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Quem eram os signatários do “Manifesto” de 1932?

4. A Segunda República (1930 – 1937)

4.2 Quem eram os signatários do “Manifesto” de 1932?

Uma vez tornado público, o “Manifesto dos Pioneiros da Educação Nova” potencializou a notoriedade de alguns intelectuais já conhecidos e registrou, no campo do prestígio social, outros nomes. O grupo dos vinte e seis signatários era bastante heterogêneo do ponto de vista de suas idéias, mas isso não impediu que concordassem com as linhas gerais e sabiamente abrangentes de Fernando de Azevedo em relação à “renovação da educação” (cf. Ghiraldelli Jr., 1991, pp. 58-64).33

Um dos signatários era socialista com simpatias pelo anarquismo: Roldão Lopes de Barros, que na época da publicação do “Manifesto” exercia a cadeira de História da Educação no Instituto Caetano de Campos, em São Paulo. Outros dois signatários se tornaram simpatizantes do socialismo mais tarde: Hermes Lima, que desenvolveu um tipo de socialismo marxista de caráter positivista; e Paschoal Lemme, na época eleitor do Partido Comunista e que mais tarde buscou estudar o marxismo. Lima, quando da publicação do “Manifesto” era professor de Direito Constitucional na Faculdade de Direito de São Paulo. Paschoal Lemme era professor normalista, ex-assessor-técnico de Fernando de Azevedo na Diretoria da Instrução Pública do Distrito Federal e em 1932 dirigia uma escola de sua propriedade — o Instituto Brasileiro de Educação.

Edgard Sussekind de Mendonça era simpatizante do tenentismo e amigo pessoal de alguns “tenentes” importantes. Júlio de Mesquita Filho, ao contrário34, defendia os interesses das elites paulistas. Em 1932, o

33 As interpretações a respeito do “Manifesto” foram variando conforme os anos. Assim, na década de oitenta, Carlos Roberto Jamil Cury e outros (cf. Cury, 1982), e inclusive eu mesmo no livro Pedagogia e luta de classes (1930-1937), advogamos a idéia de que o “Manifesto” era propositalmente ambíguo  “liberal”  e nisto estava sua força, pois ele podia conquistar elementos à direita e à esquerda. Para nós, então baseados na concepção de hegemonia, como ela aparecia nos textos do pensador italiano Antonio Gramsci (1891-1937), o “Manifesto” teria sido um documento que solapou possíveis avanços de uma concepção mais à esquerda, talvez de cunho marxista. Da minha parte, não advogo mais tal interpretação há anos. Deixo isto claro em artigos mais recentes, em especial no texto sobre Anísio Teixeira que fiz para a revista Teias, da Universidade Estadual do Rio de Janeiro (UERJ): Ghiraldelli Jr., P. Anísio Teixeira – o nosso pragmatista do século XX fazendo filosofia no começo do século XXI. Teias(1): 119-123, 2000c.

34 O tenentismo foi um movimento revolucionário dos anos vinte, que em vários momentos se insurgiu contra os governos republicanos que eram, em sua maioria, eleitos através da força econômica e política de Minas Gerais e São Paulo. A Revolução de Trinta incorporou o tenentismo e Getúlio Vargas, portanto, uma vez no poder, nunca foi aceito pelas elites de S. Paulo, e o jornal O Estado de S. Paulo, da família Mesquita, espelhava isso muito bem, se opondo durante anos a uma república comandada pelos gaúchos. Sobre o tenentismo e a Revolução de Trinta o leitor deve

primeiro exercia os cargos de professor do Instituto de Educação do Distrito Federal e de técnico do Serviço Geológico e Mineralógico do Distrito Federal, o segundo dirigia o jornal O Estado de S.Paulo.

E se havia socialistas e simpatizantes do tenentismo que, em princípio, estariam inclinados a defender o ensino público estatal, por outro lado também assinaram o “Manifesto” pessoas com a postura de Armanda Álvaro Alberto. Proprietária e diretora da Escola Regional do Merity — estabelecimento este que buscou implementar, na prática, os princípios escolanovistas —, ela defendeu na III Conferência Nacional de Educação (1929) o subsidio governamental à iniciativa particular no ensino.

