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Cultura CamPonEsa

No documento Fundação oswaldo Cruz Presidente (páginas 178-187)

José Maria Tardin

Cultura é uma palavra de origem la- tina, colere, que significa “cultivar, criar, tomar conta, cuidar” (Chauí, 1997, p. 292) e expressa ação marcada pelo cuidado. Tomada abstratamente, para alcançarmos seu significado geral, cul- tura é toda criação humana resultante das relações entre os seres humanos e deles com a natureza que leva ao esta- belecimento de modos de vida. Trata-se da criação e da recriação que emergem daquelas relações em que os humanos, ao transformarem o mundo, simulta-

neamente transformam a si próprios. Essas transformações se dão na ordem material, quando a criação e a recriação como ato humano tomam materiais da natureza, dando a eles formas que não possuíam até então.

Essa materialidade nova se volta sobre o seu criador, alterando seu esta- do material de vida e abrindo um novo campo de possibilidades e necessida- des que o impulsiona à contínua trans- formação. Alcança também a ordem imaterial, levando-o a expressar sua

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subjetividade por meio das artes, teo- rias, ciências, religiões, ideologias etc.

O ser humano vai, assim, impri- mindo suas marcas na natureza, “tendo essa como mediadora às suas relações e comunicações entre si e com ela pró- pria” (Souza, s. d.). E, com isso, hu- maniza a natureza, na medida em que imprime nela seus objetivos e a reso- lução prática de situações em benefí- cio da satisfação das suas necessidades humanas. Na condição de ser biológico e natural, vai histórica e espacialmente realizando transformações crescentes e constituindo assim sua humanização, distinguindo-se na natureza como por- tador de cultura, com um novo “modo de ser radicalmente inédito, o ser so- cial” (Netto e Braz, 2010, p. 36).

Em se tratando do campesinato, ele se constitui a partir de uma diversi- dade de sujeitos sociais históricos que se forjaram culturalmente numa íntima relação familiar, comunitária e com a natureza, demarcando territorialidades com as transformações necessárias à sua reprodução material e espiritual, gerando uma miríade de expressões particulares que, ao mesmo tempo, respaldam-se em elementos societários gerais, marcando sua humanização e humanizando a natureza, em um intri- cado complexo de agroecossistemas.

Nesses termos, o campesinato con- firma e exige tomar o tratamento da cultura em sua pluralidade; trata-se, portanto, de culturas do modo de ser de cada sociedade, nas quais se supe- ra a pretensão de que haja “a cultura” e, fora dela, a “não cultura”, como, na particularidade no campo, tem-se as culturas camponesas.

Há que tratar então das “agri-cul- turas” – do grego ager e do latim colere, que significa cuidar do campo, criar no

campo, cultivar o campo – como ex- pressões diferenciadas das relações das campônias e dos campônios no campo e com o campo. Recomenda-se a lei- tura dos verbetes agricultura CaM- PonEsa e agroEcologia, por exemplo,

para uma revitalização etimológica da palavra cultura e, talvez, da prática re- lacional que ela propõe.

A agricultura traduz, sem equívoco, uma relação humano–natureza marca- da pelo sentido de forte conexão, de pertencimento, de ato transformador e criador, uma relação fundada no cui- dado, como assinalado anteriormente. É, portanto, identidade humano/na- tureza. Assinalamos um conjunto de aspectos que serão desenvolvidos em seguida e que podem nos levar a uma primeira aproximação ao entendimen- to das culturas camponesas, por meio da formulação relativa à experiência do campesinato brasileiro: influências étni- cas, relações cotidianas com a nature- za, conhecimento empírico amplo, oralidade e prática, espiritualidade, religiosidade, estética, relações diver- sificadas de cooperação, forte predo- minância patriarcal, e relação família, comunidade e território.

Ademais desses aspectos, aos quais certamente se somam outros não de- senvolvidos aqui, há de se considerar que o campesinato como sujeito social histórico se forja em condições sociais, materiais e políticas acentuadamente adversas que marcarão suas culturali- dades. Aqui destacaremos três elemen- tos, a saber: sofre violências e contí- nuas agressões no percurso da história; é historicamente ativo em processos de rebeliões; e apresenta elevado grau de radicalidade na sua ação política.

