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4. A Segunda República (1930 – 1937)

4.3 As Propostas Pedagógicas dos Anos Trinta

4.3.3 Ideário Integralista

Os ideários católico e integralista, apesar do conservadorismo, não podem ser confundidos. Aliás, âmbito da movimentação política católicos e integralistas não fundiram suas entidades exatamente por causa de divergências teóricas. Alceu Amoroso Lima48 deu apoio, na revista A Ordem, à Ação Integralista Brasileira (AIB). Plínio Salgado49, chefe da AIB, considerou o apoio uma confirmação de que a AIB seria o “partido oficial da Igreja”. Mas Alceu manteve-se fiel ao conselho de D. Leme de fixar atuação “suprapartidária” através da Liga Eleitoral Católica e outros organismos (como os círculos operários que cresceram nos anos 3650). Plínio nunca se conformou com tal posição, e ameaçou dizendo: “a LEC ganha as próximas eleições, depois ganharão os comunistas, e finalmente, então, ganharemos nós”.

É óbvio que o namoro e o verdadeiro casamento de vários sacerdotes com os integralistas não foi cerceado pela Igreja. Pelo contrário, o então jovem padre Helder Câmara,51 a mando de seu bispo, atuou no Ceará primeiramente na Legião Brasileira do Trabalho e depois na AIB. D. João Becker, no Rio Grande do Sul, foi nitidamente adepto de idéias fascistas e fez uma pregação que colaborou com os integralistas. A Igreja Católica utilizou da AIB para sua pregação anticomunista até mais ou menos 1937, quando optou por aconselhar os fiéis a “cerrar fileiras em torno dos governantes” — e não mais na AIB — na “cruzada contra o bolchevismo” (cf. Ghiraldelli Jr., 1991, p. 113).

A fundação da AIB em 1932 clareou e radicalizou o quadro político. As idéias da direita política, mais ou menos indefinidas ou mascaradas nas

48 O leitor interessado no pensamento de Alceu de Amoroso Lima (Tristão de Athaíde), especificamente no que se refere ao campo pedagógico, pode consultar o livro: Morais, R. História e pensamento na educação brasileira. Campinas: Papirus, 1985.

49 Vide biografia no Apêndice. Sobre Plínio Salgado, o leitor pode complementar seus conhecimentos através de um ensaio de Marilena Chauí que, apesar de ser bastante interpretativo, não deixa de ressaltar os pontos principais do ideário do líder do fascismo brasileiro: Chauí, M. Notas sobre o pensamento conservador nos anos 30. In: Moraes e outros. Inteligência brasileira. São Paulo: Brasiliense, 1986.

50 O livro Educação e movimento operário não contém na íntegra minha primeira dissertação de mestrado. Para publicar, modifiquei o nome e eliminei um capítulo onde eu expunha, em detalhes, o trabalho da Igreja nos círculos operários católicos. O leitor interessado por consultar tal dissertação na biblioteca da PUC-SP: Pedagogia,

educação e movimento operário na Primeira República. São Paulo: PUC, 1986.

51 D. Helder faz parte de uma gama não muito pequena de intelectuais que na juventude aderiram ao integralismo, ou seja, o “fascismo brasileiro”, e que, uma vez mais velhos, veio a comungar teses sociais mais próximas de concepções socialistas. O inverso também foi verdadeiro para outros. Sobre Dom Helder, o leitor pode consultar o belíssimo site: http://www.domhelder.com.br/

ligas nacionalistas dos anos dez, no Movimento Modernista de 1922, na produção teórica de vários intelectuais de renome, nas fileiras do movimento tenentista, na pregação de alguns industriais, etc., acabaram lapidadas e balizadas pela nova entidade. A ajuda financeira de bancos e monopólios alemães (AEG, Siemens, Telefunken, Banco GermanoAmericano, etc.) colaborou para a viabilização de entidades de direita que se incorporaram à AIB. Além disso, a presença de parcela das classes médias urbanas no movimento integralista garantiu a existência de produtores e consumidores para a vasta literatura ultraconservadora. Tal produção cultural responsabilizou-se pela veiculação de uma plataforma de política educacional e por reflexões no âmbito pedagógico-didático de caráter específico — a pedagogia integralista — que, se não obteve grandes vitórias na Constituinte de 1933-34, ganhou revanche na Constituição de 1937 (ainda que, como grupo, a AIB tenha sido desmantelada por Vargas, que prendeu seus líderes em 1939), durante o “Estado Novo”).

