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Filosofia Analítica e Educação: Uma Oportunidade Perdida Para expor o que foi o movimento em filosofia analítica da educação,

7. O Regime Militar (1964-1985)

7.1 Leituras em Educação Durante a Ditadura Militar

7.1.9 Filosofia Analítica e Educação: Uma Oportunidade Perdida Para expor o que foi o movimento em filosofia analítica da educação,

começo por um quadro anterior e internacional, para depois localizar aqui, no Brasil, os desdobramentos ou, talvez melhor dizendo, a falta de desdobramentos (cf. Ghiraldelli Jr, 1999, pp. 37-41).

No começo do século XX, o sociólogo francês Émile Durkheim não via mais utilidade para a filosofia e/ou para a filosofia da educação. Para ele, a filosofia e a filosofia da educação pertenciam ao passado. A filosofia da educação estaria marcada pelo discurso utópico — o discurso negativo — que os filósofos do passado (séculos XVII e XVIII — Jean Jacques Rousseau à frente) formularam em busca da reforma social e educacional. Enquanto utopias, eram ideologias de negação do existente e não formulações explicativas da realidade existente. Para além de tais utopias, o que deveria passar a vigorar eram as teorias científicas enquanto discursos explicativos, positivos — daí a idéia de “positivismo”. Em vez de ser determinada pela filosofia da educação, Durkheim insistia que a finalidade da educação deveria ser fixada por uma ciência positiva capaz de explicar o desenvolvimento das sociedades, para as quais a educação estava voltada e para as quais seria vital. Tal ciência era a “sociologia” e, especificamente, como diríamos hoje, a “sociologia da educação”.121 Os meios, por sua vez, deveriam ser determinados por outra ciência positiva, a “psicologia” (não pela “pedagogia”, que, segundo Durkheim, estava contaminada pela filosofia, pelas utopias, pelo discurso negativo do passado). No esquema de Durkheim, sociologia e psicologia seriam as “ciências da educação” par excellence (há de se notar o quanto isso influenciou a educação brasileira, em especial as grades curriculares dos cursos de pedagogia e de formação de professores).

Enquanto na França e nos países sobre sua influência cultural, a idéia de “ciências da educação” ganhou corpo em detrimento da filosofia da educação, nos Estados Unidos a filosofia da educação continuou a ser prestigiada122. Ao contrário de muitos que quiseram usar a filosofia para

121 O leitor pode voltar às partes sobre a Primeira e Segunda Repúblicas, e notar que a crítica dos católicos a educadores como Fernando de Azevedo e Anísio Teixeira era, exatamente, a de que eles não tinham uma finalidade da educação posta pela filosofia, mas sim por ciências “materialistas”. Talvez isso fosse verdade para Fernando de Azevedo, que era durkheimiano. Mas não para Anísio Teixeira, que era deweyano. O problema todo dos católicos, como Alceu de Amoroso Lima, era que as finalidades da educação não poderiam ficar subsumidas aos meios, e tinham de ser postas por uma filosofia subordinada a “valores eternos”, dados pela religião  a católica.

122 O leitor deve dar atenção a isto. Em geral, o leitor brasileiro, por formação, tende a atribuir aos franceses e europeus em geral, um apreço pela filosofia, e aos norte- americanos um apreço pela ciência e pela técnica. Todavia, em filosofia da educação, e em relação ao debate instaurado entre Dewey e Durkheim, o que ocorreu foi que a filosofia da educação, mesmo que dentro de correntes já naturalistas, bem

modificar a educação, ou de outros, como Durkheim, que quiseram substituir a filosofia pelas “ciências da educação” em favor da melhoria das propostas em educação, John Dewey viu na educação, além de sua função prática de ser um elemento inerente e coadjuvante da democracia, uma função teórica. A educação poderia ela própria trazer uma chance para a necessária reformulação da filosofia. Só que ele não estava pensando em toda e qualquer educação; ele estava, sim, pensando na educação democrática, uma educação democrática por se

fazer democrática e por só ter sentido, enquanto educação, na

democracia. Daí o filósofo norte-americano ter ficado conhecido mundialmente como “o filósofo da democracia”.

