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Alguns Partidos Políticos e a Educação

8. A Nova Democracia (1985 – 2000)

8.1 Alguns Partidos Políticos e a Educação

Ao longo do período que vai de 1985 até o início do século130, surgiram e desapareceram várias agremiações políticas. Algumas delas se preocuparam teórica e praticamente com a educação, ou, ao menos, tiveram setores que implementaram alguma ação coordenada de política educacional. Dos partidos que assim agiram, vale destacar aqui, pelo menos no seu início, ainda sob a Ditadura Militar, três deles: o Partido do Movimento Democrático Brasileiro (PMDB), o Partido Democrático Trabalhista (PTB) e o Partido dos Trabalhadores (PT)131.

Esses partidos nasceram de uma reforma partidária realizada ainda na época da Ditadura Militar. Nos últimos anos da Ditadura Militar, houve o fim do bipartidarismo, com a extinção da Aliança Nacional Renovadora (ARENA) e do Movimento Democrático Brasileiro (MDB). Sob a nova legislação partidária surgiram várias novas siglas: PMDB, PDS, PTB, PDT, PT e PP. A Anistia Política aconteceu em 1979, e as eleições diretas para governo dos Estados ficou marcada para 1982, o que de fato ocorreu.

O Partido do Movimento Democrático Brasileiro132 foi o sucessor do MDB, e se tornou o maior partido de oposição ainda no âmbito da Ditadura Militar. Aglutinou setores de esquerda, de centro e de centro direita, deixando com o governo o herdeiro da ARENA, o Partido Social Democrático (PDS). O PMDB nunca possuiu uma plataforma unificada a respeito da educação, mas, ao ganhar as eleições de 1982 para governadores de alguns importantes estados da Federação, como São Paulo, Minas Gerais, Paraná, Pará, Goiás e Espírito Santo, guindou para seus cargos relativos ao setor educacional certos intelectuais que, de uma forma ou de outra, haviam estado na oposição durante anos e queriam colocar em prática teses de cunho mais democráticas que as até então desenvolvidas.

Em dezembro de 1985, em um seminário com o título “A teoria e a prática da pedagogia crítico-social dos conteúdos – do diálogo ao debate coletivo”, realizado em Niterói pela Associação Nacional de Educação (ANDE) e pelo Instituto Nacional de Pesquisas Pedagógicas (INEP), os trabalhos de Guiomar Namo de Mello e de Neidson Rodrigues, foram tomados e analisados como exemplos da atuação autenticamente peemedebista que, aos olhos da imprensa e dos intelectuais, parecia corresponder ao que seria uma gestão de centro-esquerda, uma gestão que, em termos europeus, poderia ser considerada social-democrata.

130 Partidos políticos: http://www.pfl.org.br/; http://www.pcdob.org.br/; http://www.pl.org.br/; http://www.ppb.org.br/; http://www.psdb.org.br/

131 Sobre o PT o leitor pode consultar: http://www.pt.org.br/

Guiomar de Mello havia sido secretária de educação da Prefeitura de São Paulo na Gestão Mário Covas (1982-1985), e Neidson Rodrigues133 havia encabeçado a Superintendência de Ensino da Secretaria da Educação do governo de Minas Gerais, na gestão de Tancredo Neves.

Segundo as informações daquele Seminário de Niterói, informações que precisariam ser relativizadas, dado a proximidade das gestões julgadas com os organizadores do evento, Guiomar Namo de Mello teria alcançado várias vitórias à frente da Secretaria Municipal de Ensino de Covas: corrigiu as formas de hierarquização rígidas na carreira do magistério paulistano e que eram responsáveis por desnível salarial acentuado, manteve-se firme em favor da institucionalização de concursos públicos e contra interesses clientelísticos em diversos cargos para o ensino público e, enfim, procurou desenvolver os princípios do seu livro, Magistério de 1º grau – da competência técnica ao

compromiso político, que advogava a necessidade do professor de

dominar ‘o conteúdo do saber escolar e dos métodos adequados para transmitir esse conteúdo do saber escolar’ às crianças que não apresentassem ‘as precondições idealmente estabelecidas para sua aprendizagem’ (cf. Ghiraldelli Jr., 1990, pp. 213-214).