Na Cartilha do Integralismo de Plínio Salgado, Miguel Reale e Leão Sobrinho, publicada em 1933, o “problema da cultura” foi tomado como uma “questão fundamental”. A cultura foi invocada pela Cartilha no sentido de proporcionar uma “consciência nacional”, sem a qual “nada se poderá fazer de duradouro”. A “cultura da inteligência e do espírito e não a simples aprendizagem mecânica de letras e algarismos é que lhe seria necessária para a ‘formação do ‘brasileiro’”. Daí a necessidade, segundo a Cartilha, de “dar uma função educacional aos sindicatos. Na visão do integralismo — que buscou a concretização do chamado Estado Corporativo, que se formaria pelos “grupos naturais”, como a família, as sociedades científicas, religiosas e artísticas e os sindicatos profissionais, com a exclusão dos partidos políticos porque eles seriam “artificiais” e “fracionadores da nação” — os sindicatos profissionais deveriam ser reconhecidos pelo Estado, e, ao serem reconhecidos, ganhariam direitos deveres (cf. Ghiraldelli Jr., 1991, p. 114).

Como “células do organismo nacional” (tão importantes quanto a família), o sindicato integralista teria quatro funções, como determinava a Cartilha. A “função política”, que seria a de responsabilizar-se pela indicação dos representantes aos Conselhos Municipais, aos Conselhos Econômicos Provinciais e à Câmara Corporativa Nacional; ou seja, os sindicatos deveriam da alimentar o sistema de representação criado pelo Estado Integralista em substituição aos parlamentos municipal, estadual e federal, como eles normalmente existem na democracia liberal. A “função econômica”, que levaria os sindicatos, através de “seus órgãos superiores”, a participar na solução dos problemas da economia nacional e na estipulação de contratos coletivos. A “função moral”, pela qual o sindicato teria “o dever de resolver “os conflitos surgidos na produção”, “dentro de um espírito de cooperação e de auxílio mútuo, sem esquecer

os impositivos de solidariedade nacional”. E, finalmente, a “função cultural” — e aí os sindicatos profissionais se tornariam uma peça chave na política educacional do Estado Integralista — a qual imporia ao sindicato a tarefa, que o Estado lhe determinaria, “de cuidar da cultura de seus associados, mantendo escolas, bibliotecas, cursos técnicos, etc., e cooperando na criação dos campos de repouso, de diversões e esportes” (cf. Ghiraldelli Jr., 1991, p. 113).

A Cartilha colocou que a nação deveria ser definida como “uma sociedade solidária naturalmente estabelecida entre os trabalhadores da inteligência, do braço e do capital”; sendo assim, todos seriam traba- lhadores e atuariam em cooperação “naturalmente”. O Estado In- tegralista se identificaria com a nação (“Estado burguês” e “Estado proletário” são “formas patológicas”, diziam os integralistas) e colocaria a sociedade entre “trabalhadores da inteligência, do braço e do capital” formada “espontaneamente e naturalmente” de maneira organizada e hierarquizada. Daí o projeto de sistema escolar do ideário educacional integralista ter insistido em consagrar a divisão entre “trabalhadores da inteligência”, “trabalhadores do braço” e “trabalhadores do capital”. O ensino seria “gratuito em seu grau primário com obrigatoriedade de matrícula e freqüência”; todavia, o secundário e a universidade só deveriam ser freqüentados gratuitamente pelos estudantes “que mostrarem capacidade”. A universidade deveria ter “uma função importantíssima na seleção dos valores, pois o Integralismo só com- preenderia a unidade [daí a “escola unificada”] segundo a hierarquia da inteligência e da capacidade” (cf. Ghiraldelli Jr. 1991, p. 114).

