inseridas.

É nesse cirandar da Ciranda que as crianças vão compreendendo o pro- jeto de sociedade que o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Ter- ra está construindo e vão realizando sua infância, pois esse processo não precisa ser isolado do espaço da luta de classe. A coletividade vivenciada pelas crianças nas Cirandas Infantis tem uma intencionalidade pedagógi- ca vinculada ao projeto educativo que vem sendo desenvolvido no interior do MST. E pelas vivências no cole- tivo infantil as crianças têm possibi- lidade de se apropriar dos elementos do processo histórico para a compre- ensão da realidade.

Por fim, o coletivo infantil é uma construção conjunta da qual partici- pam crianças, educadores e educado- ras, com a Ciranda Infantil constituin- do uma referência para as crianças, pois possibilita a sua participação na luta pela terra. A Ciranda se configura como espaço de resistência e reafirma- ção da identidade tanto de Sem Terra quanto de ser criança. Isso ocorre por intermédio das brincadeiras, jogos, pa- lavras de ordens, místicas, enfim, pela vivência da infância no movimento. As crianças estão em constante movimen- to na Ciranda Infantil e são as vivên- cias nesse coletivo infantil que desper- tam nelas uma verdadeira prática de

educação emancipadora. É nessa coleti- vidade que as crianças vão se aproprian- do de elementos que contribuem para o seu processo de formação, e esse proces-

so faz do seu tempo de infância um mo- vimento pedagógico em luta, na luta pela terra, pela Reforma Agrária, umaa luta pela transformação da sociedade.

Para saber mais

ArEnhart, D. Infância, educação e MST: quando as crianças ocupam a cena.

Chapecó: Argos, 2007.

AlvEs, S. C. As experiências educativas das crianças no acampamento Índio Galdino do

MST. 2001. Dissertação (Mestrado em Educação) – Faculdade de Educação,

Universidade Federal de Santa Catarina, Florianópolis, 2001.

MoviMEnto dos traBalhadorEs rurais sEM tErra. Educação infantil: movi-

mento da vida, dança do aprender. Caderno de Educação, MST, São Paulo, n. 12, nov. 2004.

_______. A Escola Itinerante Paulo Freire no 5° Congresso no MST. Fazendo

Escola, Brasília, n. 4, 2008.

RossEto, E. R. A. Essa ciranda não é minha, ela é de todos nós: a educação das crianças

Sem-Terrinha no MST. 2009. Dissertação (Mestrado em Educação) – Faculdade de Educação, Universidade Estadual de Campinas, Campinas, 2009.

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No documento Fundação oswaldo Cruz Presidente (páginas 125-128)