Vendo a filosofia tomar-se secundarizada pelas ciências, John Dewey quis dar um contrapeso a isto. Sua proposta era a de dar à própria filosofia um cunho naturalista de base experimental, científica  ainda que ele, muitas vezes, tivesse o cuidado de lembrar que isso não poderia ser uma volta ao cientificismo e a um positivismo vulgar, coisa que seus adversários, principalmente no Brasil, nem sempre souberam entender.123

Se a filosofia, tradicionalmente, fazia perguntas do tipo “o que é o conhecimento?” ou “o que são os valores?” talvez, pensou Dewey, não houvesse melhor lugar para investigar respostas a tais questões senão na própria atividade educativa, pela observação empírica e científica da atividade educativa; pelo exame da educação prática e do exame das pedagogias. A filosofia, assim fazendo, tomar-se-ia uma reflexão sobre a educação e uma arca de formulação de hipóteses a respeito da relação ensino-aprendizagem; enfim, seria uma espécie de “teoria da educação” (cf. Dewey, 1959, pp. 354-367; Ghiraldelli Jr., 1999, 37-40).

A filosofia assim reconstruída assumiria finalmente sua vocação: a de

influenciadas pela ciência, ficou do lado americano, enquanto que a cientifização das Humanidades, e em especial da educação, ficou do lado francês. Como já disse no início deste livro, no Brasil, o “Manifesto dos Pioneiros da Educação Nova” de 1932 soube conciliar tais tendências de maneira harmoniosa e inteligente. Isso porque Fernando de Azevedo, um durkheimiano, redigiu o texto democraticamente, ouvindo todas as tendências escolanovistas do momento, em especial Anísio Teixeira, um deweyano.

123 Um dos principais problemas no entendimento de Dewey no Brasil foi seu conceito de experiência. Tanto os que foram tomados como educadores de direita (por exemplo, José Mário Pires Azanha, professor da Faculdade de Educação da USP), quanto os que foram tomados como educadores de esquerda (por exemplo, Dermeval Saviani  foi professor na Pós-graduação da PUC-SP e na UNICAMP), por vias diferentes, tomaram a noção experiência, em Dewey, muito próxima à noção sensitivista de “experimento”. O leitor pode ver isso em: Ghiraldelli Jr., P. a filosofia da educação do pragmatismo americano e o “Manifesto dos Pioneiros da Educação Nova”  uma crítica a J. M. Azanha e D. Saviani. Filosofia, sociedade e educação(2): 33-45, 1998.

ser filosofia da educação. Daí o filósofo norte-americano ter ficado conhecido mundialmente como “o filósofo educador”.

John Dewey entendia que a verdadeira educação era “crescimento” em favor da diversidade e, sendo assim, só podia existir na democracia, dado que a democracia era entendida por ele como uma experiência histórica capaz de fazer proliferar pessoas e comportamentos os mais variados. A filosofia, escreveu ele no célebre Democracia e Educação  traduzido no Brasil em 1959  uma vez reconstruída, responderia a suas velhas perguntas epistemológicas (perguntas sobre origem e legitimidade do conhecimento humano) e axiológicas (perguntas sobre as origens e legitimidade valores humanos) na medida em que usasse a educação como um “banco de provas”, observando a vida educacional  a vida das crianças adquirindo conhecimento e hábitos morais. Esta, por sua vez, geradora de comportamentos, pessoas, situações variadas e ricas, não poderia ser senão o campo mais fértil para uma investigação empírica para responder a perguntas do tipo “como se processa o conhecimento?” e “como são gerados os valores?”. Em vez de

fundamentar a educação, a filosofia ou a filosofia da educação evoluiria a partir da educação (Cf. Dewey, 1959). Enquanto Durkheim apartou

filosofia e educação, John Dewey uniu-as de modo a quase fundi-las (cf. Durkheim, 1955; cf. Ghiraldelli Jr., 2000a, pp. 18-21).

Assim, a filosofia da educação em moldes do pragmatismo americano (do escolanovismo americano, se quisermos falar nos termos mais pedagógico-didáticos) e as “ciências da educação” em moldes da sociologia positivista francesa, percorreram todo o século XX como pólos de irradiação de reflexões pedagógicas que serviram, cada uma a seu modo, às sociedades que, neste último século, democratizaram o ensino.

Todavia, para além das “ciências da educação” durkheimianas e para além da filosofia pragmatista da educação nos moldes deweyanos, a “filosofia da educação” foi acolhida e redefinida por pensadores que usufruiram mais diretamente de uma atenção da filosofia, no século XX, para com a linguagem (chamamos isto, hoje, no jargão dos meios filosóficos, de linguistic turn, ou “virada linguística”). Surgiram então os filósofos “analíticos” (cf. Ghiraldelli Jr., 2000a; 2000b).

Entre as décadas de 1950 e 1970 eles dominaram a cena norte- americana e inglesa e, por essa via, influenciaram uma boa parte do resto do mundo. A filosofia da educação ganhou então um novo espaço e novas tarefas.

