• Nenhum resultado encontrado

4 NOÇÕES SOBRE A DIMENSÃO EDUCATIVA DO CAMPO MUSEAL BRASILEIRO

5. ASPECTOS TEÓRICO-METODOLÓGICOS

5.2 O Pensamento Paradigmático e o Narrativo

A realidade não se reduz ao que pode ser visto. Identifica-se também ao que pode ser dito. Há uma síntese do visto e do dito numa filosofia do discurso, mas que só se aplica à ordem das coisas. No mundo humano, permanece uma dualidade: o dado e o sentido são irredutíveis.

Paul Ricoeur Para Paul Ricoeur (2010) a narrativa é constitutiva, agencia fatos, ou seja, não existe um vínculo natural entre os acontecimentos. Segundo Ricoeur ao narrar uma história não se separa a explicação da compreensão. Ricoeur não dicotomiza narração/compreensão e explicação. Ele traz a explicação para dentro dos esquemas compreensivos, de maneira que a explicação desempenha um papel ancilar, de apoio à compreensão. Nesse sentido, é que as teorias servem às narrativas, ajudando na construção de verossimilhança e inteligibilidade. Explicar melhor é compreender melhor:

Acompanhar uma história é, com efeito, compreender as ações, os pensamentos e os sentimentos sucessivos como tendo uma direção particular (directedness): entenda-se por isso que o desenvolvimento nos leva para frente na medida em que respondemos a essa impulsão com expectativas concernentes ao fim e ao desfecho do processo todo. Percebe-se desde já que compreensão e explicação estão inextricavelmente mescladas nesse processo. (IBIDEM, 2010, pg. 248)

O conceito de followability é um principio estrutural da narrativa (IBIDEM, 2010), pois, preenche uma lacuna deixada pela analise da frase narrativa- o de explicar dentro de esquemas de compreensão, para que as histórias possam ser acompanhadas. A followability é a capacidade de seguir uma história Assim, tem que existir uma inteligibilidade na trama. O Modelo nomológico45, oposto ao sintagmático, não reconhece a inteligibilidade da narrativa.

Antonio Bolívar Botía (2002) analisa a perspectiva narrativista enquanto uma maneira que altera o modo habitual de compreender o conhecimento, e do que importa conhecer. Sem deixar de expor os limites epistemológicos que surgem no uso de apenas um enfoque narrativo. Para Botía existem diferenças entre o modelo Paradigmático e o Narrativo, mas ―a oposição entre o paradigmático e o narrativo não implica uma dicotomia‖ (BOTÍA, 2002, pg.10). A não dicotomização defendida por Botía se articula com a proposta de Ricoeur de não separação entre compreensão e explicação.

45

Nomológico tem origem na palavra Grega nomos- lei, Ricoeur faz uma critica a esse modelo, pois o modelo nomológico é uma visão formaliza da explicação científica, assim o conhecimento histórico fica submetido a leis. (Ricoeur, 2010) O termo paradigmático, neste texto, não é utilizado como sinônimo de modelo, mas em relação à Nomológico.

O pensamento Paradigmático está relacionado: a busca de verdades universais; convencimento através de provas empíricas; causalidade; formação de proposições; consistência. E o pensamento Narrativo está em outro ponto; não pretende apresentar verdades inquestionáveis, busca por verossimilhança. Assim, cria maiores possibilidades de ―engatilhar‖, mudanças de um plano para o outro. Para Jerome Bruner (2002), de acordo com a ênfase dada a cada tipo de pensamento, a experiência pessoal do indivíduo e a construção da realidade vão ter diferentes significações. De acordo com Bruner:

Cada uma das maneiras de conhecimento tem princípios operativos próprios e seus próprios critérios de boa formação. [...] ambos podem ser usados como meio de convencer o outro. Não obstante, do que eles convencem é fundamentalmente diferente: os argumentos convencem alguém de sua veracidade, as histórias de sua semelhança com a vida. O primeiro comprova através de um possível apelo a procedimentos para estabelecer provas formais e empíricas. O outro estabelece não a verdade, mas a verossimilhança. (BRUNER, 2002, p.12)

O quadro abaixo ilustra algumas distinções entre os modelos Paradigmático e Narrativo, na visão de Jerone Bruner:

Quadro 03: Duas formas de conhecimento científico no estudo da ação humana, de acordo com Jerone Bruner.

Paradigmático (Lógico-científico)

Narrativo (Literário-histórico) Carácteres Estudo ―científico‖ da conduta

humana. Proposicional.

Saber popular, Construído de modo biográfico-narrativo.

Métodos de

verificação

Argumentos: procedimentos e métodos estabelecidos pela tradição positivista.

Relato: Hermenêuticos, interpretativos, etc.

Discursos Discurso da investigação: enunciados objetivos, não valorização da abstração.

Discurso da prática: expressado em intenções, desejos, ações, historia particulares.

Tipos de

conhecimento

Conhecimento formal, explicativo por causa-efeito, segurança, previsível.

Conhecimento prático, que representa intenções e significados, verossímil, não transferível.

Formas Proposicional: categorias, regras, princípios. Desaparece a voz do investigador.