Ainda segundo as conclusões do Seminário de Niterói, Neidson Rodrigues não teria destoado dos ideais de São Paulo, apenas dado mais ênfase à ‘participação popular’. O objetivo de Neidson, segundo seu próprio documento no Seminário, foi o de tornar a escola pública mais permeável aos interesses da sociedade, de modo que a sociedade organizada pudesse ficar em defesa da escola pública. O canal para tal, segundo ele, foi o de criar as Comissões Municipais, formadas em cada cidade pelo prefeito, vereadores, professores, supervisores, presidentes de associações comunitárias, sindicatos etc. Pelo lado das próprias

133 Tanto Guiomar Namo de Mello quanto Neidson Rodrigues foram alunos de Dermeval Saviani no programa de pós-graduação em filosofia e história da educação da Pontifícia Universidade Católica de S. Paulo. Guiomar veio de experiências com pesquisas quantitativas, ao participar de trabalhos na Fundação Carlos Chagas, e continuou na carreira política, seguindo Mario Covas quando este fundou, junto com Franco Montoro e outros o Partido da Social Democracia Brasileira (PSDB); Neidson Rodrigues tinha formação em filosofia e, mais recentemente, voltou ao trabalho de ensino; é professor de filosofia da educação na Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). Há de se notar que uma série de alunos de Saviani, nesta época, ocuparam cargos na administração do ensino em diversos estados. O próprio Saviani foi guindado para o Conselho Estadual de Educação do Estado de São Paulo, durante o governo de Franco Montoro, em meados dos anos oitenta. Vale a pena, aqui, o leitor ver algumas opiniões de Saviani a respeito das possibilidades da democracia, a partir de sua posição de quem teve a experiência de ser conselheiro: Saviani, D. Desafios atuais da pedagogia histórico-crítica. In: Dermeval Saviani e a educação brasileira. São Paulo: Cortez, 1994, pp. 258-259.

escolas, ainda segundo Neidson, tentou-se criar, institucionalizar e apoiar o Colegiado, que era eleito em assembléias de pais, alunos, funcionários e professores, e que tinha a tarefa de acompanhar o plano curricular da escola, a organização do calendário escolar, a organização da biblioteca, o controle da caixa escolar etc.

O Partido Democrático Trabalhista (PDT)134 procurou, entre 1982 e 1985, durante o governo de Leonel Brizola no Rio de Janeiro, desenvolver uma linha própria de política educacional, dentro do pensamento pedagógico do então vice-governador Darcy Ribeiro, antropólogo e ex-ministro da Educação do governo João Goulart, o último governo antes do Golpe de 1964 que instituiu a Ditadura Militar. Darcy Ribeiro publicou Nossa escola é uma calamidade (1984), onde reuniu denúncias sobre a situação crítica do ensino e, além disso, exibiu as propostas do governo Brizola em matéria de educação.

Neste texto, ao tentar explicar o fracasso da educação escolar brasileira, Darcy Ribeiro não só se preocupou em resgatar fatores histórico- culturais de ordem geral, como também tentou trazer à tona aquilo que ele chamou de “pedagogias desvairadas” — um amálgama pedagógico que, uma vez tendo se tomado senso comum dos professores, contribuiu em muito para o insucesso da escola pública no Brasil. O vice-governador pedetista expôs em seu livro um decálogo das “pedagogias descabeladas”: 1) “verbalismo”; 2) “decoreba”; 3) «exclusão de todo fazimento e expressividade”; 4) “ordem”; 5) “mandonismo”; 6) não admissão de avaliação do trabalho docente; 7) descuido com os alunos com dificuldade de aprendizagem; 8) uma “pauta normal” e exigência para todos, ainda que a imensa maioria dos alunos não acompanhe esta pauta; 9) professora não-educadora, mas sim uma “técnica que vai à escola derramar instruções sobre os alunos”; 10) o aprendizado é feito “de oitiva pelo rádio e televendo” (cf. Ribeiro, D.; cf. Ghiraldelli Jr., 1990, p. 215).