No Brasil, povos originários, po- vos africanos negros e povos europeus

foram condicionados historicamente a se encontrar neste vasto território, sob o domínio das nobrezas de alguns pa- íses europeus, notadamente Portugal e Espanha, e vão conformando o mis- cigenado campesinato brasileiro (ver implicações desses condicionamentos em caMPEsinato). Essa miscigenação

tem continuidade histórica no país não só em decorrência da vinda de outros povos para o Brasil, mas também pelo intenso processo migratório existen- te no campo até os dias atuais. Essa constituição pluriétnica cada vez mais miscigenada vai gestar tipos humanos diferenciados e regionalizados territo- rialmente, os quais, em suas interações com os ambientes específicos de ca- da lugar, vão configurar as paisagens com suas peculiaridades culturais: os povos originários, majoritariamente na Amazônia e dispersos nas demais regiões; o sertanejo, no Agreste nor- destino; os quilombolas, dispersos em várias regiões; o ribeirinho, às margens de rios; o caipira, em partes do Sudes- te; o caboclo, em partes do Nordeste e da Amazônia; o gaúcho, nos pampas sulinos; o colono imigrante europeu, no Sul e em partes do Sudeste, entre outros. Na condição predominante de trabalhadores sem-terra, estão o peão de boiadeiro, o pantaneiro, o agregado, o meeiro, o parceiro e, nas vilas e cida- des predominantemente, o boia-fria.

O mundo camponês é formado por ecossistemas complexos, dos quais é preciso recolher e/ou transformar os materiais da natureza para assegurar a satisfação das necessidades vitais e a reprodução social. A paisagem natural vai sendo aculturada com os cultivos agrícolas, a criação de rebanhos e o extrativismo florestal, que envolvem o manejo de incomensurável biodiver-

sidade e agrobiodiversidade. A cada uma dessas espécies, de uso alimentar, condimentar, medicinal, ornamental; fibras e madeira; espécies necessárias à fertilização e à proteção de fontes, rios e solo; ou que precisam ser mantidas visando a fins conservacionistas e de preservação, corresponde uma multi- plicidade de conhecimentos e saberes relativos aos seus manejos e usos, e dos instrumentos de trabalho utilizados em cada situação.

Em sua generalidade, o ser camponês está imbricado à natureza numa relação cotidiana, e essa interação se dá por um contínuo conhecer, pelas descobertas, por uma práxis empírica ampla e, pre- ponderantemente, pela experimentação durante largo lapso de tempo, efetivando tentativas que levam a acertos e erros, e, com isso, orientam as escolhas.

Impõe-se ao camponês a exigência de conhecimentos amplos, entre outros, sobre as plantas cultivadas e os animais silvestres criados; saberes sobre repro- dução, produção, proteção, conser- vação, transformação e armazenagem; sobre usos que incluem a gastronomia, a terapêutica e a transformação do- méstica; sobre os solos e a água – seus manejos e conservação, que implicam obras e equipamentos variados; sobre o clima – vento, temperatura, chuva, seca, geada; sobre as estações do ano e o ciclo lunar; sobre fertilizantes, ferra- mentas e máquinas de trabalho; sobre construção; e sobre produção artesanal – roupas, calçados, adornos...

Nesses conhecimentos está implíci- ta a exigência de habilidades, destrezas e competências do fazer prático direcio- nado para o alcance de soluções objeti- vas, o que proporciona constituir sujei- tos com amplo desenvolvimento de suas capacidades e possibilidades humanas.

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A natureza do conhecimento cam- ponês faz dele um efetivo práxico- empírico, que preponderante e ne- cessariamente faz ensinando e ensina fazendo, ao mesmo tempo em que co- munica oralmente explicações dos sabe- res intrínsecos a cada objeto e prática.

Estão presentes em suas relações sociais acentuados valores humanos fun- damentais, entre os quais a solidarie- dade e a fraternidade, que se concre- tizam em múltiplas práticas de ajuda mútua entre vizinhos, em situações de catástrofes, perdas de safra, doenças e mortes, ou mesmo na organização de festividades comunitárias ou casamen- tos, batizados, entre outras.

