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Teoria do discurso de Ernesto Laclau: formação discursiva em torno da Educação Museal

4 NOÇÕES SOBRE A DIMENSÃO EDUCATIVA DO CAMPO MUSEAL BRASILEIRO

5. ASPECTOS TEÓRICO-METODOLÓGICOS

5.4 Teoria do discurso de Ernesto Laclau: formação discursiva em torno da Educação Museal

Lembro que, durante minha infância na Argentina, havia um anúncio nos cinemas que dizia: ―O espetáculo começa quando você chega‖. Bem penso que a ―emancipação‖ é o oposto: um espetáculo a que sempre chegamos tarde e que nos força a advinhar, penosamente, suas origens míticas e impossíveis. Temos, contudo, de nos engajar nessa tarefa impossível, que é entre outras coisas, o que dá à desconstrução seu sentido.

Ernesto Laclau Em uma concepção estruturalista, associada à semiótica de Ferdinand Saussure, um signo corresponde a um acoplamento entre significante-significado, essa posição vislumbra um sistema estável. Na abordagem, pós-estruturalista, existe um desacoplamento, uma não naturalização do elo entre significante e significado, assim qualquer significante pode ter seu significado alterado. Existe instabilidade no sistema de significação. Por não naturalizar essa relação, a Teoria do Discurso, proposta por Ernesto Laclau, cria novas possibilidades de lidar com as diferenças. Esse desacoplamento entre significante e significado remete a uma impossibilidade estrutural de significação, porque sempre há uma interrupção (subversão, distorção), na estrutura do signo (algo interno ao processo de significação). Ana Oliveira (2013) em sua análise da TD de Laclau reforça que:

A defesa da impossibilidade de uma significação única, na TD, encontra argumentos no conceito de jogos de linguagem de Wittgenstein, que os definiu como um todo, um sistema, uma configuração composta de linguagem oral e escrita e de ações com as quais a linguagem se imbrica e se constitui. Os significados dos elementos são definidos no interior desses jogos, e não a priori, pressupondo uma rede de semelhanças que se sobrepõem e entrecruzam em movimentos de condensação e de deslocamento (DE ALBA, 2007 apud OLIVEIRA, 2013, p. 04).

A produção de discursos não existe apenas em um nível metalinguístico, onde um fundamento extra-discursivo possibilita uma crítica ideológica, existindo um lugar neutro/seguro para tecer essas críticas. Para Laclau ―Categorías como ―distorsión‖ y ―falsa representación‖ sólo tienen sentido en la medida en que algo ―verdadero‖ e ―no distorsionado‖ esté al alcance humano‖ ( LACLAU, 2006, p. 12). Mas isto não significa que a crítica ideológica seja impossível, o que não é possível para Laclau é uma crítica ―de la ideología en cuanto tal; todas las críticas seran necessariamente intra-ideológicas.47‖ Pois nos

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encontramos ligados a mecanismos cujas operações ―extra-ideológicas‖ pertencem a um ―reino ideológico‖.

Segundo Mesquita ―O que caracteriza o discurso ideológico, para Laclau, é seu caráter negativo, construído mediante as contingências do jogo político, ou seja, não se concebe a existência de uma objetividade dada do social como uma realidade extra-ideológica‖ (MESQUITA, 2009, p. 20). O que está em questão não é a ―veracidade‖ ou ―falsidade‖ do conteúdo que se afirma em determinada situação; o discurso é caracterizado como ideológico quando ele é ―funcional com respeito a alguma relação de dominação social‖ (Zizek, 1996: 13-4 apud IBIDEM, p. 20). A ideologia se faz notar em situações de crise (deslocamento), em que a estabilidade do social está sempre ameaçada. Procura, entretanto, naturalizar-se como um discurso objetivo.

Três raízes filosóficas tem inicio no século XX,e partem de uma ―ilusão da imediaticidade‖(de acesso direto às coisas tais como elas são): o referente (filosofia analítica), o fenômeno (fenomenologia) e o signo (estruturalismo). Na TD as ―mediações‖ deixam de ser derivativas e tornam-se constitutivas, isso na esteira de Wittgenstein (filosofia analítica), de Heidegger (filosofia existencial), e Derrida, Barthes e Lacan (pós-estruturalismo). Para Joanildo Burity:

A reflexão teórico-política de Ernesto Laclau e o nome com o qual a designa, pós-marxismo. Situando-se resolutamente na picada aberta pela crítica desconstrutiva de Derrida, com sua forte ênfase anti-essencialista e seu renitente motivo da mútua implicação e deformação dos polos de uma oposição, o trabalho de Laclau articula (num sentido que analisaremos adiante) uma problemática que coloca a questão da atualidade da tradição à qual se liga a partir de uma história do presente. Ao mesmo tempo em que o exercício desta problemática, pela sua própria natureza articulatória, constrói um outro campo onde as equivalências (ou similitudes) e as diferenças entre os elementos dos diversos discursos trabalhados encontram um ponto de condensação. Este é o campo do pós-marxismo. (BURITY, 1997, p.03)

A TD considera a heterogeneidade, como condição inicial para constituição do social. Laclau pensa sua teoria a partir de um sistema de diferenças. Esse tipo de leitura, não desconsidera os particularismos das demandas individuais. Assim, a constituição identitária não fica presa a um sistema fechado. A topografia do social, estruturada desse modo, possibilita a construção de novas relações e significados. Para Laclau existem dois tipos de relações sociais fundamentalmente diferentes: de um lado, o particularismos das demandas que são absorvidas pelo sistema; do outro, as demandas que não são absorvidas pelo sistema. Essas demandas não absorvidas podem estabelecer uma relação de equivalência.

Laclau e Mouffe partem da junção da lógica política de Gramsci e de um conjunto de categorias do pós-estruturalismo para elabora uma nova teoria da hegemonia. Partem do conceito derridiano de indecibilidade do social, tudo depende de disputas hegemônicas. Para os autores, a concepção de hegemonia como movimento político-tropológico, está filiada a um processo permanente cujo objetivo é a fixação de determinados significados particulares, desejando que eles possam representar a totalidade. Laclau e Mouffe (1998) assume a constituição de processos hegemônicos em uma perspectiva que rompe com a lógica essencialista, presente, em algumas, abordagens marxistas.

Em "Psicanálise e Marxismo" (1983), ―pós-marxismo‖ é apresentado como "índice de comparação" entre os campos do marxismo e da psicanálise, um campo novo, resultante do esforço de pensar rigorosamente a tradição marxista a partir dos desenvolvimentos recentes do pensamento filosófico e político, bem como das transformações do capitalismo, especialmente a partir do segundo pós-guerra. Mais amplamente, tal pensar a tradição se inscreve no caminho aberto pela "destruição da história do Ser" de Heidegger. Destruição que significa um questionamento radical da face atual da tradição, a fim de recuperar o sentido original das suas categorias, isto é, das perguntas às quais ela se pôs a tarefa de responder, da constelação de alternativas em relação às quais as categorias (e as instituições) da tradição representam apenas um dos caminhos possíveis. Caminho marcado pela ambiguidade irredutível de ser uma resposta constituída por/constituinte da tradição (portanto, integral a ela) e ao mesmo tempo apenas uma das respostas possíveis. Resposta e parte da tradição, mas não necessaria ou inquestionavelmente requerida pelos elementos que a compõem - um hímen, para usar o termo derridiano (Derrida, 1972, apud BURITY, 1997, p.04).

Assim, para ele, na lógica da diferença-as demandas individuais são absorvidas pelo sistema, e na lógica da equivalência- as demandas não são absorvidas, isso, divide a sociedade em dois campos. Cria-se um exterior e um interior. Por não serem absorvidas, algumas identidades são rechaçadas pelo conjunto do sistema. È nesse contexto que Laclau entende o Termo Populismo, para ele sempre que existir uma divisão de poder- cujas demandas não podem ser integradas pelo sistema. Relações equivalências são fundadas na exclusão, se existe algo como limite do sistema, vai haver uma ambigüidade, para Laclau essa é a natureza da exclusão. Laclau ressignifica48 o termo Populismo, para ele, não tem um sentido depreciativo.

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A TD oferece um léxico especifico, de termos criados, ou ressignificados por Laclau. O que torna sua teoria mais complexa, pois é preciso se apropriar desses novos sentidos. No entanto, isso a torna mais rica, pois cria novas leituras sobre a realidade.

O cenário museal brasileiro é um campo diverso, marcado por demandas individuais; por lutas por reconhecimento; questões identitária, afirmações de memória; em paralelo a questões institucionais. Podemos dizer que nos museus a lógica da diferença e a lógica da equivalência, dentre outras questões, podem ser representadas pelas novas composições de museus. Que atuam, enquanto instrumentos de representação dos grupos que derivam das praticas sociais não absorvidas pelo sistema. Assim, essas novas tipologias pretendem, em grande parte, agregar os programas contemporâneos do fazer museu com as emergentes mobilizações globais para extensões das políticas de reconhecimento.