Narrativo: particular e temporal,

metáforas, imagens.

Representadas pelas vozes dos atores e investigadores.

Fonte: Revista Electrónica de Investigación Educativa Vol. 4, No. 1, 2002/ Botía (2002) Tradução livre da autora.

Para Bruner os dois modos de funcionamento cognitivo constroem realidades e experiências, cada uma da sua forma: Para ele, os dois modos de pensamento, são complementares, porém, irredutíveis.

De acordo com Botía o modo Paradigmático:

El modo paradigmático de conocer y pensar, de acuerdo con la tradición lógico científica heredada, se expresa en un conocimiento proposicional, normalmente, normado por reglas, máximas o principios prescriptivos. Este modo paradigmático no se identifica estrictamente con el positivismo clásico, aunque lo comprende. (BOTÍA, 2002, p.08)

Enquanto o modelo Narrativo:

Por contraste, el segundo, emergente, es el modo narrativo (sintagmático), caracterizado por presentar la experiencia concreta humana como una descripción de las intenciones, mediante una secuencia de eventos en tiempos y lugares, en donde los relatos biográfico-narrativos son los medios privilegiados de conocimiento e investigación (BOTÍA, 2002, p. 08).

Botía não contrapõe um modelo ao outro, para ele cada modelo carrega em si suas especificidades:

Los dos modos (si bien son complementarios) son irreductibles entre sí. Los intentos de reducir una modalidad a la otra o de ignorar una a expensas de la otra hacen perder inevitablemente la rica diversidad que encierra el pensamiento. Además, esas dos maneras de conocer tienen principios funcionales propios y sus propios critérios Difieren fundamentalmente en sus procedimientos de verificación. (Bruner, 1988, p. 23 apud. BOTÍA, 2002, p. 08).

Bruner e Botía chamam atenção para os princípios fundamentais, de cada modo de pensamento, e seus procedimentos de verificação. O modelo escolhido em cada pesquisa está relacionado aos diferentes modos de compreender cada objeto, e filiações teórico/metodológicas. A proposta narrativa, como caminho metodológico, rompe com as noções de objetividade e totalidade sociais que informam as principais tradições políticas modernas. Como explicita Botía:

Kant encabezaba la segunda edición de su Crítica de la razón pura con el lema anterior (en formulación afirmativa), tomado de Francis Bacon, como signo y garantia de objetividad de la obra. Sólo cuando se elimina la individualidad se está realmente haciendo ciencia. ¿Qué ha ocurrido desde entonces como para que consideremos que ―sobre nosotros mismos callamos‖ deba, paradójicamente, ser cambiado por “de nobis ipsis

loquemur” (sobre nosotros mismos hablamos)? El ideal positivista fue establecer una distancia entre investigador y objeto investigado, correlacionando mayor despersonalización con incremento de objetividad. La investigación narrativa viene justo a negar dicho supuesto, pues los informantes hablan de ellos mismos, sin silenciar su subjetividad. (BOTÍA, 2002. P.02)

O esquema do quadro abaixo, proposto por Botía, baseado nas categorias de Bruner, faz um paralelo entre a análise de dados, em um modelo Paradigmático e Narrativo:

Quadro 04: Contraste entre dois tipos de análise de dados: Narrativo/Paradigmático

Análise Paradigmático Análise Narrativo

Modo de análise Tipologias, categorias,

normalmente estabelecido de modo indutivo.

Conjuntar dados e vozes em uma historia o trama, configurado em um novo relato narrativo.

Interesses Tema comum, agrupamentos

conceituais, que facilitam a comparação entre casos. Generalizações.

Elementos distintos e específicos. Revelar o caráter único e próprio de cada caso. Singularidade.

Critérios Comunidade científica

estabelecida: tratamento formal e categorial.

Autenticidade, coerência, compreensível, caráter único. Resultados Informe ―objetivo‖: análises

comparativas. As vozes como ilustração.

Gerar uma nova historia narrativa conjunta – a partir das distintas vozes- pelo investigador.

Exemplos Análises de conteúdo

convencional, ―teoria fundamentada‖.

Informes antropológicos, boas reportagens, periódicos e televisivas.

Fonte: Revista Electrónica de Investigación Educativa Vol. 4, No. 1, 2002/ Botía (2002) Tradução livre da autora.

Este estudo aponta para a importância metodológica dos processos narrativos, para a dimensão ―performática‖ da narrativa, em que o sujeito vai se constituindo, a si e também ao mundo, na hora de narrar. O performático, nessa linha, pode ser percebido em contraste a uma enunciação que se pretende constatativa, é nesse sentido que nossa discussão sobre educação museal é também performática. Pois tenta romper com uma noção representacionista da narrativa, limitada a uma dimensão lingüística, que se realiza paralelamente aos processos sociais reais. O conhecimento narrativo, nesse sentido, se assume como performático, criativo, se distanciando de uma noção de ciência como discurso meramente constatativo. Segundo Antonio Bolívar Botía (2002):