Também assinaram o “Manifesto” intelectuais que, no decorrer da década de trinta, assumiram posições teóricas comprometidas com as reflexões fascistas: Raul Briquet, professor de Clínica Obstétrica da Faculdade de Medicina de São Paulo, nos seus trabalhos de psicologia social não titubeou em classificar o típico “comportamento do revolucionário” como o de alguém que é “produto de conflitos emotivos infantis”.

De um modo ou de outro, a maior parte dos signatários do “Manifesto” ligou-se, ainda nos anos vinte, a um cargo público, geralmente diretamente no magistério superior, secundário ou primário, ou então com participação nas Diretorias de Instrução dos Estados.

Mário Casassanta foi diretor-geral da Instrução (1928-31) em Minas Gerais e reitor da Universidade de Minas Gerais (1931). Na época de publicação do “Manifesto” exercia o cargo de diretor da Imprensa Oficial do Estado de Minas. Atiilio Vivacqua foi professor do Ginásio do Estado e secretário da Instrução do Espírito Santo (1928-31). Francisco Venâncio Filho era docente do Colégio Pedro II e exercia em 1932 a chefia do Ensino Secundário Geral e Profissional do Distrito Federal. Afrânio Peixoto era professor de Higiene da Faculdade de Medicina do Rio deJaneiro e de História da Educação do Instituto de Educação do Rio de Janeiro e Foi diretor da Instrução Pública no Distrito Federal. Antônio Sampaio Dória havia sido diretor-geral do Ensino em São Paulo e em 1932 e era professor de Direito Constitucional da Faculdade de Direito de São Paulo. Roquette Pinto era diretor e professor do Museu Nacional, professor do Instituto de Educação e da Faculdade de Medicina do Rio de Janeiro. Frota Pessoa era jornalista e político e exercia o cargo de subdiretor da Instrução no Distrito Federal (1928-32) além de ser presi- dente da Associação dos Professores Primários. Noemy Silveira era professora do Mackienzie e do Caetano de Campos em São Paulo e assistente-técnica de psicologia da Diretoria do Ensino de São Paulo. Garcia de Resende foi diretor da Imprensa Oficial no Estado do Espírito Santo.

consultar um pequeno livro que se tornou um clássico: Fausto, B. A revolução de 30. São Paulo: Brasiliense, 1978.

Outros signatários não haviam, ainda até 1932, ocupado cargos importantes na burocracia estatal, todavia, como os demais, eram professores conhecidos e autores de vários livros ligados diretamente com a problemática pedagógica.

Almeida Júnior era professor do Caetano de Campos e professor de Medicina Legal na Faculdade de Direito de São Paulo. J.P. Fontenelle era especialista em Saúde Pública pela Universidade Johns Hopkins dos Estados Unidos e exercia docência em Saúde Pública na Universidade do Rio de Janeiro. Paulo Maranhão era inspetor escolar e foi membro do Conselho Nacional de Educação. Cecília Meirelles35 era docente de Desenho da Escola Normal do Distrito Federal e dirigia a “página de Educação” no Diário de Notícias. Nóbrega da Cunha era jornalista de vários periódicos do Rio de Janeiro. Raul Rodrigues foi diretor de Escola em Santa Catarina e em 1932 era inspetor escolar no Paraná. Delgado de Carvalho era advogado e sociólogo formado em Paris e Londres e exercia a docência no Colégio Pedro II e no Instituto de Educação do Rio de Janeiro.

Todos foram, cada um com seu peso, teóricos importantes, tendo contribuído para o crescimento da literatura pedagógica nos anos vinte e trinta e, principalmente, no caso de alguns, contribuído especificamente para a divulgação do ideário do movimento da escola nova no âmbito da filosofia da educação, da política educacional e dos princípios pedagógico-didáticos. Todavia, a marca fundamental do “movimento renovador” foi disputada pelas três grandes figuras dos anos trinta no meio educacional: Fernando de Azevedo, Anísio Teixeira36 e Lourenço Filho37.