Durante o período em que Dewey desenvolveu suas idéias, Bertrand Russell (1872-1970), por sua vez, apresentou uma das versões da filo- sofia analítica. A “análise”, certamente, sempre fez parte da filosofia, mas Russell trouxe um novo e específico significado ao termo. Acreditava que a mente e a matéria eram duas coisas distintas e

diferentes e que entidades materiais (objetos) e produtos da mente (linguagem e expressões matemáticas) podiam ser analisados em suas relações e elementos básicos. Uma boa parte da tarefa do filósofo analítico seria, então, a de analisar a linguagem e a matemática e mostrar como cada elemento da análise se refere a algo no mundo material ou a outro elemento da linguagem ou da matemática. Para Russell, a realidade é, em última instância, analisável; isto e, ela pode ser dividida em elementos e relações irredutíveis.

O programa de análise de Russell dependia não somente da crença de que a realidade é analisável (decomposta e reduzida) mas igualmente da idéia de que toda configuração da linguagem aponta para algo em tal realidade. Essa crença, hoje, entre os filósofos, parece pouco plausível. Há filósofos que ainda investigam o significado, supondo que ele está na conexão entre palavras e objetos ou eventos, mas tais filósofos não mais supõem que se possa, de um modo puramente neutro e analítico, cobrir o significado de várias expressões, fazendo-as equivaler a características da realidade.

A filosofia analítica, em todas as suas formas, exige a análise e a clarificação. Na forma em que foi defendida por Russell, ela se concentrava sobre a conexão entre a linguagem e chamada realidade. A análise sintática é uma parte importante dessa abordagem. A operação era a seguinte: as sentenças eram divididas em segmentos e o filósofo deveria em perseguindo um algo referido a cada segmento.

Os filósofos da educação “analíticos”, muito freqüentemente, estiveram inclinados para a filosofia da linguagem ordinária e conceitual. Um filósofo da educação poderia, por exemplo, analisar o conceito de ensino ou de educação. Assim fazendo, ela tentaria separar o dado conceito de outros mais proximamente considerados, e também daria bastante atenção aos vários contextos lingüísticos nos quais o conceito aparece. Na análise da linguagem ordinária, a ênfase era posta em como a linguagem é usada. Poderia, como diziam, ser usada para analisar conceitos, e os termos “análise conceitual” e “filosofia da linguagem ordinária” foram vistos como sinônimos. A característica importante de toda a filosofia analítica, naquela época, era a de sua exigência de neutralidade. Muitos filósofos atuais se consideram filósofos analíticos. Eles estão engajados na análise conceitual ou contextual, mas normalmente eles prestam muito mais atenção ao uso da linguagem e às conexões de várias práticas do que na busca de elementos ou relações irredutíveis (cf. Ghiraldelli Jr., 1999, pp.41-49).

Muito do que se fez em filosofia da educação nos países de língua inglesa no período de 1950 a 1970 foi inspirado direta ou indiretamente pela busca de análise dos conceitos e linguagem educacionais. A motivação básica desse trabalho vinha da crença de que a linguagem ordinária guardava uma preciosidade de significado ainda não percebido

porque ainda não analisado. A professora de filosofia N. Noddings, em um livro de meados dos anos noventa, Philosophy of Education, citou J. Soltis para exemplificar o que era  e em parte o que é — o espírito e o objetivo da filosofia analítica da educação:

Muitos de nós (...) ficaríamos em uma situação difícil se pressionados para explicar em palavras simples as idéias que estão contidas nos tais conceitos comuns de educação como ensino, aprendizagem ou matéria. Embora todos esses conceitos sejam básicos para qualquer pensamento ou discussão sobre educação. Além disso, creio que uma tal tentativa de explicar essas idéias resultaria invariavelmente no desvelamento de nuances de significado que são inconscientemente assumidos em nossas ações como estudantes ou professores. Como resultado, nos tornaríamos não só mais sofisticados e cuidadosos no seu uso mas, também, ganharíamos um

insight profundo em educação enquanto um esforço

humano no qual todos os homens tomam alguma parte em algum momento de suas vidas (apud Ghiraldelli Jr. 1999, pp. 42-41).

Uma das mais insistentes criticas feitas à filosofia analítica da educação foi construída na base de ir contra a sua busca de neutralidade. Todavia, talvez essa crítica seja injusta, já que os trabalhos dos filósofos analíticos da educação sempre foram com valores, em um estilo distante dos propósitos de Russell. Outra crítica foi a de que, tornando a filosofia da educação algo técnico  a análise —, ela deixou de lado certas preocupações como, por exemplo, as questões sobre a infância, sobre as melhores e piores políticas educacionais para as várias camadas emergentes da população, sobre os conflitos sociais etc. Em geral essas críticas partiram da filosofia continental, ou seja, das correntes filosóficas contemporâneas à filosofia analítica que não estavam no interior do mundo anglo-saxão, como o existencialismo-fenomenologia, o marxismo, os filósofos da Escola de Frankfurt e similares (cf. Ghiraldelli Jr. ,1999, pp. 41-49).