Com o aumento do número museus após a segunda guerra e a necessidade de dar conta de um grande crescimento de formas de representação identitária, se tornou necessário, novas análises das maneiras de fazer museus. Por exemplo, os museus comunitários, e o conceito de museologia social, se colocam como alternativas, para cobrir esses novos tipos de representações.

O contexto atual é marcado pela emergência por reconhecimento, de novas identidades, que escapavam, em grande medida, ao alcance das ferramentas de análise social oferecidas pelas perspectivas tradicionais. Os museus comunitário, de tipologia virtual ou física, como por exemplo: os museus Indígenas, Ecomuseus, Quilombolas, os movimentos de causas LGBT, entre outros. Essas novas constituições de museus se colocam como narrativas

antagonísticas, enquanto alternativas ao que já está instituído, e faz parte do sistema

hegemônico de significação. Esses eventos tornam a noção de educação museal mais complexa, e se faz necessário, novas problematizações.

Assim, uma questão importante a considerar é: essas novas formações de museus passam a funcionar como dispositivos de reconstrução contemporânea da experiência democrática, ou surgem com uma nova forma de fazer museu, mas que consolidam antigas e engessadas práticas para lidar com a experiência democrática crescente?

É do diálogo entre Ernesto Laclau e Jacques Lacan que se desenvolve a lógica do significante. Em Lacan, no sentido de compreender a relação entre inconsciente e linguagem, o significante como unidade mínima do simbólico, terreno da ambiguidade e da polissemia. Na filosofia de Laclau, como forma de se compreender os processos sociais de significação. Segundo Oliveira:

Tomar o significante como unidade do simbólico é considerar a importância da linguagem e sua sujeição ao discurso na elaboração desse simbólico, possibilitando a compreensão dos processos sociais de significação, sempre dependentes de uma articulação entre significantes. Na Teoria do Discurso,

essa articulação obedece a duas lógicas: na primeira, um significante é substituído por outro, buscando manter a mesma significação; na segunda, são processos de combinação que identificam as diferenças. Essas duas lógicas, mantendo as aproximações com a forma como se estrutura a linguagem permitem identificar metáforas que condensam sentidos em um único significante, ao mesmo tempo em que permitem que um sentido particular seja metonimicamente alçado à categoria de universal. (OLIVEIRA, 2013, p. 04).

A abordagem laclaniana, considera o caráter político do social, marcado por diversas demandas. No qual, se travam "lutas‖ por lugares hegemônicos, por fixação de sentidos. Deste modo, a noção de significantes vazios é central para a significação política. A noção de antagonismo e equivalências, proposta por Laclau e Mouffe, reconhece, a heterogeneidade como constituinte do social, resultado de práticas articulatórias entre elementos diferentes49.

Temos aqui a base para uma comparação entre essa dualidade política/gestão e os dois eixos de significação – o das combinações e o das subsitituições. Quanto mais a ordem social for estável e enconstada, mais as formas institucionais prevalecerão e se organizarão num sistema sintagmático de oposições diferenciais. Quanto mais os confrontos entre grupos definirem a cena social, mais a sociedade será dividida em dois campos: no limite, haverá uma total dicotomização do espaço social em torno de apenas duas oposições sintagmáticas – ―nós e eles‖. Todos os elementos sociais teriam de localizar suas identidades em tono de um desses dois polos os componentes estariam em mera relação de equivalência. (LACLAU, 2011, p, 202)

Para Laclau qualquer sistema de significação está estruturado em torno de um lugar vazio que resulta da impossibilidade de se ter um fundamento, assim, a questão de qual significante pode assumir essa função é política. A Educação museal, enquanto pratica discursiva, não tem seus sentidos fixados. O cenário museal brasileiro, esta em um momento de construção de significados sobre essa modalidade educativa. Seja no campo teórico, com a construção de conceitos, e no âmbito político, com o processo de construção da Política Nacional de Educação Museal. Para TD o signo pode deslizar e assumir o caráter flutuante de um elemento, que remete a sistemas de significação instáveis e relativamente abertos.

A definição do que é um museu, passou por muitas modificações, houve uma ampliação do seu conceito. A Educação Museal, está relacionada a esse conjunto diverso de percepções e modificações. Propor uma reflexão, através do pensamento laclauniano, sobre a formação discursiva da educação museal, é incluir, a noção de educação museal, em um contexto

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Elementos exteriores e internos – ao sistema significativo, para Laclau algumas demandas são absorvidas pelo sistema, porém, outras demandas não. A criação dessa ambigüidade, não seria simplesmente diferenciais, mas equivalentes.

histórico político. Os museus, assim como as escolas, afinal, a forma escolar é um tema caro a esse estudo, são historicamente representados, como instrumentos de reprodução das estruturas de desigualdade existente.

