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Conversando com Rubem Alves

7. O Regime Militar (1964-1985)

7.1 Leituras em Educação Durante a Ditadura Militar

7.1.3 Conversando com Rubem Alves

O escolanovismo piagetiano de Lauro de Oliveira Lima e outros, que dizia ser herdeiro da tradição escolanovista brasileira construída por Anísio Teixeira, Lourenço Filho e vários intelectuais entre a década de vinte e a década de oitenta, não foi, de maneira alguma, o único tipo de escolanovismo que tivemos. A literatura pedagógica brasileira absorveu às vezes de modo específico e às vezes de modo bem genérico, os princípios do movimento renovador do ensino.

A rigor, Ruben Alves não poderia ser tomado como um escolanovista. Mas em um grau genérico, sim, na medida em que ele se engajou na tarefa de falar sobre a escola, o ensino e as atividades afins por meio de um discurso que não ia contra os preceitos mais básicos do movimento renovador do ensino, que veio desde os anos vinte conquistando adeptos.

Todavia, o que Rubem Alves queria, mesmo, era menos a formulação de um método ou de uma “pedagogia” e mais dispor de uma conversa aberta com os professores, falando de sua experiência e, muitas vezes, atuando mais como escritor (no sentido genérico da palavra) do que como autor acadêmico.

E creio que ele acertou o alvo. Entre outros, dois dos livros de Rubem Alves — Conversas com quem gosta de ensinar e Histórias de quem

gosta de ensinar, respectivamente de 1982 e 1984, com sucessivas

reedições a cada ano, conquistaram a simpatia de boa parcela dos educadores mais sensíveis a um ideário não excessivamente racionalista-iluminista, mas sim uma forma de levar em conta os ganhos que o movimento romântico trouxe para a educação.

As incursões de Rubem Alves pelo campo educacional podem per- feitamente ser vistas como no leito de um discurso com tons do romantismo. De um modo geral, seus escritos cultivaram os ideais principais de um tipo de escolanovismo romântico, isto é, o respeito à individualidade da criança, o cultivo à infância, o incentivo à criatividade, a busca de liberdade individual e subjetiva etc. Todavia, a diferença entre este pensamento e aquele contido no escolanovismo do “Manifesto dos Pioneiros de 32” ficou explícito. Tratou-se, aqui, do cultivo de um mundo não cientificizado, de um mundo não racionalizado, se é que se entende um mundo racionalizado como aquele que está à serviço da técnica. Rubem Alves não mostrou aos seus leitores nenhum ganho em um mundo que vê na tecnologia, na ciência e no planejamento muitas vantagens, bem ao contrário de Anísio Teixeira. Seus textos apontavam muitas vezes para a ciência, a tecnologia e o planejamento como o sustentáculo da infelicidade humana.

Na perspectiva romântica105, Rubem Alves condenou o que muitos, mais próximos do iluminismo de cunho positivista, chamaram de “as conquistas da modernidade”. Com isso, Rubem Alves não estava pensando em um combate, no sentido de superação, do ideário tecnicizante que os que estavam em cargos de poder, na época, defendiam para a educação. Pois ele não apontava para uma ação política coletiva, uma nova política educacional, mas sim para a promoção de uma certa espiritualidade aglutinada a uma crítica que promovia alguns aspectos do passado, tomados então como bons e mais saudáveis para as relações entre aquele que educa e aquele que é educado. Não raro, Rubem Alves chegou, mesmo, em incentivar não a

superação da modernidade, mas sim o cultivo do sonho da existência de

um passado idílico, de um passado bom que, tendo ou não possibilidades de voltar, deveria estar presente subjetivamente no nosso atuar cotidiano (cf. Ghiraldelli Jr., 1990, p. 198).

Nessa linha, Rubem Alves diferenciou o educador do professor. O primeiro, disse ele, “habita um mundo em que a interioridade faz uma diferença, em que as pessoas se definem por suas visões, paixões, esperança e horizontes utópicos”, enquanto que o segundo “é um funcionário de um mundo dominado pelo Estado e pelas empresas, é uma entidade gerenciada, administrada segundo a sua excelência funcional, excelência esta que é sempre julgada a partir dos interesses do sistema”. Comparando essas duas figuras em seu imaginário, Rubem Alves concluiu que, na realidade, o segundo é funcionário, e o primeiro é “um mau funcionário”, justamente “porque o ritmo do mundo do educador não segue o ritmo do mundo da instituição”  “não é de se

105 Romantismo. Movimento que arrebatou a cultura européia, e por conseqüência também a norte-americana, entre 1775 e 1830, apesar de ter sido prenunciado por alguns elementos culturais do século XVIII (culto ao antigo, os romances sentimentais, o gosto pelo sublime e pelo pitoresco, e acima de tudo o engrandecimento da natureza e do sentimento de Rousseau em detrimento da civilização e do intelecto).

O romantismo foi parcialmente uma reação contra a racionalidade rígida do llumjnismo, com a sua arte oficial, estática e neoclássica, a favor do subjetivo, do imaginativo e do emocional, do inspirador e do heróico. Na filosofia, os românticos tiraram de Kant a ênfase no livre arbítrio e a doutrina da espiritualidade última da realidade, sendo a própria natureza um espelho da alma humana. Em Schelling, a natureza toma-se um espírito criativo cuja aspiração é a auto-realização cada vez mais completa. O conhecimento da natureza deste espírito (o Absoluto) não pode ser adquirido por meios racionais e analíticos, mas unicamente por umia absorção emocio- nal e intuitiva, no seio desse processo de auto-realização. A inocência espontânea da criança (e da infância da humanidade) é corrompida pela separação intelectual da natureza, mas a história individual, tal como a história humana, pode ultrapassar essa separação através de um processo em espiral no qual se reconquista a unidade perdida, apesar de clarificada e melhorada pela jornada. A arte romântica é assim essencialmente movimento, representada em buscas, jornadas e peregrinações, cujo objetivo é o regresso a um lar ou refúgio perdido” (Blackburn, 1997, p 345).

estranhar que Rousseau tenha se tornado obsoleto”106 (cf Alves, 1982, 1984; cf. Ghiraldelli Jr., 1990, p. 198).

A escola, para Rubem Alves, nos livros acima citados, não planeja, não racionaliza, não treina. Daí a coerência “didática” de Rubem Alves expressa na forma e conteúdo de seus livros: ele não escreveu textos convencionais, mas sim textos de contos, de estórias, de fábulas com conclusões moral-normativas para o aluno e para o professor. Tais textos foram fontes de inspiração para grandes levas de professores em uma época em que ter esperança no trabalho individual valeu muito para que se pudesse continuar o dia-a-dia do magistério.

106 O leitor que quiser tomar conhecimento da filosofia da educação de Rousseau, no contexto da história da filosofia da educação, pode ler: Ghiraldelli Jr. O que é filosofia da educação – uma perspectiva metafilosófica. Ghiraldelli Jr., P. (or.). O que é filosofia