No Brasil, quem lidou anos da Ditadura Militar com filosofia analítica da educação?

Várias pessoas se interessaram por essa forma de pensar a educação e tentaram escrever algo. Pode-se dizer que o livro Educação e

linguagem, organizado por Jorge Nagle, foi um marco entre essas

tentativas. O livro era uma coletânea de artigos de Nagle, Péricles Trevisan, José Mário Pires Azanha, Carlos Eduardo Guimarães e Magda Becker Soares, e foi o resultado de um simpósio desses professores na

reunião de 1975 da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC), em Belo Horizonte.

O texto acabou não fazendo filosofia analítica, nem mesmo naquilo que se entendia por filosofia analítica que era simplesmente um versão dela  o positivismo lógico124. Ou seja, Jorge Nagle dissertou por alto sobre o que se deveria fazer, mas não se utilizou realmente da discussão em filosofia analítica para construir seu texto. Por sua vez, José Mário Pires Azanha pretendeu fazer de fato filosofia analítica e, então, entre outras coisas, procurou analisar um trecho da Lei 5692/71 para, através da escolha de algumas frases, concluir que ela tinha pressupostos (ora, mas qual texto não teria?), e que tais pressupostos vinha da filosofia de Dewey, de quem Azanha não gostava (cf. Nagle, 1976).

Mas creio que não foi pelo fato do livro ser uma primeira e incipiente experiência, e pelo fato de que não teve continuidade pelos próprios autores, que essa importante corrente de pensamento não contribuiu o quanto poderia ter contribuído no Brasil. Creio mais que foi exatamente por ela ter sido acolhida aqui em nosso país exatamente por pessoas como Nagle e Azanha que ela foi rechaçada  por meio de conceitos e preconceitos. Afinal, estávamos em meio à Ditadura Militar e vários dos intelectuais mais produtivos na área de educação não iriam querer divulgar a obra daqueles que, direta ou indiretamente, estavam ligados ao governo ditatorial. Além disso, no caso de José Mário Pires Azanha, creio que a presença dele realmente trouxe uma barreira para a absorção do livro e do que ficou na mente dos professores sobre o que seria a filosofia analítica da educação.

Azanha havia sido um dos responsáveis, quando esteve no governo estadual de São Paulo, pelo fechamento de colégio e ginásios experimentais, onde se desenvolvia a pedagogia nova em associação, não rara, com escritos que chegavam do exterior de Paulo Freire. A violência com a qual o governo, e Azanha à frente, usou para barrar tal experiência que vinha dando bons frutos em todos os sentidos foi tamanha (e, pior, causando desemprego e insegurança na área de educação) que dali para a frente o trabalhos desse educador ficaram nas estantes, pelo menos naquele período. Jorge Nagle e Azanha passaram a ser vistos não só como colaboradores da Ditadura, mas como pessoalmente autoritários, “de direita”. Mais tarde, é claro, eles

124 O leitor não deve confundir filosofia analítica e positivismo lógico, e também deve saber claramente distinguir onde o pragmatismo se aproxima e se distancia de ambos. Essa é uma confusão constante entre autores brasileiros em filosofia da educação. Para um visão sobre tais movimento. Para uma explicação das diferenças e do movimento dessas filosofias e suas relações com a educação o leitor pode consultar: Ghiraldelli Jr. P. e Rodrigues, A. T. Rorty: da filosofia da linguagem à filosofia política democrática. In: Rorty, R. Contra os chefes, contra as oligarquias. Rio de Janeiro, DPA, 2001. Ver também: Ghiraldelli Jr., P. Neopragmatismo, Escola de Frankfurt e marxismo. Rio de Janeiro: DPA, 2001.

voltaram a ser lidos e citados, mas nunca tiveram a influência na formação de pós-graduandos como teve, por exemplo, Dermeval Saviani e outros autores de esquerda. A filosofia analítica, por ela mesma, não conseguiu outras vozes diante dos fatos políticos da época.125

125 Escrevi sobre o período e a relação que os professores de esquerda tinham com as obras de Saviani e Azanha, tomados em comparação, em: Ghiraldelli Jr., P. a filosofia da educação do pragmatismo americano e o “Manifesto dos Pioneiros da Educação Nova”  uma crítica a J. M. Azanha e D. Saviani. Filosofia, sociedade e educação(2): 33-45, 1998.