A não ser pelo penúltimo princípio — onde Darcy Ribeiro expôs um ponto de crítica ao otimismo em tecnologias pedagógicas — e pelo último princípio — que criticou, em parte, as teses em favor da democratização do ensino através da expansão da indústria cultural e da mídia — o decálogo ficou preso às críticas que a teoria do movimento escolanovista já havia encetado a respeito do ensino brasileiro.

Darcy Ribeiro, de fato, nunca omitiu sua simpatia para com as teses escolanovistas (ele sempre se referiu a Anísio Teixeira como “meu mestre”).

Todavia, a própria realidade brasileira observada colocou-o, em diversos momentos, na trilha de formular reflexões às vezes menos. Assim, nesta linha, Darcy Ribeiro, em meados do governo Brizola, desabafou em um

de seus inúmeros pronunciamentos:

É preciso que se diga com toda clareza que nada há de mais simples, nem de mais econômico, nem de mais eficaz e acessível do que a educação com uma boa professora primária. Foi ela só, com seu quadro negro e suas caixas de giz, que educou o mundo. Evidentemente a professora pode ser ajudada por meios extra-escolares, mas é ainda ela a única e insubstituível força educativa com que se pode contar (cf. Ghiraldelli Jr. , 1990, p. 216). Na prática, o PDT no governo do Rio de Janeiro inovou através da construção dos Centros Integrados de Educação Popular (CIEPs), que ficaram conhecidos por “Brizolões”. Eram escolas de tempo integral vol- tadas para a infância pobre carioca. O ponto positivo dos CIEPs logo veio à tona: uma vez instalados, obrigaram os demais políticos, pelo menos verbalmente, a dedicarem uma atenção especial à educação popular, dado o sucesso que Brizola vinha conseguindo com a construção de tais escolas. Os CIEPs, apesar de representarem inicialmente uma solução prática de uma política educacional que investiu num projeto arquitetônico e menos num projeto essencialmente pedagógico, e apesar de sobrepor uma rede paralela de ensino à rede já existente, trouxe de fato oportunidades para uma teorização calcada em números e dados a respeito das possibilidades da escola de tempo integral.

Brizola não conseguiu construir todos os CIEPs prometidos e necessários para a escolarização da infância proletária. Seu plano era o de realizar tal feito na continuidade de um governo pedetista no Rio de Janeiro, o que não foi possível, pois o PDT foi derrotado nas eleições de 1986. O Partido dos Trabalhadores (PT) formulou publicamente considerações sobre a questão educacional em 1982, na campanha de Luís Inácio Lula da Silva para a conquista do governo do Estado de São Paulo.

Nesta época, Luís Inácio Lula da Silva denunciou o sentido privatista da política educacional brasileira, que ele via como criadora de um sistema educacional de dupla face: por um lado “uma escola de bom nível, paga a preço de ouro para o filho do rico”; por outro lado a “escola mal- instalada, mal-aparelhada, distante, suja e burocratizada da rede pública”, oferecida “aos filhos dos trabalhadores”. Olhando internamente para a escola pública, o líder operário foi buscar nos péssimos salários a principal causa da inviabilização “de qualquer prática pedagógica consistente”. Captou, também, o problema do número insuficiente de vagas nas escolas. Segundo dados oficiais do início dos anos oitenta, Lula afirmou que cerca de 18% das crianças de 7 a 14 anos estariam fora da escola, em São Paulo. A reprovação na primeira série do 1º grau

ficou em tomo de 34%. Em bairros populares de São Paulo, mais de 95% dos jovem estavam fora da escola pública de 2º grau.