La narrativa no es sólo una metodología; como señaló Bruner (1988), es una forma de construir realidad, por lo que la metodología se asienta, diríamos, en uma ontología. En primer lugar, la individualidad no puede explicarse únicamente por referentes extraterritoriales, por emplear los términos de Julia Kristeva. La subjetividad es, más bien, una condición necesaria del conocimiento social. La narrativa no sólo expresa importantes dimensiones de la experiencia vivida, sino que, más radicalmente, media la propia experiencia y configura la construcción social de la realidad. Además, un enfoque narrativo prioriza un yo dialógico, su naturaleza relacional y comunitaria, donde la subjetividad es una construcción social, intersubjetivamente conformada por el discurso comunicativo. El juego de subjetividades, en un proceso dialógico, se convierte en un modo privilegiado de construir conocimiento. (BOTÍA, 2002, p.04)

Um fio condutor possível, no sentido de estabelecer diferenciações entre os elementos estruturantes da forma escolar e a educação museal, consiste nessa abordagem dos modelos de pensamento Narrativo e Paradigmático. Bruner destaca a narrativa, como um dos meios, pelos quais é possível desenvolver um tipo de pensamento mais critico, o pensamento metacognitivo, no sentido, do exercício de pensar sobre o próprio pensamento. Bruner acredita que as escolas deveriam adotar a narrativa como ferramenta para o ensino das mais diversas disciplinas Para ele é por meio das histórias que o indivíduo se conhece e conhece o outro.

No universo escolar, existe uma predominância do modo Paradigmático de pensamento. Podemos dizer que a forma escolar é baseada nesse modelo. A educação museal, parece, não, estar muito distante dessa concepção. O aspecto disciplinar dos espaços escolar/museal, mencionado anteriormente, cruza com o aspecto disciplinar social mais amplo que, por sua vez, está associado à discussão acerca das formas de conhecimento Paradigmático.

A definição do que é ciência, e o que são métodos científicos, passou por diversas concepções, não existe, e possivelmente não existira um consenso, devido a diversidade de opiniões. De fato, o que podemos concluir é que os critérios utilizados anteriormente para definir o que é ou não ciência, não conseguem atender as demandas do pensamento atual. Alda Judith Mazzotti e Fernando Gewandsznajderv (2001) em seu texto discutem a possibilidades de se construir conhecimentos confiáveis sobre as ciências sociais, não restringindo à discussão a questão do que é ou não ciência.

Falar sobre ciência e conhecimento científico atualmente constitui uma tarefa difícil. Novos paradigmas, gerados tanto no âmbito da própria ciência como em outras áreas do conhecimento, vêm questionando pressupostos e procedimentos que até então orientavam a atividade cientifica e conferiam credibilidade a seus resultados. A visão de uma ciência objetiva, neutra, a- histórica, capaz de formular leis gerais sobre o funcionamento da natureza,

leis estas cujo valor de verdade seria garantido pela aplicação criteriosa do método já não se sustenta. Hoje, a maioria dos cientistas admite que o conhecimento nunca é inteiramente objetivo, que os valores dos cientista podem interferir no seu trabalho, que os conhecimentos gerados pela ciência não são infalíveis e que mesmo os critérios para distinguir o que é, e o que não é ciência variam ao longo da história. (MAZZOTTI, GEWANDSZNAJDERV, 2001, p.109)

Boaventura de Souza Santos (1989) propõe um debate sobre a necessidade das condições teóricas serem realizadas em conjunto com as condições sociais, pois as condições teóricas serão de pouca ou nenhuma eficácia se não forem realizadas sob certas condições sociais. Segundo Boaventura estamos em uma fase de transição paradigmática46, que passa por um período de ―reconceitualização‖ em função de uma nova concepção pós-moderna de ciência. Onde a epistemologia representa, em qualquer uma das suas correntes, a consciência da ciência moderna, devendo a mesma ser submetida à reflexão hermenêutica, levando a um processo de ―desdogmatização‖ da ciência.

Mas para isso é preciso adotar uma concepção de ciência que facilite a reflexão hermenêutica. Para Boaventura a concepção pragmática de ciência permite romper com a circularidade da teoria, sendo completada e articulada com a concepção retórica do discurso científico, assim tanto pela via do pragmatismo, como pela via da retórica, o saber científico abre-se a outros saberes e assim se propicia a segunda ruptura epistemológica. Sendo o ato epistemológico mais importante à ruptura com a ruptura epistemológica. Boaventura acredita que a hegemonia incondicional do saber científico, marginalizou outros saberes, que estavam em conjunto com a sabedoria prática (a phronesis). Botía reforça que:

La investigación biográfica y narrativa en educación se asienta, pues, dentro del ―giro hermenéutico‖ producido en los años setenta en las ciencias sociales. De la instancia positivista se pasa a una perspectiva interpretativa, en la cual el significado de los actores se convierte en el foco central de la investigación. Se entenderán los fenómenos sociales (y, dentro de ellos, la educación) como ―textos‖, cuyo valor y significado, primariamente, vienen dados por la autointerpretación que los sujetos relatan en primera persona, donde la dimensión temporal y biográfica ocupa uma posición central. (BOLIVAR, 2002. P.4)

46