Através de uma leitura laclauniana, a forma escolar, configura-se como hegemônica- uma particularidade, sem deixar de ser particular, que funciona em nome de uma universalidade impossível. As atribuições dadas à escola demonstram a hegemonia dessa instituição. A forma escolar constrói relações hegemônicas em torno do significante ―educação‖. Os discursos que intentam constituir o que venha a ser ―educação museal‖ também passam a mobilizar esse significante, de modo que, ―educação‖ pode ser caracterizada como um significante vazio. Na concepção de que não tem um conteúdo específico, já que existem várias formas de significação. Laclau (1996).

As metáforas são a possibilidade de criação de outro ambiente narrativo, de novas cadeias de equivalências. A educação museal, nesse sentido, ensejaria a construção de uma nova cadeia de equivalência, outro ambiente metonímico50. Sabendo que a metáfora aparece integrada a metonímia, a metáfora seria o detonador de determinado investimento sintagmático. Para Laclau:

Sem metáfora, diz Proust (mais ou menos assim), não existem memórias verdadeiras; acrescentamos a ele (e a todos): sem metonímia, não há encadeamento de memórias, nem histórias, nem romance. Pois se é a metáfora que recupera o tempo perdido, é a metonímia que o reanima, que o põe de novo em movimento: que o devolve para si mesmo e para sua ‗essência‘ verdadeira, que é seu próprio escape e sua própria busca. Então aqui, e só aqui- por meio da metáfora, mas dentro da metonímia-, que a Narrativa (Récit) começa. (LACLAU, 2011, p, 186)

A Educação museal, ainda, não está com sua significação hegemonizada. Enquanto a escola esta com seus sentidos mais fixados. Assim como o currículo que faz parte, não só na relação de conteúdos, mas a própria estrutura da organização escolar. Nesse sentido, o currículo também é uma construção hegemônica. O desenvolvimento e processo de hegemonia pelo qual passou a forma escolar está intimamente marcado pelas reformas do currículo. A ideia que se tem sobre educação está presente nessas mudanças. Elisabeth Macedo propõe uma nova visão sobre o currículo, apartada de uma visão mais determinista, que vê o currículo só como retrocesso. Ela aponta exatamente para um jogo que está aberto.

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Os discurso metonímicos, segundo Laclau buscam fechamento, estabilidade, mas para existir coesão/ coerência na narrativa as metáforas são um telos da metonímia, são dois telos que dependem um do outro.

Assim, o currículo pode ser visto como um espaço-tempo híbrido de fronteira, para ela ―o entendimento do currículo como híbrido cultural parece crucial para pensar a diferença, não como diversidade mas como um discurso relacional em que o próprio sistema de sua representação está em questionamento. (MACEDO, 2006 p. 92)

Discursos homogeneizantes – do Iluminismo, do mercado, da nação –, o currículo escolar é habitado por uma diferença que não se define como a oposição ao homogêneo, que penso ser possível tratá-lo como uma espécie de espaço-tempo cultural liminar. Um espaço tempo em que as culturas presentes negociam com ―a diferença do outro‖, que explicita a insuficiência de todo e qualquer sistema de significação. (MACEDO, 2006 p. 92)

Para Laclau as metáforas precisam de um ambiente metonímico para existir, mas apesar da metonímia ter um efeito totalizante, ela é sempre precária. O que possibilita as construções metafóricas, é o fato desses sentidos serem precários, que não existe um fechamento. Com isso a forma escolar, apesar de parecer consolidada, seus sentidos não são totalmente fixos, pode existir uma construção metafórica. Existem disputas nessas estruturas.

Nesse contexto, quais as possibilidades da educação museal construir um campo Narrativo ao invés de fortalecer o Paradigmático. Essa não fixação de sentidos que está relacionada à configuração desse campo, por ainda não ser uma conformidade metonímica, pode criar mais facilmente a possibilidade de construção de novos discursos metafóricos. São questões para refletir.

As significações sobre educação museal encontram-se desestabilizadas. Podemos caracterizar a educação museal como um significante flutuante Pois o significante flutuante promove mudanças na própria estrutura do signo, atua no significante – promove deslocamento. Perdeu a coesão interna, abre-se para fazer novas analogias, não segue uma direção prévia (telos) (LACLAU, 1996).

A educação museal pode ser um objeto de interpelação de construções sintagmáticas, aumentando as possibilidades de construir metáforas. Assim, cria-se a possibilidade de uma tendência maior a provocar a criatividade/imaginação?

5.5 A construção do conhecimento: a imaginação como produtora de sentido, através do