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4. A Segunda República (1930 – 1937)

4.3 As Propostas Pedagógicas dos Anos Trinta

4.3.4 Ideário Comunista

O ideário comunista não publicou muita coisa a respeito de educação, nos anos trinta. É claro que existiram bons periódicos no campo cultural confeccionados por social-democratas,54 comunistas, tanto os da linha do Partido Comunista quanto os da dissidência que seguiu Trotsky (1879-1940)55. Um exemplo disso foi a revista Movimento, ligada ao Clube de Cultura Moderna, que teve como participantes figuras conhecidas e que se tornaram clássicos do pensamento literário brasileiro  como Oswald de Andrade  e do pensamento historiográfico  como Caio Prado Jr. Todavia, se nos referirmos ao debate sobre ideários educacionais, sobre pedagogia, temos de recorrer a textos de autores menos famosos ou que se tornaram, mesmo, desconhecidos da história.

Este é o caso de José Neves, tradutor e responsável por uma introdução do livro Educação burguesa e educação proletária (1934), de Edwin Hoernie56, que conseguiu explorar pontos significativos sobre a reflexão educacional, da ótica dos comunistas  pontos estes que iriam se repetir, mais tarde, nos anos setenta, em várias discussões entre marxistas revolucionários e não revolucionários no campo da educação brasileira.57

54 Social-democracia. Partidos políticos, tornados governos especialmente na Europa após a II Guerra, cuja ideologia combina a defesa de elementos do sistema econômico capitalista (economia de mercado) e do socialista (interveniência estatal sobre a economia, de caráter redistributivo da renda social). A idéia-força da social-democracia é a de que o princípio norteador da democracia (a idéia de igualdade ou isonomia) deve extrapolar sua dimensão formal (igualdade formal perante a lei e tomada de decisões coletivas pelos iguais) e assumir caráter substantivo (busca de igualdade sócio-econômica). (Nota de Alberto Tosi Rodrigues, especial para este livro).

55 Trotsky foi, ao lado de Lênin, um dos principais revolucionários de 1917, quando a Rússia de adjacências se tornaram socialistas. Sobre personalidades históricas, para um exame breve mas nem por isso pouco consistente, o leitor pode consultar: http://historianet.zip.net/main/index.asp

56 Edwin Hoernie foi pedagogo alemão marxista conhecido nos meios europeus na época, tendo sido resenhado pelo filósofo da Escola de Frankfurt Walter Benjamin, naquele mesmo período.

57 Entre as esquerdas (em nosso país e no Exterior) há uma debate clássico a respeito de se as transformações que se quer devem ser atingidas por reformas ou por revolução. Este debate tem altos e baixos. Quando se pensa que ele se tornou completamente obsoleto, ele reaparece. A educação é, então, um eterno problema para o pensamento de esquerda. Pois, tomando o debate em termos formais, as esquerdas em geral não sabem o que fazer com a educação escolar enquanto está vigente o capitalismo  que elas querem ou extinguir ou modificar. Depois da revolução o mesmo acontece, pois sendo o comunismo uma ditadura ele acaba por impôr censuras ao projeto educacional que antes ele havia incentivado a ser “crítico”. É claro que, aqui, estou reduzindo o debate a termos grosseiros. Mas não à toa. Assim

O ponto de partida de Neves foi o ataque ao escolanovismo. Para Neves, o escolanovismo teria afirmado vários pontos em comum com a pedagogia fascista, e o principal deles estaria no fato de que, cada pedagogia, à sua maneira, dizia que a escola poderia ser usada no sentido da satisfação dos “interesses gerais” da sociedade. Os escolanovistas — comentou Neves — disseram que “a escola serviria à sociedade ‘em geral”’, e com isso “afirmaram o apoliticismo da escola”. Os fascistas, apesar de afirmarem o caráter político da educação, emendaram dizendo que a escola, posta a serviço do Estado Totalitário identificado com a Nação”, poderia servir aos “interesses gerais”. De um certo modo, “educadores burgueses, reformistas, conservadores ou abertamente reacionários” acabaram endossando a tese de uma educação que estaria “pairando acima das classes” e que “aproveitaria todos os indivíduos”, escreveu Neves.

Proclamaram aos quatro cantos a realização, escreveu Neves, ainda em uma sociedade dividida em classes, de que haveria o “direito biológico de cada indivíduo à sua educação integral”, o que não passou de um engodo, continuou ele (cf. Ghiraldelli Jr., 1991).