Fernando de Azevedo era filho de um dono de companhia de bondes no Rio de Janeiro. Estudou no Seminário, fez o curso de Direito e em 1921 era professor de Latim e Literatura na Escola Normal da Praça da República em São Paulo. Em 1926, como jornalista de O Estado de

S.Paulo, e como amigo pessoal de Júlio de Mesquita Filho, foi incumbido

de elaborar um “inquérito sobre a instrução pública” em São Paulo. Tal inquérito projetou Fernando de Azevedo como “especialista” na área educacional. Através de um amigo influente, Renato Jardim (ex-diretor da Escola Normal da capital paulista e, depois, diretor da Casa da Moeda no último governo da Primeira República), Fernando de Azevedo foi indicado ao presidente Washington Luís para o cargo de diretor-geral da Instrução Pública do Distrito Federal (cargo ocupado pelo próprio Renato Jardim). Com a indicação do presidente da República, o prefeito do

35 Trata-se, sim, da escritora Cecília Meirelles. 36 Vide biografia no Apêndice.

Distrito Federal, Antônio Prado Júnior, empossou Fernando de Azevedo em 1927. Fernando de Azevedo empreendeu uma “reforma radical” no sistema educacional do Distrito Federal. E para tal teve de enfrentar uma dura luta no Conselho Municipal (Câmara de Vereadores). A maioria do Conselho foi contra a reforma, mas graças ao Conselheiro Maurício de Lacerda (ex-deputado de estilo social-democrata que atuava de forma independente entre as esquerdas) a reforma passou. Ele estava sendo cogitado para ministro da Educação quando, nos últimos anos da Primeira República, o governo anunciou a intenção de criar tal Ministério. Mas veio a “Revolução de 1930” e o Ministério foi criado por Vargas e entregue a Francisco Campos.

O sucessor de Fernando de Azevedo na Diretoria-Geral da Instrução Pública do Distrito Federal foi Anísio Teixeira, após 1930. Anísio Teixeira era de família rica e influente na Bahia; estudou em colégio de jesuítas e em 1922 colou grau de bacharel em ciências jurídicas e sociais. Os jesuítas desejaram fazer dele um sacerdote, mas o pai lhe reservara um lugar na política. Em 1923, passou o ano todo em campanha, junto com o pai, em favor de Arthur Bernardes. Foi em troca de favor político- partidário que o Governador da Bahia, Goes Calmon, nomeou Anísio, em 1924, para inspetor-geral do Ensino. Daí por diante a carreira de Anisio Teixeira como educador e como missionário de uma renovação na política educacional brasileira foi meteórica, igualando e até mesmo superando, em alguns aspetos, o sucesso de Fernando de Azevedo. Fernando de Azevedo conheceu Anísio em 1929. O intelectual bahiano voltou dos Estados Unidos, onde havia sido aluno de John Dewey, e entrou no gabinete de trabalho de Fernando de Azevedo, então diretor- geral da Instrução Pública do Distrito Federal, com uma carta de apresentação de Monteiro Lobato38. Vale a pena reproduzir um trecho da carta:

Fernando. Ao receberes esta, pára! Bota prá fora qualquer senador que esteja lhe aporrinhando. Solta o pessoal da sala e atende o apresentado pois ele é o nosso grande Anísio Teixeira, a inteligência mais brilhante e o maior coração que já encontrei nestes últimos anos de minha vida, O Anísio viu, sentiu e compreendeu a América o aí te dirá o que realmente significa esse fenômeno novo no mundo. Ouve-o, adora-o como todos os que o conhecemos o adoramos, e torna-te amigo dele como me tornei, como nos tornamos eu e você. Bem sabes que há uma certa Irmandade no mundo e que é desses irmãos, quando se encontram, reconhecerem-se. Adeus. Estou

38 Vide biografia no Apêndice.

escrevendo a galope, a bordo do navio que vai levando uma grande coisa para o Brasil: o Anísio lapidado pela América. Lobato (Apud Ghiraldelli Jr, 1991, p. 61).

Na substituição de Fernando de Azevedo no cargo de diretor-geral da Instrução Pública do Distrito Federal, Anísio fez planos não apenas para “arrumar a casa” mas, também, para implantar uma “nova filosofia da educação”. Nos anos trinta, essa “nova filosofia da educação” de Anísio assentava-se sobre dois pilares básicos: a escola deveria preparar

técnicos, a saber: homens capazes de se integrar rapidamente na

civilização baseada na ciência e na tecnologia (uma escola desse tipo só poderia ser construída pelo Estado); a escola deveria educar para a democracia, para a formação do cidadão, deveria colocar as pessoas das mais diversas origens em igualdade de condições para ascenderem socialmente.

