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Vertentes de agriculturas alternativas à agroquímica

No documento Fundação oswaldo Cruz Presidente (páginas 41-44)

O sentido adotado atualmente para a noção de agricultura alternativa tem suas origens ligadas à contestação da agroquímica organizada por “movi- mentos rebeldes”. Essa denominação foi empregada por Ehlers (1996) em seu livro Agricultura sustentável: origens e

perspectivas de um novo paradigma. Tendo

emergido quase que simultaneamente na Europa e no Japão nas décadas de

1920 e 1930, esses movimentos coin- cidiam na defesa de práticas de mane- jo que privilegiam o vínculo estrutural entre a agricultura e a natureza. Uma excelente síntese sobre a emergência das agriculturas alternativas nesse pe- ríodo foi apresentada no artigo “Eco- agriculture: a review of its history and philosophy” (Merril, 1983). Para a au- tora, os fundamentos teóricos desses movimentos podem ser encontrados em trabalhos científicos do final do século XIX, que realçam a importân- cia dos processos biológicos para a manutenção da fertilidade dos solos agrícolas. Outro texto sobre o tema que se popularizou no Brasil intitula- se “Histórico e filosofia da agricultu- ra alternativa” (De Jesus, 1985). Com pequenas variações entre esses autores, os movimentos alternativos podem ser categorizados nas seguintes vertentes: a) Agricultura biodinâmica: intima- mente vinculada à antroposofia, uma filosofia elaborada pelo austría- co Rudolf Steiner (1861-1925) que influenciou o desenvolvimento de abordagens metodológicas em di- ferentes campos do conhecimento, tais como a pedagogia, a medicina e a psicologia. Atribui-se o nasci- mento da agricultura biodinâmica a um ciclo de palestras proferidas por Steiner em 1924, nas quais ele enfa- tizou a importância da manutenção da qualidade dos solos para que as plantas cultivadas se mantivessem sadias e produtivas. A ênfase dada ao tema da sanidade das plantas justificava-se pelo aumento da in- cidência de insetos-praga e doen- ças com o avanço da agroquímica. Para lidar com essa questão, Steiner apresentou propostas de manejo dos solos baseadas no emprego de

matéria orgânica e de aditivos para a adubação, atualmente conhecidos como “preparados biodinâmicos”, que visam reestimular “as forças naturais” dos solos. Outra noção- chave de Steiner é a concepção da propriedade agrícola como um or- ganismo vivo, integrado em si mes- mo, ao homem e ao cosmo. b) Agricultura orgânica: vertente re-

lacionada ao trabalho do botânico e agrônomo inglês Albert Howard (1873-1947). Como todos os agrô- nomos formados em sua época, Howard foi levado a defender as mo- dernas técnicas agroquímicas como meio para o progresso na agricultura. Suas convicções foram fortemente abaladas quando tentou transferir os postulados agroquímicos para a Ín- dia, onde trabalhou por vários anos. Seus conhecimentos sobre genética e melhoramento vegetal, associados à apurada observação dos métodos de manejo tradicionais de fertilização, abriram-lhe nova perspectiva para a investigação nesse campo. Ao enfa- tizar a importância da matéria orgâ- nica na gestão da fertilidade, Howard sustentava que o solo não poderia continuar sendo concebido como um mero substrato físico, dado que nele ocorrem processos biológicos essen- ciais ao desenvolvimento sadio das plantas. Para ele, a fertilidade deve estar assentada no suprimento de matéria orgânica e, principalmente, na manutenção de elevados níveis de húmus no solo. Essas ideias o leva- ram a desenvolver o processo indore de compostagem, prática hoje ampla- mente disseminada.

c) Agricultura biológica: o modelo de produção agrícola organo-biológico

teve suas bases lançadas na déca- da de 1930 pelo suíço Hans Peter Müller. Como político, Müller, ao realizar sua crítica à agroquímica, enfatizava questões de natureza socioeconômica, entre elas a preo- cupação com a crescente perda de autonomia por parte dos agriculto- res e com a forma que vinha assu- mindo a organização dos mercados agrícolas, ao se alargarem os circui- tos que encadeiam a produção ao consumo de alimentos. Suas elabo- rações não foram levadas em con- sideração por cerca de três déca- das até que o médico alemão Hans Peter Rush as retomou, centrando seu foco de atenção nas relações entre a qualidade da alimentação e a saúde humana. A diferença essen- cial entre essa vertente alternativa e a agricultura orgânica tal como preconizada por Howard é que a associação entre pecuária e agricul- tura não seria a única forma de ob- ter matéria orgânica para a repro- dução da fertilidade. Esse recurso poderia ser proveniente de outras fontes externas à propriedade, in- clusive de resíduos urbanos. Além disso, os defensores da agricultura biológica apregoavam o uso de pós de rocha como estratégia para a recomposição de minerais no solo. Dessa forma, ao contrário das no- ções de autossuficiência propug- nadas por outras vertentes alterna- tivas, Müller e Rush entendiam que a propriedade agrícola deve estar integrada ecologicamente com ou- tras propriedades e com o sistema do território do qual faz parte. Um importante difusor da agricultura biológica foi Claude Aubert, pes- quisador francês que na década de