A formulação integralista, que considerou a todos como trabalhadores (da inteligência, do braço e do capital), buscou a perpetuação da hierarquia social sobre a base da perpetuação da propriedade privada e, nessa direção, acentuou em sua plataforma de política educacional a necessidade da escola profissional voltada para o desenvolvimento industrial. Tais idéias estiveram em trânsito não apenas no âmbito integralista, mas, de certa forma, apareceram nos discursos de Getúlio Vargas e nas várias organizações de caráter tenentista que se auto- intitularam socialistas, mas que, é claro, nada tinham a ver com o socialismo e sim com o nacional-socialismo (o nazismo, o facismo).

Segundo a Cartilha, “o desenvolvimento da indústria e o desenvolvimento econômico dos trabalhadores” exigia “ampla instrução profissional”, “sendo preciso não separar a fábrica da escola, assim como não era correto separar o Capital do Trabalho”. Aparecia aí, então, uma grande preocupação com a escola profissionalizante e com o ensino regionalizado, que não se antagonizaria com os desejos de “ligação entre escola e fábrica” e com o culto da vida municipal-comunitária.

Os textos de Plínio Salgado e de Miguel Reale,52 de caráter geral, confeccionados para o trabalho de doutrinação da AIB no meio da classe média urbana, quanto à questão educacional situaram-se mais no âmbito da política educacional. No que se refere às questões mais propriamente pedagógico-didáticas, o livro Técnica da pedagogia

nwderna, de Everardo Backheuser, foi considerado por vários ideólogos

integralistas como paradigma da pedagogia integralista. Mas tal justificativa vingou menos pelo conteúdo da obra, baseada em vários princípios escolanovistas, do que pelo fato de que Backheuser foi o presidente da Confederação Católica Brasileira de Educação (nascida para fazer frente à Associação Brasileira de Educação, a ABE). Segundo as lideranças integralistas, Backheuser era um “defensor fervoroso da obra cultural da Ação Integralista Brasileira”. De fato, na medida em que o clima de autoritarismo foi crescendo (nos anos trinta, na Europa, começava de fato a propaganda nazi-fascista), Backheuser tendeu a publicar textos cada vez mais comprometidos com uma postura fascista, principalmente os escritos de “biotipologia educacional”, na linha da biologia nazi-fascista e de escritos de cientistas europeus da extrema direita, que falavam em seleção e depuração de raças.

Foi o padre Helder Câmara quem, nos anos trinta, desenvolveu uma reflexão pedagógica na busca de uma inserção integralista nas questões educacionais. O ideário liberal e as teses educacionais vindas dos socialistas, foram os alvos prediletos de Câmara. Ele chamava a pedagogia vinda dos socialistas ou do movimento de “pedagogia soviética”53; ele não via as teorias socialistas como expressões dos

52 Miguel Reale foi advogado, jurista e fundador em 1949 do Instituto Brasileiro de Filosofia. Autor de vários livros bastante consultados no campo direito, como Helder Câmara, aos poucos foi se afastando do pensamento ultra-conservador do integralismo, mas, ao contrário do padre, nunca esposou idéias mais radicais no sentido de um liberalismo mais atinente aos problemas sociais, inclusive, durante a Ditadura Militar de 1964-1985, chegou a ser consultor do Governo do General Costa e Silva para a revisão da Constituição de 1967. O leitor interessado no seu pensamento e biografia pode consultar: http://www.miguelreale.com.br/

53 “Soviética” diz respeito à União Soviética. A União das Repúblicas Socialistas Soviéticas (URSS). Esta união foi concretizada, de certo modo, pela Revolução Russa de 1917, sob liderança de Lênin. Em torno da Rússia, então, criou-se um enorme paíss socialista  comunista (que além de uma federação de povos, ainda agregou ao seu círculo de influência países que eram seus “satélites”, como a Polônia, a Tchecoslováquia, a Hungria, a Romênia etc.) em certo sentido, uma vez que “socialismo” virou um termo ambíguo, que comportava a associação com democracia, enquanto que comunismo comportava a associação com ditadura, ou seja, a “ditadura do proletariado”. Com os eventos desencadeados mais ou menos em 1989, todo o Leste Europeu foi se reorganizando. Houve várias revoluções nesta região onde a população derrubou os governantes socialistas-comunistas. A URSS desapareceu como país e o mapa da Europa se modificou radicalmente na última década do século XX.