Se Anísio foi o grande representante, no Brasil, do movimento da escola nova na linha de John Dewey, Manuel Bergstron Lourenço Filho, por sua vez, contribuiu para a divulgação das correntes européias deste mesmo movimento, principalmente aquelas preocupadas com a psicologia educacional. A trajetória de Lourenço Filho também representou um modelo de intelectual reformador dos anos vinte e trinta. Seu pai foi vendedor de livros, teve tipografia, foi fundador e dono de jornal e cinema no interior de São Paulo. Lourenço Filho se tornou professor primário pela Escola Normal de São Paulo e em 1919 ingressou na Faculdade de Direito após ter freqüentado dois anos de Medicina. Em 1922, Sampaio Dória (signatário do “Manifesto”), recém-nomeado diretor-geral da Instrução de São Paulo pelo então governador Washington Luís, chamou Lourenço Filho para substituir Roldão de Barros (também signatário do “Manifesto”) na cadeira de Pedagogia e Educação Cívica da Escola Normal Primária, anexa à Escola Normal da Capital. Em 1923, entrou efetivamente para o rol dos intelectuais reformadores do ensino quando, por um acordo do governo paulista com o governo cearense, foi designado para empreender uma reforma no ensino público do Ceará.

Introdução ao estudo da Escola Nova, publicado em 1929, foi a obra de

Lourenço Filho que, no âmbito bibliográfico, representou justamente a divulgação daquela “nova filosofia da educação” de Anísio Teixeira. Logo depois da publicação do livro, em 1930, o autor passou a ocupar a Diretoria-Geral do Ensino do Estado de São Paulo e em 1932 chegou ao governo federal integrando a equipe de técnicos do Ministério da Educação e Saúde Pública, comandado por Francisco Campos.

Lourenço Filho apostou nos trunfos dos títulos acadêmicos para galgar posições. E, sem dúvida, sua vida representou a do intelectual que melhor se adaptava a mudanças políticas. Por exemplo, Lourenço Filho

não titubeou em aceitar incumbências diversas, até mesmo aquelas que o desviaram do liberalismo, comprometendo-o em alguns momentos com o autoritarismo do “Estado Novo”.

Mas é preciso ter claro que o caminho seguido pelos reformadores do ensino dos anos vinte não os levou, na década de trinta, em conjunto, a assinar o “Manifesto”. Lisímaco da Costa, por exemplo, que empreendeu a reforma do ensino no Paraná, não seguiu os demais colegas reformadores. E Francisco Campos, que empreendeu a reforma do ensino em Minas Gerais, tentou oferecer uma imagem de magistrado neutro frente às polêmicas entre as propostas pedagógicas dos vários grupos na primeira metade da década de 1930, principalmente entre os signatários do “Manifesto” e os educadores católicos, então contrários à filosofia da educação do movimento renovador.

A biografia de Francisco de Campos representou o contraponto às biografias de Anísio, Fernando de Azevedo ou mesmo Lourenço Filho (até porque, quando da demissão de Anísio Teixeira da Secretaria da Educação do Distrito Federal, em 1935, foi Francisco Campos quem ocupou o cargo, incumbido de afastar dos postos de governo os “elementos esquerdistas”). Foi professor de Direito Público, deputado estadual pelo Partido Republicano Mineiro (PRM), secretário do Interior de Minas Gerais, ministro da Educação e Saúde Pública, ministro da Justiça e autor da Constituição do “Estado Novo”. Seus discursos, quando das exposições de motivos para a implantação da reforma do ensino em Minas Gerais, continham citações baseadas em Dewey, mas com um sentido conservador, diferente das de Anísio Teixeira e de Fernando de Azevedo ou mesmo de Lourenço Filho na mesma época. Depois, como ministro da Educação e Saúde Pública durante o “Governo Provisório”, implementou uma reforma do ensino ao nível federal de caráter elitista, deixando transparecer que seu estilo de “modernizador” era bem mais conservador do que o do “Manifesto”, embora, de fato, ele verbalmente endossasse várias teses do documento de 1932 que ganharam status irreversível nos anos trinta e quarenta.