1970 atualizou a crítica à agricul- tura convencional, em particular o seu efeito sobre a diminuição da qualidade dos alimentos. Há quem defenda que Aubert seja o pai da agricultura biológica tal como ela é hoje compreendida. Segundo Ehlers (1996), é difícil precisar se as ideias de Aubert mantinham ligação com as de Müller e Rush, o que justificaria sua proposta de agricultura biológica como uma vertente distinta da orgânica e da biodinâmica. Um pesquisador que certamente exerceu influência so- bre Aubert foi o biólogo francês Francis Chaboussou, autor da teo- ria da trofobiose, que correlaciona a infestação de insetos-praga e pa- tógenos com o estado nutricional das plantas, demonstrando ainda que a aplicação de agrotóxicos e de fertilizantes solúveis provoca desordens metabólicas que favore- cem essas infestações.

d) Agricultura natural: associada à obra de dois mestres japoneses, Mokiti Okada (1882-1953) e Masanobu Fukuoka (1913-2008), que julgavam ser essencial a agricultura seguir as leis da natureza e defendiam que as atividades agrícolas fossem rea- lizadas com um mínimo de inter- ferência na dinâmica ecológica dos ecossistemas. Para Fukuoka, tanto a agricultura convencional quanto as vertentes alternativas orgânica e bio- dinâmica fundamentam-se em prá- ticas que intervêm profundamente nos sistemas naturais. Ele defendeu o método que denominou “não fa- zer”, ou seja, não arar a terra, não aplicar inseticidas e fertilizantes (nem os compostos defendidos por Howard), não podar as árvores

frutíferas, não capinar (só limpezas seletivas) para que assim os pro- cessos ecológicos naturais possam guiar a atividade produtiva sem o emprego desnecessário de energia. Tanto Okada quanto Fukuoka com- preendiam a agricultura não apenas como meio de produzir alimentos, mas também como uma abordagem estética e espiritual para a vida cujo objetivo final seria o cultivo da per- feição dos seres humanos.

e) Permancultura: as ideias de Fukuoka difundiram-se e foram desenvolvi- das na Austrália, onde receberam nova síntese, sob a denominação de permancultura, ou agricultura permanente. Os autralianos Bill Mollinson e David Holmgren siste- matizaram e desenvolveram cientifi- camente a proposta. Assim como a agricultura natural, a permancultura é baseada no desenho de analogias entre os ecossistemas naturais e os agroecossistemas por meio de siste- mas agroflorestais que valorizem os padrões naturais de funcionamento ecológico e que permitam o estabe- lecimento de agriculturas estáveis, produtivas e harmoniosamente in- tegradas à paisagem.

Apesar das nuances relacionadas à origem geográfica e cultural de cada uma das vertentes de agricultura alter- nativa, identifica-se considerável con- vergência nos princípios que orientam as práticas que as mesmas defendem. De certa forma, uma das principais con- tribuições dos fundadores das correntes alternativas europeias foi a sistematiza- ção dos princípios técnicos da Primeira Revolução Agrícola, cujas práticas fun- damentavam-se essencialmente no em- prego inteligente da agrobiodiversidade

(vegetal e animal) e no manejo da bio- massa (adubação verde, forragens e es- terco). Já a vertente originada no Japão não preconiza o uso do esterco, prática já consolidada na Europa há séculos. Apesar das restrições de ordem filosó- fica, como a alegação de que o uso de excremento animal na fertilização dos solos tornaria os alimentos impuros, o fato é que esse recurso não era abun- dante na agricultura tradicional japone- sa. Essa condição material levou a ver- tente oriental a desenvolver sofisticadas técnicas de compostagem de resíduos vegetais, incluindo o uso de culturas de microrganismos que auxiliam a decom- posição e melhoram a qualidade dos compostos assim originados.

da marginalidade à disputa

No documento Fundação oswaldo Cruz Presidente (páginas 41-44)