Durante a campanha eleitoral para o governo do Estado de São Paulo, Luís Inácio Lula da Silva alinhou dez pontos que deveriam indicar “medidas de curto prazo” para democratizar o sistema de ensino, torná- lo menos elitista e «voltado para as classes trabalhadoras”. Estes dez pontos foram incluídos no texto Um sistema educacional a serviço dos

interesses e necessidades da classe trabalhadora, confeccionado por

Lula:

1) Ampliar imediatamente a rede de ensino e as condições de atendimento, de forma que, desde o primeiro ano de governo, todos os alunos obtenham vaga nas escalas e tenham condições de cursá-las. 2) Ampliar as verbas destinadas á educação em São Paulo e lutar para que, no nível federal, recomponha-se efetivamente o percentual aplicado na educação pelo menos a níveis iguais aos de 1965 (11,8%) que se veio deteriorando, atingindo hoje 4%. 3) Aumentar o número de creches atualmente existentes no Estado, redefinindo-as como centros educa- cionais e não corno depósitos onde se deixa o filho e instituir uma rede pública de pré-escolas para o atendimento de crianças de 4 a 7 anos, em todo o Estado. 4) Criar melhores condições de ensino e trabalho nas escolas dos diferentes níveis de ensino, de modo a reduzir drasticamente a repetência e a evasão, especialmente nas séries iniciais do 1º grau. 5) Alterar, dentro da política geral de remuneração do funcionalismo, a remuneração dos educadores e funcionários do sistema educacional do Estado, de modo a garantir condições para que esses profissionais se dediquem inteiramente ao ensino. 6) Propor um programa de merenda escolar que efetivamente contribua para a melhoria das condições de nutrição e saúde das crianças matriculadas na rede pública de ensino. ‘7) Rever a política de ensino no que se refere aos cursos noturnos de modo a garantir vagas e ensino efetivo de bom nível aos que trabalham. 8) Ampliar o número de vagas para o ensino universitário público e gratuito, entendendo que a democratização do ensino um versitário é condição de melhoria da qualidade de ensino do e 2º graus. 9) Garantir o ensino público e gratuito em todos os níveis de ensino, ampliando as oportunidades educacionais para as classes trabalhadoras e combatendo ao mesmo tempo a privatização e a comercialização

abusada do ensino. 10) Garantir, em todos os níveis de ensino, a participação ampla e democrática da população, através dos Conselhos Populares e dos profissionais, referentes à educação pública, bem como na administração e controle do sistema estadual de ensino (apud Ghiraldelli Jr., 1990, pp217-218).

Outras reflexões sobre a questão educacional foram desenvolvidas no interior do PT, inclusive algumas de caráter essencialmente didático- pedagógicas. Desenvolveram-se, também, reflexões relativas à questão da educação extra-escolar, da ampliação do conceito de educação e, a partir daí, do entendimento da tarefa político-partidária como uma tarefa de educação politizante etc. Afinal, o PT, no decorrer dos anos subseqüentes, contou, do lado pedagógico, com Paulo Freire e toda uma legião de seus admiradores e, pelo lado da política educacional, Florestan Fernandes, que exerceu o mandato de deputado federal pelo partido.

Após 1985, já vigorando o processo democrático, o PMDB e o PDT não mais conseguiram manter uma atividade interna homogênea em torno da educação, ao passo que o PT, se também não conseguiu isso, ao menos estreou com inovações e com uma força mais contudente no cenário nacional em relação ao tema. Dois pontos altos do partido foram alcançados quando, através da “Gestão Erundina” na prefeitura da cidade de São Paulo, Paulo Freire foi indicado como secretário da Educação, depois substituído por seu seguidor e divulgador Moacyr Gadotti, atuor de vários livros, professora da Faculdade de Educação da USP e diretor do Instituto Paulo Freire. Ao mesmo tempo, Marilena Chauí, professora da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo (FFLCH-USP), foi indicada como secretária de cultura naquela gestão. No Rio Grande do Sul, especificamente em Porto Alegre, o PT ganhou várias eleições e, então, a partir de experiências da educadora e depois deputada Esther P. Grossi, e de muitos outros intelectuais da região, também desenvolveu ações peculiares no campo da educação municipal.