Da mesma forma, a ajuda mútua faz parte não apenas do seu cotidiano – com sementes, animais de trabalho ou para a reprodução, com ferramentas e máquinas –, mas também do seu tra- balho – seja nas trocas de dias ou nos mutirões, sendo que esses últimos re- sultam sempre em festividade ao final das tarefas realizadas.

Essa tradição cultural leva-os a pra- ticarem vários trabalhos coletivos para o bem comum da comunidade, reali- zando obras públicas voluntariamente – manutenção de estradas, bueiros e pontes, escolas, postos de saúde – de acordo com as suas necessidades, mui- tas vezes ausência e por causa do des- caso do Estado.

Também se verifica a formalização de sistemas organizativos voltados para o alcance de resultados econômicos mais vantajosos, como as associações comunitárias ou de produtores espe- cializados em determinadas mercado- rias ou as cooperativas de porte comu- nitário ou municipal, havendo também iniciativas de alcance regional, estadual e nacional.

Esses sistemas aparecem ao longo da história camponesa, e muitas expe- riências alcançam elevado nível de coo- peração complexa, nas quais todos os meios de produção e o trabalho são pos- suídos e geridos coletivamente e a re- partição da produção social e de seus resultados econômicos é feita de for- ma igualitária ou mediante uma base geral igualitária que estabelece dife- renciações segundo a posição que cada membro associado ocupa no trabalho – periculosidade, jornada de trabalho etc. Também estão à frente de sistemas de cooperativas de crédito ou de serviços, e, tanto na forma de associações ou cooperativas quanto nas demais ati- vidades econômicas, voltam-se ainda para a realização de atividades culturais e sociais.

Sua imbricação e cotidianidade com a natureza colocam o camponês ante a grandiosidade e a complexidade dos fe- nômenos naturais, o que vai ser apreen- dido muito mais na sua aparência do que em sua essência fenomênica, mar- cando profundamente a subjetividade camponesa. Emerge daí um sentimen- to de pertencimento, um vínculo umbi- lical com a “mãe Terra”, mito primitivo que persiste no tempo.

Essa relação com a natureza vai ca- racterizar uma espiritualidade própria, que será traduzida numa estética de ex- pressão variada, que se revela em músi- cas de estilos variados, danças, poética, teatro, bailes e festividades, instrumen- tos musicais, causos e contos, histórias e lendas, artesanato, artes plásticas, ri- tos, mitos e outros.

Esse contágio com o mistério na- tural, seja pela via da contemplação, seja pela via do medo, do sentir-se pe- queno, frágil e vulnerável, seja, ainda, por sentir-se afagado, acolhido e con-

templado, vai traduzir-se, também, na constituição do sagrado como estado superior e exterior, mas também iguali- tário e interior.

O sentimento e a percepção do sa- grado vão levar à demarcação de am- bientes naturais ou culturais especiais à sua manifestação, com a determinação de mitos e rituais particulares. Os ri- tuais se voltam diretamente tanto para a natureza – olhos d’água, cachoeiras, lagos, montanhas, grutas, bosques e florestas – quanto para processos do trabalho – preparação da terra, se- meadura e colheita, ou mesmo para a matança e a preparação de animais, vi- sando ao consumo ou para fins exclu- sivamente ritualísticos, momentos em que se faz uso de simbologias diversas: entoações de vozes, cantos, ritmos, oráculos, rezas, vestes e roupas, velas, incenso, ervas e madeiras de cheiro.

O culto ao sagrado se concretiza na expressão de cosmovisões panteístas, politeístas ou monoteístas, alcançando formas sincréticas de religiosidade po- pular, em muitos casos refutadas, ou mesmo proibidas e perseguidas como inculturadas em determinados períodos históricos, sob a hegemonia das reli- giões oficiais, sobretudo a cristã católica. O sagrado vai marcar também festi- vidades fixadas no calendário anual, es- tabelecendo as formas de expressão de momentos especiais no interior das fa- mílias e comunidades, em eventos como o nascimento, o batizado, a crisma e o casamento – ou seja, a iniciação e a maio- ridade –, ou na morte e no funeral.