trabalhadores, e sim como frutos de “aproveitadores da ingenuidade dos trabalhadores” o foram os alvos preferidos da crítica de Helder Câmara. Segundo Câmara, não seria possível pensar em educação sem levar em conta”a totalidade econômico-social”. A economia liberal havia abandonado as massas à fome e à miséria, e “as belezas aparentes de sistemas à Ford e à Hoover” não poderiam resolver os problemas sociais. Daí que pedagogia liberal, na sua versão americana, não conseguiria modificar a sociedade através da escola.

Assim, Helder Câmara, no seu artigo “Integralismo e Educação” publicado na Enciclopédia do Integralismo (publicação da década de trinta) escreveu que se, por um lado, a pedagogia liberal, através da timidez e ambigüidades do “movimento da escola nova”, seria “criminosa” por omissão, a “pedagogia da Rússia”, embora coerente e decidida, seria “diabólica”. Ele condenava tal pedagogia porque, segundo suas palavras, a “pedagogia soviética” educaria o homem não para “o pensamento, para a descoberta da beleza e para a oração”, e sim para ser o “animal que cria sempre meios novos de produzir com esforço menor — o homem econômico” (cf. Ghiraldelli Jr. 1991, p. 117). Para Helder Câmara, a pedagogia integralista deveria colaborar com a tarefa do Estado na garantia da harmonia das classes sociais, através de uma organização onde os vários grupos sociais fossem “tutelados por um governo forte”.

O operário e a mulher estiveram entre as grandes preocupações do integralismo. Não só porque eram elementos emergentes no cenário dos anos vinte e trinta (“a questão social”, a problemática da “mulher no trabalho” e a extensão do direito de voto às mulheres), mas principalmente porque, em termos doutrinários, o integralismo elegeu a família e os sindicatos profissionais como “células naturais” da nação-Es- tado. Daí os sindicatos adquirirem funções culturais e a mulher determinações educativas. Justamente no mesmo período em que o feminismo inaugurou uma faceta à esquerda, com Maria Lacerda de Moura publicando textos antifascistas e escritos pedagógicos sobre Francisco Ferrer, e com lideranças feministas-libertárias advogando uma “greve de úteros”, o integralismo passou a advogar uma “educação feminina” no sentido de secundarizar a mulher e valorizar a mãe, como dizia Roland Corbisier na época (cf. Ghiraldelli Jr., 1991, p. 117).

Para a defesa da educação diferenciada para as mulheres e para o combate à co-educação dos sexos, a pedagogia integralista buscou fundamentação na ciência da biotipologia. Os testes vocacionais defen- didos por Fernando de Azevedo e Lourenço Filho, nas mãos dos integralistas, ganharam uma conotação elitista, racista e altamente discriminatória, principalmente nos textos de Everardo Backheuser, que, mais tarde, escreveu um Ensaio de biotipotogia educacional buscando casar os métodos individualistas do escolanovismo com a “busca de

vocações” através da biotipologia racista.

É interessante notar que “os métodos ativos”, o “trabalho em equipe” e outras formulações didáticas divulgadas pelo escolanovismo não foram abandonadas nem pelos escritos mais reacionários de Backheuser. Ele dizia estar convencido da utilidade dessa didática, e que bastaria apenas que se colocassem alguns freios em relação aos “leitores de Rousseau” — que ele chamou de “extremistas da Escola Nova” — para que se pudesse utilizar perfeitamente as “formulações da moderna pedagogia”. Em Everardo Backheuser, e também em Lourenço Filho, obviamente de maneiras diferentes, explicitou-se a tendência de considerar a didática como área excessivamente técnica e neutra, que poderia ser descolada dos princípios pedagógicos gerais, o que lhes facilitou o trabalho de fazer casar técnicas didáticas atreladas em seu nascedouro ao liberalismo com um projeto educacional de caráter fascista, que então se desenvolveu no Brasil, principalmente entre os final dos anos trinta e início dos anos quarenta.