José Neves  através de uma ótica classista alimentada por um determinado tipo de marxismo  insistiu que slogan dos escolanovistas — “educação para a vida e pela vida” — não poderia se realizar concretamente na sociedade burguesa, pois a escola burguesa estaria impedida de proporcionar uma educação capaz de mostrar a vida “como ela é”. E complementou:

Será capaz a educação burguesa de fazer com que a criança conheça de perto um sindicato proletário de luta,

as mil e uma peripécias no desenrolar de uma greve de

trabalhadores? Poderá explicar à infância proletária a razão de arrastar a sua vida em cortiços e favelas, apesar de todos os membros da sua família trabalharem na fábrica e no campo? Poderá explicar a destruição de riquezas criadas pela força de trabalho, quando os operários passam fome? Os interesses da classe dominante impõem que a educação burguesa silencie sobre isso, que a escola se isole da realidade social (apud Ghiraldelli Jr., 1991, p. 122).

Na visão de Neves, a “educação para a vida e pela vida” dos “reformadores educacionais” estaria limitada pela ação de uma escola que não poderia tratar cientificamente a vida real, pois isso significaria o combate à ideologia burguesa e um combate à própria idéia de “reforma

faço porque é muitas vezes nesses termos grosseios que o debate aparece entre as esquerdas, mesmo em esferas intelectuais que se acreditam sofisticadas.

educacional” que sempre buscou fazer crer ao proletariado que a escola resolveria os problemas sociais. Mas, então, o que a escola burguesa estaria ensinando?

Para evitar que o proletário mais facilmente organize as suas experiências, o capitalismo dificulta-lhe todos os meios de cultura, os quais só não constituem em absoluto monopólio da classe dominante, porque as necessidades da produção exigem dos trabalhadores uma certa instrução e um certo desenvolvimento de aptidões. Até porque, em matéria de cultura, a burguesia industrial lhes proporciona (e apenas a uma parte) — tão somente o mínimo, o estritamente necessário ao processo de produção. (...) nos países de economia agrária dominante, o capitalismo nem mesmo o ensino primário ministra à grande massa. Contenta-se em formar técnicos saídos das suas próprias fileiras e deixa os trabalhadores entregues à tradição, às superstições, à obra obscurantista do clero ou dos cleros (apud Ghiraldelli Jr. , 191, p. 122).

Para Neves, seria difícil no capitalismo realizar urna educação inspirada na pedagogia marxista. Ele criticou o autor de Educação burguesa e

educação proletária, por este ter caído na “ilusão social-democrata”, a

saber: a de poder, pela movimentação dos alunos, organizar a escola sob outros parâmetros. Concluiu que tal situação só poderia ter se verificado “em outras épocas passadas”, quando a burguesia sustentou o liberalismo, e não mais quando a burguesia vinha endurecendo suas posições e se entregando ao fascismo (cf. Ghiraldelli Jr., 1991, p. 123). A pedagogia marxista, na visão de Neves, deveria integrar o “conhecimento científico da realidade” com a formação de pessoas aptas ao trabalho militante no sentido da revolução social. A “escola para a vida e pela vida” só poderia significar, para o proletariado, escola “para a luta e pela luta”. Todavia, no pensamento exposto por Neves situou-se um problema que, mutatis mutandis se repetiria entre as esquerdas dos anos setenta e oitenta no movimento educacional brasileiro: a pedagogia marxista, que deveria “preparar para a luta”, se realizaria ou não com participação da “escola possível” existente na sociedade capitalista? Ou a pedagogia marxista só teria sentido como educação extra-escolar?

Procurando saída para tais questões, Neves colocou que a escola burguesa vinha fornecendo ao proletariado “as técnicas fundamentais de cultura”, que embora ministradas ao proletariado no interesse da produção capitalista, constituíam-se justamente naquilo que seria necessário para “auxiliar o proletário a compreender a sua situação real na sociedade burguesa e a tornar-se militante revolucionário”. Neves

disse que o “levantamento do nível cultural” do proletariado deveria instigá-lo à busca de “orientação ideológica”, e, então, iniciar-se-ia a construção do terreno teórico sobre o qual se assentariam as atividades de formação de quadros do Partido Comunista (cf. Ghiraldelli Jr, 1991, p. 123).