Outro traço geral das culturas cam- ponesas advém do patriarcalismo cons- titutivo do paradigma historicamente hegemônico nas diferentes sociedades. É notória a supremacia do homem na

hierarquia familiar e nas representações no espaço público. A divisão do trabalho segue tradicionalmente uma base sexual que em geral sobrecarrega a mulher; por isso, ela, ademais de cumprir com toda a gama de trabalhos de manutenção e cui- dado da família no âmbito domiciliar, também executa um conjunto de traba- lhos na produção agropecuária.

A magnitude e a complexidade de seu quefazer exigem das mulheres amplos conhecimentos e habilidades vistos como obrigações de uma boa mulher e como ajuda ao marido. É um contexto secularmente opressor e re- pressor no qual a relevância dos seus afazeres e a dignidade do seu ser em geral não alcançam o devido reconhe- cimento, seja no interior da família ou no âmbito social.

A essa opressão secular, acrescen- tam-se muitas outras manifestações de violência, na forma de agressões mo- rais e físicas, e de sociabilidade res- tringida, levando a um sentimento de obediência e de inferioridades física e subjetiva e à sua menor participação tanto na gerência do trabalho e dos negócios quanto na repartição dos be- nefícios dos resultados econômicos do trabalho da família.

A dominação patriarcal erguida e sustentada por milênios se materializa em cada período histórico de diferen- tes maneiras, expressando-se na di- visão sexual e social do trabalho, e é reforçada diferentemente pelas distintas formas de consciência social, nas quais as concepções do sagrado e as religiões vão exercer destacada influência.

O politeísmo, que inclui divindades masculinas e femininas, e que se ex- pressa em panteísmo, tem uma influên- cia diferente do monoteísmo – o qual

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é sempre patriarcal e atribui à mulher culpabilidades como o pecado origi- nal, responsabilizando-a, por exemplo, não só pelo sofrimento humano, mas também pelo sofrimento da divindade encarnada. Toda essa complexidade está acentuadamente posta nos marcos culturais do campesinato brasileiro e vai, por sua vez, imprimir no homem camponês um sentido de superioridade que o autolegitima como portador de certa autoridade, um sentido exterio- rizado na sua estética física e no seu vestuário, na expressão de bravura e valentia, na supervalorização de ser o macho, num sentir exacerbado da hon- ra, da austeridade e de ser trabalhador e na acentuada capacidade para o sacri- fício diante das asperezas do ambiente e do labor.

O horizonte imediato do campe- sinato é a família, que, forçosamente consolidou-se aqui sob a forma cultu- ral europeia cristã capitalista, reforçan- do as relações patriarcais, ao mesmo tempo em que impediu, seja pela for- ça jurídica e policial, seja pela ordem social moral, outras formas típicas dos povos originários ou africanos.

Ocupando o epicentro imediato de sua visão de mundo, os membros do campesinato brasileiro vão organizar e direcionar suas ações em geral e seu trabalho em particular preponderante- mente para a busca de satisfação das suas necessidades individuais e familia- res, ao mesmo tempo em que demar- cam seus horizontes existenciais pela incumbência maior de deixar aos des- cendentes uma herança material supe- rior à que receberam.

Do imediato familiar, as relações se estendem para o plano da comunidade, como espaço da vizinhança, da realiza-

ção do trabalho solidário e cooperado e da sociabilidade mais intensa, espa- ço que, para muitos, é praticamente o único local conhecido. De outra parte, as relações externas estão limitadas ao contato apenas para a resolução de necessidades pontuais. Esse horizonte restrito fragiliza a tomada de consciên- cia política, a organização de classe e a exponenciação de sua humanização. A invasão cultural burguesa, aí consolida- da em suas formas prática e ideológica, também turva a sua capacidade de se autoperceberem como sujeito social complexo e de conceberem o seu espaço como território, aspecto menos acen- tuado nos povos originários e nas co- munidades quilombolas, para as quais a existência social, que expressa uma visão de totalidade histórico-espacial e populacional com recorte étnico, está diretamente vinculada a determi- nado território.

A contenção, o impedimento de acesso à terra e a exploração do seu trabalho constituem expressão da vio- lência histórica e estrutural que perdu- ra sobre os povos camponeses; para isso, o Estado burguês e os agentes do capital fizeram uso das mais variadas formas de agressão. Porém, ainda que condicionados a situações materiais precárias e inferiores, povos originários, africanos e o campesinato miscigenado lançaram mão de sua indignação, capa- cidade organizativa e conhecimento e ergueram-se em rebeliões com elevado grau de radicalidade, realizando com- bates armados com seus inimigos ex- propriadores e exploradores.

Na sua relação com a natureza, o camponês utiliza meios e instrumentos de trabalho que em geral exigem muito esforço físico. Além disso, ele está posto

diante de realidades que exigem sua ação direta familiar ou coletiva, essa associada a seu grupo étnico ou de vizinhança na comunidade. O mesmo ocorre nas rela- ções de produção e de busca de territó- rios, na medida em que sempre encontra- rá forças inimigas no seu encalço.

Esses condicionamentos históricos – e portanto persistentes – não só cons- tituem sua experiência prática, como também vão se imprimir em sua subje- tividade, sendo comunicados em causos, repentes, trovas, cordéis e músicas, ocupando o seu imaginário e seu acervo cultural. Os povos originários se de- frontaram com os invasores europeus; os povos africanos negros, com os se- nhores escravistas, europeus e nativos; e o campesinato se deparou, e ainda se depara, com latifundiários e oligarcas, com o agronegócio e o Estado bur- guês. As rebeliões radicalizadas no en- frentamento armado se efetivaram ora localizadamente, ora ocupando vastos territórios, a exemplo de Canudos, no sertão baiano, da comunidade de Caldeirão de Santa Cruz do Deserto, no Ceará, e da Guerra do Contestado em Santa Catarina e Paraná.

Se nesses processos de rebelião a desumanidade imposta ao extremo somou-se às inspirações messiânicas e colocou o campesinato em guerras, sua resistência se atualiza e alcança ou- tra qualidade política inicialmente com a influência do ideário comunista e, depois, com a teologia da libertação. Tais influências revitalizam a criativi- dade e a radicalidade do homem do campo, levando o campesinato a esta- belecer novas formas de organização política, como as Ligas Camponesas e, mais recentemente, entre outros, o MoviMEnto dos traBalhadorEs

rurais sEM tErra (MST), o Movi-

MEntodos atingidosPor BarragEns

(MAB), o MoviMEnto dos PEquEnos

agricultorEs (MPA), o MoviMEnto das MulhErEs caMPonEsas (MMC

Brasil), os quais, por sua vez, e de maneira inédita, vão integrar a arti- culação internacional camponesa Via Campesina (ver sindicalisMo rural).

Ao mesmo tempo, é organizada, na Amazônia, uma ampla coalizão entre os Povos da Floresta e o Conselho Nacio- nal dos Seringueiros (CNS), enquanto os povos originários e quilombolas se re- posicionam, com vigor renovado, na luta política.

A ditadura militar instalada no país em 1964 impôs a rEvolução vErdE

que implica a utilização de todo um aparato industrial, financeiro, científi- co, tecnológico, educacional, agroin- dustrial e comercial por meio de ações do Estado e do capital privado, con- figurando um poderoso sistema e um bloco de poder burguês que invade am- plos territórios camponeses, impondo- lhes a modernização conservadora e a condição de subalternidade, seja como “produtores menores” de alimentos e de determinadas matérias-primas, seja como trabalhadores semiassalariados ou assalariados em processos produti- vos agrícolas e agroindustriais.

Na atualidade, esse sistema e bloco de poder, reconfigurados sob a hegemo- nia do capital financeiro e das empresas transnacionais – os quais ampliam e aprofundam a dominação e a exploração, impondo novas tecnologias no campo, notadamente as biotecnologias, tendo à frente os cultivares transgênicos, os associados a determinados agrotóxicos, mas também as nanotecnologias e uma série de outras tecnologias baseadas na informática satelitizada – passaram a ser identificados como “agronegócio”.

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Tudo isso se associa às mudanças gerais nas legislações impostas por or- ganismos internacionais multilaterais a fim de legitimar a permissividade para a maior dominação, a exploração do trabalho e a depredação e mercantili- zação da natureza em escala planetária pelo agronegócio.

Essa expansão e invasão do capi- tal no campo são devastadoras para o campesinato, seja por imporem a mer- cantilização – um padrão de produção e consumo absolutamente distante da sua trajetória cultural, étnica, familiar e comunitária –, seja por alterarem in-

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